João Parahyba investe na música eletrônica
Parceiro do produtor Suba, o percussionista do Trio Mocotó resgata e lança disco gravado há sete anos e que foi rejeitado na época por ser eletrônico demais
Carlos Calado
06/04/2001
O percussionista e compositor paulista João Parahyba pagou um preço por ter concebido um disco fora dos padrões musicais da época em que foi gravado. Sete anos atrás, seu CD Kyzumba (leia crítica e ouça trechos) foi praticamente rejeitado pelo mercado (apenas uma pequena tiragem chegou a ser prensada pelo selo carioca Visom), por ser considerado excessivamente eletrônico. Hoje, esse mesmo álbum é encarado como um projeto acústico pelos produtores do selo paulista YB, que acaba de relançá-lo. "O Rica (Amabis) e o Maurício (Tagliari) adoram esse disco, mas o consideram um disco acústico de música instrumental brasileira", constata Parahyba, que também tem em seu vasto currículo musical o mérito de ser um dos fundadores do lendário Trio Mocotó.
Nos créditos de Kyzumba aparece o nome do produtor Mitar Subotic, o cultuado Suba (morto aos 38 anos, num incêndio, em novembro de 1999), que dividiu com Parahyba a direção musical, produção e mixagem desse álbum. Os dois se conheceram poucos dias depois que o produtor iugoslavo desembarcou pela primeira vez no Brasil, em 1990, graças a uma indicação do violonista Edson Natale. "De cara começamos a nos encontrar diariamente, em minha casa, para fazer laboratórios, criar coisas", relembra o percussionista.
Em 93, já como sócios num estúdio, os dois decidiram transformar 11 composições eletrônicas de Parahyba num disco. "O Suba mixou o disco todo comigo. Foi um trabalho muito gratificante, porque passei um ano fazendo", diz o percussionista. Kyzumba foi criado num computador, com a utilização de seqüenciadores e sintetizadores. Só posteriormente músicos convidados, como a vocalista Jane Duboc, os guitarristas Heraldo e Luiz do Monte, o acordeonista Toninho Ferragutti e o pianista Benjamin Taubkin, entre outros, gravaram seus solos sobre as bases prontas. "Eu queria que eles viajassem na música. Disse a eles para que ouvissem a base e então criassem à vontade", explica Parahyba.
Segundo o compositor, todas as composições do álbum nasceram a partir de uma história. Como exemplo, cita uma faixa que conta com participações do clarinetista Nailor "Proveta" Azevedo, do trompetista Walmir Gil e do trombonista François, todos integrantes atuais da Banda Mantiqueira, que ainda nem existia na época. "Maria’s Serenade tem esse nome porque um trecho da harmonia lembra Moonlight Serenade, do Glenn Miller. Na história que eu imaginei, o Glenn Miller veio parar no Rio de Janeiro e descobriu a gafieira Estudantina, onde se usava uma big band, na época. Ele achou tudo aquilo lindo e decidiu fazer uma música em ritmo de samba. É um jazz-gafieira", define o compositor.
Narizes torcidos
Com o disco mixado, quando Parahyba começou a mostrar as gravações a outros colegas de profissão, teve uma surpresa desagradável. "Grande parte dos músicos da área instrumental, com os quais eu convivia, torceu o nariz porque a harmonia das músicas era modal, além de haver instrumentos eletrônicos na gravação. Ainda existia uma barreira muito grande contra a música eletrônica naquela época", relembra. Apesar da decepção de ver seu trabalho rejeitado, Parahyba não desistiu de continuar trabalhando com música eletrônica, incluindo outras parcerias com Suba.
"Solidificamos o conceito de processamento de sons de percussão e a partir daí o Suba começou a usá-lo nas produções que fazia", observa o percussionista, mencionando trabalhos de cantores como Édson Cordeiro, Marina Lima e Bebel Gilberto, além de São Paulo Confessions , álbum do próprio Suba. "A gente tinha uma parceria que dava muito certo. Entrávamos no estúdio, sem combinar nada, e eu já saía tocando, com ele reprocessando na hora. Era uma parceria de composição instantânea, porque usávamos a mesma linguagem. Todas as bases dos maiores trabalhos do Suba são minhas", diz Parahyba, avaliando que o produtor iugoslavo deixou uma nova visão para a música brasileira. "Ele deu um sentido de arte para esse gênero de música", afirma.
Se enfrentou preconceitos quando gravou Kyzumba, nos últimos tempos Parahyba já vem se deparando com uma situação bem diversa. No ano passado, por exemplo, recebeu um convite da Interpro (International Promotion), empresa detentora dos direitos da Fórmula 1 no país, para criar uma nova música-tema para acompanhar o momento da entrega dos troféus, no pódio do autódromo de Interlagos. "Vitória Régia é um samba techno, com uma grande escola de samba. Gravei dezenas de instrumentos, um por um, e reprocessei tudo", conta o compositor. Suas percussões reprocessadas também aparecem em Central do Brasil, a faixa de abertura da compilação Caipiríssima – Batucada Eletrônica , que acaba de ser lançada aqui pela Alternet Music. Nesse disco também há uma faixa do DJ mineiro Anvil FX, que estará ao lado de Parahyba e do guitarrista Miguel Barella, dia 27 de abril, no festival Eletronika Telemig Celular, em Belo Horizonte (veja a programação completa).
