João Donato: toda a força à frente

Veterano compositor lança E Lalá Lay-Ê, seu quarto disco em 2001, e segue ativo como nunca

Marco Antonio Barbosa
06/08/2001
Clique para ouvir e concorrer! Não tem para ninguém: João Donato é certamente o mais hiperativo talento da MPB neste ano de 2001. O compositor de clássicos como A Rã e Simples Carinho coroa uma fase de intensa produtividade (já lançou três álbuns nos últimos meses: Brazilian Time, The Frog e Remando na Raia) ofertando ao público E Lalá Lay-Ê. O álbum é peculiar na obra de Donato por diversos aspectos: traz o compositor finalmente de contrato assinado com uma gravadora brasileira (no caso, a gravadora carioca Deckdisc) ; investe em canções inéditas, assinadas por João e seu irmão, o letrista e poeta Lysias Enio; traz o compositor arriscando-se nos vocais, "aventura" pouco tentada em sua carreira; e, mais peculiar ainda, traz a produção de Rafael Ramos, ex-roqueiro (já foi baterista dos grupos Baba Cósmica e Jason) convertido a produtor, com Los Hermanos e Inocentes no seu currículo de estúdio. Donato lança oficialmente E Lalá Lay-Ê na loja de discos Modern Sound (RJ) hoje (dia 7) e faz uma curta temporada no Teatro Rival (RJ), do dia 8 ao dia 11.

O novo álbum traz Donato de volta às canções inéditas, território que não explorava desde 1995. A ideía original sempre foi registrar um conjunto de canções feitas em parceria com Lysias. "Foram 22 canções que fiz com o Lysias. Algumas são realmente novas, como "Então, Que Tal? e Bateu Pra Trás, foram feitas no ano passado e estavam inéditas. Mas também coisas antigas que nós retrabalhamos. Vento no Canavial, por exemplo, é um tema instrumental que eu gravei ainda nos anos 60, e que ganhou uma nova letra. Nosso trabalho rendeu muito", explica Donato. Rendeu tanto que o incansável pianista e compositor já aproveitou as 11 canções feitas com o irmão e que não entraram no disco para compor o repertório de seu próximo álbum. "Vai ser o volume dois do E Lalá Lay-Ê. Vamos chamá-lo Managarroba."

"Lysias sempre foi poeta, e não é a primeira vez que ele colabora comigo: ele já tinha colocado letras em algumas músicas minhas, isso ainda nos anos 70", conta Donato. A primeira união entre música de um e letra de outro ocorreu no álbum Quem É Quem, de 1972, justamente o disco no qual Donato canta pela primeira vez. O irmão assina a letra de Amazonas, um dos clássicos donatianos. "Nossa parceria funcionou de uma maneira interessante; eu sugeria temas para ele se guiar na hora de escrever as letras. Coisas suaves, mais amorosas, como a fase que estou vivendo. Mas sem me intrometer no trabalho dele. "

A prolífica produção, Donato justifica com o clima familiar que cercou o trabalho e também a sua musa inspiradora, a esposa Ivone Belém. "O disco foi feito todo em família. Além das minhas parcerias com o Lysias, minha irmã Eneyda fez a capa e eu ainda por cima estou tocando com meu filho, Joãozinho, nos teclados", lembra Donato. O casamento - em fevereiro deste ano - com Ivone teve o mérito de remoçar o artista e conferir novo pique a sua criatividade. "Eu era um desanimado. Depois do meu encontro com a Ivone, passei a trabalhar muito mais. Quando percebi, já tinha gravado sete discos de uma vez só... Agora eu não paro mais", narra Donato, empolgadíssimo aos 66 anos.

"Sou um não-cantor", explica Donato sobre sua relutância em soltar a voz, que em E Lalá Lay-Ê preenche canções como Sem Legenda ou a faixa-título. "Fui mais um dos liberados por João Gilberto; ele mostrou que não era preciso ter vozeirão para gravar música", admite o compositor. A desenvoltura vocal de Donato no álbum foi influência do produtor Rafael Ramos, que segundo o veterano "juvenilizou" o resultado final. "Ele (Rafael) veio com a cuca bem fresca, cheio de idéias de Baba Cósmica e Los Hermanos, coisas mais pop", afirma Donato. "Acho que nossa relação foi muito boa tanto para mim quanto para ele."

Rafael Ramos acabou parando na mesa de produção de E Lalá Lay-Ê por sugestão de Mônica Ramos - uma das proprietárias da Deckdisc e mãe do jovem produtor. "Estávamos indecisos sobre quem iria produzir o disco. O Rafael ouviu a mãe falando a respeito e se candidatou, e quando ela sugeriu eu topei na hora", fala Donato. "E não me arrependi. Mas no final das contas acabei dando uma adoçada nas idéias dele. Se deixasse, o disco ficaria mais sujo, roqueiro, por causa dele."

"Gosto de misturar coisas diferentes, de aproximar gente com histórias diferentes", continua Donato. "Queria gravar este disco cheio de participações especiais de um monte de gente, Marisa Monte, Carlinhos Brown... acabou não dando. Estou sempre aberto ao novo. Uma vez, cheguei até a improvisar ao vivo uma música de Claudinho & Buchecha... Não acho que deve haver uma divisão entre, digamos, o pessoal da bossa nova e o do rock." As participações ficaram de fora (excetuando-se a presença do tecladista Fábio Fonseca) e um time de feras foi escalado para as bases: Jurim Moreira (bateria), Jamil Joanes (baixo) e Ricardo Silveira (guitarra). Mas o ar de novidade no disco não se restringiu à escolha do produtor. O álbum também traz uma entrevista de 12 minutos com Donato, para se assistir no PC. Este inquieto precursor da bossa nova, ativo como nunca mesmo já beirando os 50 anos de carreira, parece totalmente à vontade nesta era de interatividade. E de hiperatividade.