Jorge Cabeleira volta nas asas do Carnaval

Após seis anos sem gravar, grupo recifense pioneiro da cena manguebeat lança seu segundo álbum

José Teles (Recife)
31/07/2001
A banda recifense Jorge Cabeleira E O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis acaba de lançar seu segundo disco, Alugam-se Asas Para o Carnaval (pelo selo Manguenitude Records, administrado pelo músico Zé da Flauta). Foram sete anos desde o CD de estréia, em 94, pela Sony Music (que está distribuindo o novo álbum). Na época, nenhum integrante da banda tinha mais do que 18 anos. O grupo surgiu meio que por acaso, formado para um festival acontecido em plena efervescência do início do manguebeat. O nome foi bolado para a participação no Recife Rock Show, um certame que reuniu mais de 50 bandas locais, e que foi vencido pelos Devotos do Ódio (atualmente, apenas Devotos). O segundo lugar ficou com os Mordomos e o terceiro com o Jorge Cabeleira. Um detalhe: Os Mordomos e Jorge Cabeleira eram a mesma banda, com estilos diferentes. Para receber os prêmios, os garotos precisaram de disfarce. Sorte que na época eram poucos conhecidos na cidade, e um quase mico acaba como um trunfo no currículo do grupo, que assumiu de vez o codinome Jorge Cabeleira E O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis.

Capa do CD
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Logo depois de contratar o Chico Science & Nação Zumbi, a Sony Music assinou com o Jorge Cabeleira, responsável pelo terceiro disco da cena mangue beat, saído pelo selo Chaos, com produção de Roberto Frejat: "Foi um choque para todos nós. A gente nem sabia direito o que era um estúdio, mesmo assim aprendemos muito, fizemos muitas amizades. Esse foi o lado legal", relembra o baixista Rodrigo Coelho, o autor das melodias da banda (as letras são do vocalista Dirceu Melo). No lado mau predominava a imaturidade dos integrantes do Jorge Cabeleira: "A gente estava totalmente verde pra encarar a máquina, despreparados para lidar com os tubarões. Não fizemos concessões, tipo ir gravar o Xou da Xuxa ou o programa Hebe. Então a gravadora parou de promover o disco", continua Rodrigo Coelho.

Dirceu Melo acrescenta que além da imaturidade, eles se ressentiram da falta de um empresário que os colocasse no canto da parede e lhes mostrasse a face real do showbiz: "Teve também o fato da gente ter sido contratado junto com o Planet Hemp, em 1994. Para a gravadora ficava muito mais em conta promover uma banda do Rio, o fator geográfico foi prejudicial a gente".

Refeitos do choque, os meninos caíram na real. Permaneceram no Recife, retomaram os estudos, e continuaram com a banda. Houve algumas defecções de integrantes da formação original, mas o núcleo criativo continuou com Rodrigo e Dirceu. O grupo atualmente é formado por Dirceu Melo (vocais, guitarra), Rodrigo Coelho (baixo, programações), Pedro Mesel (efeitos e percusssão), Joaquim Leão (vocais de apoio, bateria). Embora as turnês e shows não tenham sido muitos, eles continuaram ensaiando e compondo. Deram tempo ao tempo.

Alugam-se Asas Para o Carnaval é o fruto desses anos de aprendizado. Foi parido aos poucos, no Fábrica, um dos mais modernos estúdios da capital pernambucana, com produção da própria banda, direção artística do experiente Zé da Flauta (ex-Quinteto Violado e Alceu Valença): "Passamos um ano gravando, sem pressa. A gente aproveitava quando o estúdio estava vago e trabalhava, o mais difícil foi selecionar o repertório de 15 músicas entre as mais de 50 que fizemos durante esse tempo todo", continua Rodrigo.

Na primeira faixa, Trovoada, um baião-rock, no melhor estilo Alceu Valença de Espelho Cristalino, tem-se a impressão de a Jorge Cabeleira não mudou. Ledo engano, Trovoada já era apresentada nos show da turnê do CD de estréia. A partir das músicas seguintes fica complicado rotular o novo som da banda. A influência dos anos 70 é palpável (assim como a de grupos atuais, a exemplo do Rage Against the Machine e Red Hot Chili Peppers).

Convite à Meia-Noite abre com um ponteio de guitarra para irromper em seguida com um hard rock, que lembra a levada de In-A-Gadda-Da-Vida, do Iron Butterfly. A próxima canção tem um clima meio Mutantes (Dirceu canta através de um filtro) misturado com ritmos nordestinos. Essencialmente uma guitar band (nesse disco foram acrescentados metais e sopros em algumas faixas), a Jorge Cabeleira não está imune ao apelo regional. Aqui e acolá surgem as tais inevitáveis raízes, umas mais explícitas que outras.

"A coisa do baião é muito parte integrante do som da gente. Mesmo não rolando um triângulo, uma zabumba, ele está sempre presente", confirma Dirceu Melo. Desafio em Mourão e Forró em Dó Menor são duas músicas que mostram bem a nordestinidade do grupo. A primeira é um mourão com solos oitavados de guitarras, e mudanças bruscas no andamento; a segunda, um xote hendrixiano, com a guitarra mancomunada com um pedal wah-wah.

Mesmo encerrando com uma citação à Volta da Asa Branca (Luís Gonzaga/ Zé Dantas), o Jorge Cabeleira E O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis mudou bastante desde que os cinco colegiais recifenses subiram, literalmente, Nas Nuvens (o estúdio de Liminha e Gilberto Gil) para gravar o primeiro álbum: "Seria estranho se não tivesse mudado. O primeiro disco foi feito de supetão. Seis meses depois eu já achava aquilo ultrapassado. Agora não, até que gosto, acho um disco puro. Parece a gente tocando na garagem. Esse novo tem coisas bizarras. Penso que não dá pra enquadrar o disco num estilo. A gente não ouviu nada parecido com isso", analisa, sem falsa modéstia, Rodrigo Coelho.