Parahyba começou a lidar com música eletrônica em 1984, quando fez parte da banda Prisma, liderada pelo tecladista César Camargo Mariano. Os shows desse grupo chamaram atenção, na época, por utilizarem tecnologia hi-tec inédita em palcos do país. "Em 1972, eu já tinha usado um sintetizador, num disco do Trio Mocotó. Foi em Nó na Garganta, uma música do Carlinhos Vergueiro. Para mim, tudo é timbre em música. Não importa o instrumento que você usa. O que vale é fazer o som do jeito do jeito que você quer", justifica. "Hoje eu não vejo mais razão em fazer um disco à la Naná Vasconcelos ou à la Airto Moreira. Por que vou fazer mais um disco de percussionista solo? Só para mostrar que eu sei tocar? Não sou só um percussionista", afirma.
Trio Mocotó
Enquanto vê sua atuação na área da música eletrônica ser enfim mais reconhecida, Parahyba desdobra-se no estúdio da YB para finalizar em tempo o esperado CD que marcará a volta do Trio Mocotó. Desativado há 25 anos, o grupo foi formado por ele, Nereu Gargalo (pandeiro) e Fritz Escovão (pandeiro), em 1969. Além de gravar quatro álbuns, o trio acompanhou o cantor e compositor Jorge Ben, dividindo com ele o mérito de ter criado e popularizado o samba-rock, ritmo que ultimamente voltou a ser dançado pelos jovens, em várias casas noturnas de São Paulo.
"O Max de Castro voltou de Londres dizendo que lá nós somos mais famosos do que o João Gilberto. Os DJs só falavam em Trio Mocotó", conta Parahyba, revelando que o novo disco do grupo não pretende apenas reviver os velhos tempos. "O disco terá um conceito novo. Já que toda a garotada está sampleando a gente, decidimos fazer um CD com aquela mesma energia de antes, gravado digitalmente, num bom estúdio, deixando espaços de groove para que os DJs possam remixar a nossa música. O Trio Mocotó era avançado para a época, porque a gente já fazia groove. E a música para dançar de hoje é essencialmente groove", diz Parahyba.
O lançamento do disco está previsto para a primeira semana de maio. No repertório, além de canções inéditas e algumas regravações, como a de Adelita (de Jorge Ben) , há também uma canção inédita de Rita Lee. "Ela fez essa música especialmente para a gente. A Rita continua muito atual, sabe usar a linguagem da garotada. E nós estamos fazendo a mesma coisa", diz Parahyba, observando que o fato de não terem tocado juntos nos últimos 25 anos não diluiu a conhecida química musical do trio. "Nosso som está igual, tem a mesma energia de antes", garante.
Nos créditos de Kyzumba aparece o nome do produtor Mitar Subotic, o cultuado Suba (morto aos 38 anos, num incêndio, em novembro de 1999), que dividiu com Parahyba a direção musical, produção e mixagem desse álbum. Os dois se conheceram poucos dias depois que o produtor iugoslavo desembarcou pela primeira vez no Brasil, em 1990, graças a uma indicação do violonista Edson Natale. "De cara começamos a nos encontrar diariamente, em minha casa, para fazer laboratórios, criar coisas", relembra o percussionista.
Em 93, já como sócios num estúdio, os dois decidiram transformar 11 composições eletrônicas de Parahyba num disco. "O Suba mixou o disco todo comigo. Foi um trabalho muito gratificante, porque passei um ano fazendo", diz o percussionista. Kyzumba foi criado num computador, com a utilização de seqüenciadores e sintetizadores. Só posteriormente músicos convidados, como a vocalista Jane Duboc, os guitarristas Heraldo e Luiz do Monte, o acordeonista Toninho Ferragutti e o pianista Benjamin Taubkin, entre outros, gravaram seus solos sobre as bases prontas. "Eu queria que eles viajassem na música. Disse a eles para que ouvissem a base e então criassem à vontade", explica Parahyba.
Segundo o compositor, todas as composições do álbum nasceram a partir de uma história. Como exemplo, cita uma faixa que conta com participações do clarinetista Nailor "Proveta" Azevedo, do trompetista Walmir Gil e do trombonista François, todos integrantes atuais da Banda Mantiqueira, que ainda nem existia na época. "Maria’s Serenade tem esse nome porque um trecho da harmonia lembra Moonlight Serenade, do Glenn Miller. Na história que eu imaginei, o Glenn Miller veio parar no Rio de Janeiro e descobriu a gafieira Estudantina, onde se usava uma big band, na época. Ele achou tudo aquilo lindo e decidiu fazer uma música em ritmo de samba. É um jazz-gafieira", define o compositor.
