João Donato: novas versões para velho repertório

Tárik de Souza
21/10/2000
João Donato é o piano em pessoa. Ou a música em estado humano. Como um Midas sônico, tudo o que ele toca, literalmente, é musical. Em seu show no palco do Club do Free Jazz Festival, na noite de sexta-feira, ensanduichado entre as apresentações do pianista cubano Chucho Valdés e do baixista de jazz Ray Brown, ele repassou alguns de seus temas clássicos, mas em nenhum momento resvalou para a nostalgia. Essa é outra das particularidades desse criador singular. Se ele tocar 50 vezes o mesmo repertório, serão meia centena de diferentes versões dos temas, incrustrados de citações que lhe ocorram na hora como um Simples Carinho, sucesso na voz de Angela Rô Rô, injetado pelo bolerão Sabor a Mi. Ou a Estrada do Sol, de Tom Jobim e Dolores Duran, refestelando-se na embaladora Gaiolas Abertas (aquela do “voa, passarinho, voa”). Utilizando acordes dissonantes com intervalos dignos do oblíquo Thelonious Monk, ele reescreve o fraseado rítmico num balanço que oscila entre a bossa, a salsa e o jazz. Com um único número de outro autor, a bucólica Paradise Found, de seu ídolo, o trumpetista de jazz Shorty Rogers (1924-1994), Donato mandou as suas Amazonas, A Rã, Tema Teimoso, Bluchanga, Lugar Comum e Nasci para Bailar. Revelou que Surpresa, êxito na voz do letrista Caetano Veloso, tinha outra letra da compositora Tita (Falando a Verdade) e cantou as duas. Liderando um trio com a bateria de Cláudio Slon (impecável no uso de pratos e tambores no acento da bossa) e o baixo de Luís Alves (escora serena para os vôos harmônicos do piano impressionista), Donato mostrou que não é preciso pose para brilhar entre tantas estrelas e medalhões. Basta a lampadinha interna da genialidade.