Jorge Aragão: tranqüilo e multiplatinado

Sambista lança Todas, primeiro álbum após o estouro de seus CDs ao vivo, e diz que seu negócio é compor

Marco Antonio Barbosa
06/09/2001
"Por mim, eu só daria dois, três shows por mês. Porque quando o camarada não pára de fazer show - que é o meu caso atualmente - ele acaba tirando uma onda de artista, achando que é importante, que todo mundo o adora... E aí não sobra tempo para escrever, compor música. Mas eu sou um compositor, não um artista. O compositor tem de ter tempo para se exercitar. Essa é a minha essência, o meu compromisso." Entre risos, Jorge Aragão define desta forma a agradável encruzilhada na qual se encontra: entre o cantor megaplatinado, que lota casas de espetáculo todos os dias da semana, e o sossegado sambista, que só quer um canto para pôr sua inspiração para fora. Jorge acaba de lançar o álbum Todas (Indie Records), seu primeiro álbum de estúdio depois de um fenômeno duplo - seus dois CDs ao vivo lançados em 1999 (ouvir 30s) e no ano passado (ouvir 30s) que juntos ultrapassaram a casa do milhão e meio de cópias vendidas. Todas já chega às lojas com disco de platina (250 mil cópias) antecipado, o que espanta um ainda pacato Jorge Aragão. "Tenho o pé no chão quanto ao mercado. Meu plano para este disco era chegar às 250 (mil). Se já saiu vendendo isso, ótimo; é sinal que eu não preciso fazer mais nada... (risos)"

O nome do álbum reflete a disposição de Jorge de não se repetir, mesmo sem abrir mão do samba de fé. "É uma referência a todas as minhas nuances como compositor. Tenho um perfil bem amplo. Eu posso fazer um samba-enredo, outro mais romântico, cair pro hip-hop... mas sempre dentro do samba. Não vale a pena eu me repetir, só para tentar continuar em alta nas paradas de sucesso", declara o sambista. Ao mesmo tempo, o disco também veio sanar uma carência sentida pelo próprio Jorge, após dois álbuns ao vivo consecutivos. "Queria voltar à minha origem, que sempre foi a de compor muito e lançar sempre músicas novas. Para mim, o que vale mesmo é entrar em estúdio e gravar coisa inédita. Antes de gravar os discos ao vivo - que eu, em princípio, nem queria fazer - achava que isso de lançar CD de show era coisa para quem não tinha mais o que mostrar. Queimei a língua!", admite Jorge.

Produzido pelo próprio Jorge, o disco traz nove músicas inéditas, a maioria assinadas pelo próprio - sozinho ou com parceiros como Arlindo Cruz (Teor Invendável), Flávio Cardoso (Samba Aí Papai) e Paulinho Resende (Ser Maravilhoso). A fartura na safra, Jorge atribui... à tecnologia. "Depois que comprei um Palmtop (um computador de bolso), comecei a andar para todo lado com ele. Sempre que eu tinha alguma idéia para uma música, eu escrevia, ou cantarolava um pouco - no próprio microfone embutido do aparelho. Quando eu vi, já estava fazendo ao mesmo tempo oito ou nove canções, coisa que nunca tinha acontecido antes", conta.

Acima de tudo um compositor, Jorge Aragão reflete um pouco sobre o ofício: "Se eu pudesse, faria música todo santo dia. Criar é a minha vida. Mas com essa correria que está a minha vida, fica difícil. O ócio é necessário para o compositor, poder ficar na praia, de bobeira, esperando a inspiração... Além do mais, o mundo de hoje em dia não dá muita margem à poesia, ao lirismo. A realidade está muito violenta, agressiva. Eu sei o que se passa por aí, mas não me envolvo. Só consigo escrever minhas coisas se ficar de fora." É uma fórmula que parece ter garantido até o sucesso interplanetário: quem não se lembra da sonda Pathfinder, da NASA, que - pousada em Marte - tocava Coisinha do Pai todos os dias, na voz de Beth Carvalho?

Ao lado da nova produção de Jorge, Todas também dá espaço para veteranos como Marquinhos PQD (que fez Abuso de Poder, com Carlito Cavalcante) e outros ainda não tão conhecidos - como a dupla Rubens Gordinho e Tim Lopes, de O Amor que Eu Guardei. "Eu não agüentava mais ouvir música do Marquinho", brinca Jorge. "Devo ter ouvido umas 200 músicas novas de um ano para cá, e pelo menos em umas 130 ele estava no meio!" Gordinho e Lopes ainda buscam seu espaço na cena sambística. "Eles são músicos, tocam com o Arlindo Cruz e o Sombrinha. Ainda não tinham sido gravados, mas têm um grande talento", elogia Jorge.

Um grande sucesso dos shows do sambista, Você Abusou (hit de Antônio Carlos & Jocafi que até Stevie Wonder já cantou) foi incluída no álbum. "Eu toco ao vivo e todo mundo canta junto. Tive a consciência que seria bom colocar a música no disco, seria mais um gancho. Afinal, também tenho de ajudar a gravadora!", fala Jorge. Outro destaque é o pout-pourri instrumental que fecha o CD, com dois números de Waldir Azevedo: Pedacinhos do Céu e Delicado. "Conheço a música instrumental brasileira e sei que há muita gente boa escondida, fora de gravadoras ou da TV. Sempre que posso, chamo a atenção do meu público para isso. Além do mais, é meio que um marco - colocar instrumental em disco de samba é uma coisa raríssima, não existe este costume", diz Jorge.

Do alto da montanha de CDs que vendeu nos últimos 18 meses, Jorge Aragão parece não ter mudado em nada. E sustenta que foi o sucesso que o procurou, e não o contrário. "Se alguma coisa mudou, foi o mercado, e não eu. Nunca alterei a minha postura. Se tivesse mudado, eu estaria lançando agora um terceiro disco ao vivo, não um completamente novo. Hoje em dia, fico espantado de ver tanta gente jovem comprando os discos e indo aos shows. Até há pouco tempo eu achava que cantava para o meu povo, gente de samba mesmo, mais da minha idade... Às vezes tenho a impressão de que estou no lugar errado", diz Jorge, modesto.

Ainda dentro do assunto sucesso, Aragão abre os braços para os pagodeiros românticos, supostos diluidores do som mais autêntico que ele e mais uns poucos resistentes ainda praticam. "Esse negócio de pagode é invenção das gravadoras. Para mim, tudo é samba, não tem diferença entre o que eu faço e o que o Exaltasamba faz, por exemplo. Acontece é que eles são uma rapaziada mais nova, que ouviu o meu samba e o de outros da minha geração, e resolveram criar a versão pessoal deles. Mas eu não enxergo essa diferença, todos têm mais é que se unir. Além do mais, se for separar os sambistas de raiz dos outros, vai ficar um clube muito fechado... quem iria entrar? Eu, o Zeca (Pagodinho), a Beth (Carvalho) e mais uma meia-dúzia só. Isso é que não pode", afirma Jorge.

Mas ele não deixa de espetar, dando um conselho aos mauriçolas de pandeiro e terno italiano: "O sambista tem de investir na verdade, no talento. Quem vê o samba como um cartão de crédito, quem mal chegou e já está querendo fazer sucesso... esses aí, é melhor nem começar." Falou e disse.