Narizes torcidos
Com o disco mixado, quando Parahyba começou a mostrar as gravações a outros colegas de profissão, teve uma surpresa desagradável. "Grande parte dos músicos da área instrumental, com os quais eu convivia, torceu o nariz porque a harmonia das músicas era modal, além de haver instrumentos eletrônicos na gravação. Ainda existia uma barreira muito grande contra a música eletrônica naquela época", relembra. Apesar da decepção de ver seu trabalho rejeitado, Parahyba não desistiu de continuar trabalhando com música eletrônica, incluindo outras parcerias com Suba.
"Solidificamos o conceito de processamento de sons de percussão e a partir daí o Suba começou a usá-lo nas produções que fazia", observa o percussionista, mencionando trabalhos de cantores como Édson Cordeiro, Marina Lima e Bebel Gilberto, além de São Paulo Confessions , álbum do próprio Suba. "A gente tinha uma parceria que dava muito certo. Entrávamos no estúdio, sem combinar nada, e eu já saía tocando, com ele reprocessando na hora. Era uma parceria de composição instantânea, porque usávamos a mesma linguagem. Todas as bases dos maiores trabalhos do Suba são minhas", diz Parahyba, avaliando que o produtor iugoslavo deixou uma nova visão para a música brasileira. "Ele deu um sentido de arte para esse gênero de música", afirma.
Se enfrentou preconceitos quando gravou Kyzumba, nos últimos tempos Parahyba já vem se deparando com uma situação bem diversa. No ano passado, por exemplo, recebeu um convite da Interpro (International Promotion), empresa detentora dos direitos da Fórmula 1 no país, para criar uma nova música-tema para acompanhar o momento da entrega dos troféus, no pódio do autódromo de Interlagos. "Vitória Régia é um samba techno, com uma grande escola de samba. Gravei dezenas de instrumentos, um por um, e reprocessei tudo", conta o compositor. Suas percussões reprocessadas também aparecem em Central do Brasil, a faixa de abertura da compilação Caipiríssima – Batucada Eletrônica , que acaba de ser lançada aqui pela Alternet Music. Nesse disco também há uma faixa do DJ mineiro Anvil FX, que estará ao lado de Parahyba e do guitarrista Miguel Barella, dia 27 de abril, no festival Eletronika Telemig Celular, em Belo Horizonte (veja a programação completa).
Parahyba começou a lidar com música eletrônica em 1984, quando fez parte da banda Prisma, liderada pelo tecladista César Camargo Mariano. Os shows desse grupo chamaram atenção, na época, por utilizarem tecnologia hi-tec inédita em palcos do país. "Em 1972, eu já tinha usado um sintetizador, num disco do Trio Mocotó. Foi em Nó na Garganta, uma música do Carlinhos Vergueiro. Para mim, tudo é timbre em música. Não importa o instrumento que você usa. O que vale é fazer o som do jeito do jeito que você quer", justifica. "Hoje eu não vejo mais razão em fazer um disco à la Naná Vasconcelos ou à la Airto Moreira. Por que vou fazer mais um disco de percussionista solo? Só para mostrar que eu sei tocar? Não sou só um percussionista", afirma.
Trio Mocotó
Enquanto vê sua atuação na área da música eletrônica ser enfim mais reconhecida, Parahyba desdobra-se no estúdio da YB para finalizar em tempo o esperado CD que marcará a volta do Trio Mocotó. Desativado há 25 anos, o grupo foi formado por ele, Nereu Gargalo (pandeiro) e Fritz Escovão (pandeiro), em 1969. Além de gravar quatro álbuns, o trio acompanhou o cantor e compositor Jorge Ben, dividindo com ele o mérito de ter criado e popularizado o samba-rock, ritmo que ultimamente voltou a ser dançado pelos jovens, em várias casas noturnas de São Paulo.
"O Max de Castro voltou de Londres dizendo que lá nós somos mais famosos do que o João Gilberto. Os DJs só falavam em Trio Mocotó", conta Parahyba, revelando que o novo disco do grupo não pretende apenas reviver os velhos tempos. "O disco terá um conceito novo. Já que toda a garotada está sampleando a gente, decidimos fazer um CD com aquela mesma energia de antes, gravado digitalmente, num bom estúdio, deixando espaços de groove para que os DJs possam remixar a nossa música. O Trio Mocotó era avançado para a época, porque a gente já fazia groove. E a música para dançar de hoje é essencialmente groove", diz Parahyba.
O lançamento do disco está previsto para a primeira semana de maio. No repertório, além de canções inéditas e algumas regravações, como a de Adelita (de Jorge Ben) , há também uma canção inédita de Rita Lee. "Ela fez essa música especialmente para a gente. A Rita continua muito atual, sabe usar a linguagem da garotada. E nós estamos fazendo a mesma coisa", diz Parahyba, observando que o fato de não terem tocado juntos nos últimos 25 anos não diluiu a conhecida química musical do trio. "Nosso som está igual, tem a mesma energia de antes", garante.