João Bosco reafirma sua fé aos 30 anos de carreira

Cantor lança o álbum Malabaristas do Sinal Vermelho, dando continuidade à frutífera parceria com o filho Chico

Mônica Loureiro
24/01/2003
Andar com fé eu vou/que a fé não costuma faiá.../Certo ou errado até/A fé vai onde quer que eu vá". A música de Gilberto Gil está em Malabaristas do Sinal Vermelho, novo disco de João Bosco, e traduz o espírito dos 30 anos de carreira do cantor e compositor. "Havia duas músicas selecionadas para regravar. O Andar com Fé vem nessa idéia de estar no exercício de sua profissão, na atividade que gosta", explica João. Mas ele remou contra a maré das antologias, e optou por um disco autoral, e não de de sucessos para marcar suas três décadas de estrada: "Costumo dizer que é um disco com 11 músicas inéditas acompanhadas de muita fé e perseverança de continuar produzindo", diz bem-humorado.

João conta que quando ele e o filho Francisco começaram a fazer o repertório do disco em nenhum momento pensaram da data de 30 anos. Todas as faixas são assinadas pela dupla, exceto Andar com Fé, Eu Não Sei Seu Nome Inteiro (com João Donato) e Terreiro de Jesus (com Edil Pacheco). "Se tivesse lembrado, até poderia ter partido para uma retrospectiva", confessa. Mas foi só na Sony, nas conversas para marcar estúdio, que o presidente da gravadora sugeriu que se fizesse algo comemorativo. "E ainda coincide com 15 anos que eu estou na gravadora. Ai Ai de Mim, de 86, é o primeiro disco que fiz lá, na época ainda CBS", lembra.

Como Malabaristas do Sinal Vermelho já estava com as músicas definidas, João diz que a comemoração acabou vindo em forma de selo, não de repertório. Ele se refere ao selinho na caixa do CD, que destaca: "O álbum de inéditas comemorando 30 anos de carreira".

As parcerias entre pai e filho são cada vez mais intensas, tanto que nem sabem o quanto há no "baú". "Já fizemos muitas músicas mas, se esquecemos, era para esquecer mesmo...", despista João. Seguro de seu trabalho, Francisco até teoriza sobre estilos de letristas brasileiros: "Para mim, a MPB tem duas categorias de compositores. Há os que, sem sufocar a melodia, fazem a palavra se destacar. Aí entram, por exemplo, Noel Rosa, Chico Buarque, Antonio Cícero, Arnaldo Antunes. Na outra categoria estão os que servem à melodia, os compositores da forma canção, onde não importa tanto a qualidade literária. Vinícius de Moraes e Humberto Teixeira são ótimos exemplos".

"Interessante, eu ainda não tinha analisado dessa forma", comenta o pai coruja. Perguntado em qual classificação estaria seu trabalho, Francisco diz que sua tendência é a de destacar a palavra por causa de sua relação com a literatura. "Eu acho que a música popular e a literatura são duas linhas paralelas. Em alguns momentos há conjunção - como o Tropicalismo - e em outros uma disjunção, como atualmente. Hoje, a linguagem mais forte é a da televisão, do cinema, muitos artistas desconhecem a produção poética contemporânea. Eu procuro ocupar um pouquinho desse lugar", explica.

Produzido a seis mãos - João, Francisco e Nelson Faria -,Malabaristas do Sinal Vermelho atualiza a temática social, muito presente no trabalho de João Bosco. E ressalta que o disco mantém sua forma de fazer música, mas de forma aberta às situações contemporâneas: "Como o Chico (seu filho) diz, é a mesma marca, mas em plena forma". A música-título faz referências à "endêmica" aparição de garotos de rua fazendo malabarismos nos cruzamentos, em troca de tostões. "Essa cena de meninos fazendo malabarismos nos sinais é recente, mas o problema é antigo. O malabarista é a atualização dos problemas sociais, tema que sempre foi assunto no meu trabalho e com que sempre me identifiquei", diz João.

João lembra também que o novo disco tem três sambas, outra marca registrada de sua carreira. "O curioso é que eu sempre fiz samba, mas nunca um disco de samba. Sempre foi uma maneira de me apresentar, com aquela marca especial, uma levada característica, cada um com sua síncope. Nos meus discos sempre têm um, dois ou três sambas, mas o certo é que não vivo sem ele, não saio de casa sem o samba...", comenta. E antecipa planos futuros: "Já pensei 200 vezes em fazer um CD de samba como intérprete, um dia vou gravar". "É, mas tem vários outros projetos na fila", lembra Francisco.

A parceria com João Donato merece uma explicação adicional por parte de Bosco. "Toda nossa obra vem de uma única madrugada que eu passei na casa dele, há uns cinco anos, depois de tudo e todas...", fala um João sobre o outro. "Donato tem um lado ajuizado: ele grava tudo e eu não sabia. Então, cada vez que nos encontramos, eu descubro que tenho mais uma música com ele! Teve uma anterior a Eu Não Sei Seu Nome Inteiro, que está no songbook dele (Nossas Últimas Imagens). Mas ele diz que tem umas oito..."

Outra presença a se destacar no disco novo é Seu Jorge, nome em ascenção no samba carioca e pontifica na faixa Cinema Cidade. "Jorge foi um dia lá em casa e naquela de violão para cá e lá, ele fez improvisos muito bons. Aí o Chico sugeriu que o levássemos para fazer alguma coisa no disco. No ensaio, ele ouviu Cinema Cidade, fez um improviso rapidamente. No dia da gravação, em menos de duas horas fez outro improviso, pois não tinha anotado nada da primeira vez. Temos um projeto de fazer coisas juntos, aliás, já tem até um samba esperando pelo Seu Jorge".

Num tom mais jocoso, vem Benzetacil, que faz referência ao popular antibiótico. João entrega: "Quem tomou injeção foi ele! (apontando para o filho)." "É eu tomei três meses de Benzetacil. Tinha até pesadelo com o farmacêutico!", não nega Francisco, destacando que o tom de humor da música vem com influências de Aldir Blanc e Noel Rosa. "O Noel gostava de compor citando nomes de doenças", lembra.