Jorge Mautner, o oráculo da MPB

Compositor grava disco de inéditas e prepara-se para dar as caras no mercado internacional pelas mãos dos stones Keith Richards e Ron Wood

Tom Cardoso
13/02/2001
Keith Richards, Mano Brown, Chico Science, Caetano Veloso e Lobão. São todos fãs de Jorge Mautner. E ele continua não dando a mínima. Aos 60 anos, o músico, poeta e escritor conserva ainda o mesmo espírito subversivo e marginal, sem se perder no tempo. A filosofia do Kaos ("não se esqueça que é caos com K!", adverte sempre), defendida por ele com fervor há mais de 40 anos, promete dar ainda muito pano para manga, assim como suas composições, admiradas por uma turma de músicos que usava fraldas quando Mautner fazia a cabeça de Caetano e Gilberto Gil no fim dos anos 60.

Mautner concedeu entrevista ao CliqueMusic, por telefone, de um hotel de Recife. Estava lá para dar uma canja no novo disco do amigo Lula Queiroga, na faixa Último Minuto. No dia seguinte, voltaria correndo para participar como jurado do Musikaos, programa musical exibido terça (às 17h30) pela TV Cultura, no qual o compositor tem status de mestre. Sua opinião vale ouro para boa parte das novas bandas que ali se apresentam. "Vou ao programa duas vezes por mês dar meus palpites. Dá um trabalho danado", brinca o autor do Deus da Chuva e da Morte (1962), livro que marcou a vida de gente como Lobão e que até hoje é tema de discussão entre amantes da contracultura.

Com a ajuda do fiel parceiro Nelson Jacobina (maestro, arranjador e com quem compôs vários sucessos, entre eles Maracatu Atômico, gravada por Gilberto Gil e eternizada por Chico Science e Nação Zumbi), o compositor vai sem pressa preparando o novo disco. Os dois já compuseram algumas músicas, como Lá Vem o Rabecão, que trata de forma irônica a violência nas grandes cidades ("morre-se assim, como se faz latim", cantarola Mautner, citando um dos trechos da música).

Porém, boa parte do repertório deve vir mesmo da parceria com George Israel, do Kid Abelha. Ela se solidificou depois que os dois começaram a escrever juntos no início dos anos 90. É de ambos, junto com Paula Toller, a música Meu Mundo Gira em Torno de Você, que acabou dando o título do disco do Kid Abelha, lançado em 1996. "Já fiz quatro canções com o Israel e uma com a Paula. Essa aproximação é prazerosa, já que sempre fui muito distante da geração dos anos 80", diz o músico, que faz questão de lembrar que Sérgio Britto, dos Titãs, gravou recentemente uma canção sua, Cinco Bombas Atômicas, em seu disco solo (A Minha Cara amostras de 30s).

Arrependimento
De fato, Mautner sempre esteve mais ligado à geração dos 90. O Cidade Negra, por exemplo, gravou há pouco uma parceria com ele, Mobatalá, em seu novo CD, Enquanto o Mundo Gira amostras de 30s. Com a turma do BRock, o poeta esteve muito perto de dividir canções com Arnaldo Antunes e Renato Russo. Com o primeiro chegou a encontrar algumas vezes e ensaiar escritos, que não saíram do papel por problemas de agenda. Com Renato Russo foi diferente. "Para gravar algumas músicas minhas, o Renato exigiu que eu freqüentasse o NA (Narcóticos Anônimos) com ele. Não dei muita bola para isso e foi uma pena".

Como gosta muito de conversar com a platéia e declamar poemas durante seus shows, Mautner resolveu passar toda sua poesia para a forma de rap, gênero que ele sempre admirou e que com o qual ficou ainda mais encantando depois das constantes participações de bandas de hip hop no Musikaos. No novo disco também haverá espaço para o samba, já que o músico promete tirar da gaveta canções pouco conhecidas de Assis Valente e Gasolina. "Não posso dizer quais são, senão a turma também resolve gravar e perde a graça."

Forró com Ron Wood
Assim como Tom Zé foi redescoberto por David Byrne, Jorge Mautner corre o risco de ficar famoso pela mãos de dois roqueiros ilustres: Keith Richards e Ron Wood, guitarristas dos Rolling Stones. Mautner explica a história: "Temos alguns amigos em comum e mais de uma vez participei de festas em que os stones estavam. Numa delas, durante uma exposição de quadros de Wood (o guitarrista é pintor nas horas vagas), toquei um forró e ele gostou muito. Sei também que o André Midani (empresário e produtor) entregou duas fitas para o Keith Richards. Talvez eles lancem meu trabalho no exterior", diz Mautner, sem demonstrar um pingo de interesse pelo fato. "Sou muito homenageado no Brasil, já está bom demais".

O repertório que está nas mãos dos dois guitarristas ingleses foi composto na época do exílio do músico em Nova York e Londres. No EUA, onde foi secretário do escritor norte-americano Robert Lowell, Mautner dividiu parceria (Olhos de Gato) com a célebre cantora de jazz Carla Blay. Em Londres, já na virada da década de 60, fascinou Caetano Veloso e Gilberto Gil com seu pensamento libertário (o filho de Dona Canô costuma dizer que Mautner sacou o tropicalismo muito antes de todos eles). Na capital inglesa, o poeta fez a letra para três canções de Gil - The Three Mushrooms, Babylon e Crazy Pop Rock - e para uma de Caetano, From Far Away. Se os gringos se deslumbraram com o experimentalismo de Tom Zé, imagine quando descobrirem Jorge Mautner.