José Miguel Wisnik faz ponte musical São Paulo-Rio

O professor de Literatura, que concorreu no último festival da Globo com a música DNA, amplia fronteiras geográficas e artísticas no seu segundo disco em sete anos

Carlos Calado
27/10/2000
A aparição no festival de música brasileira da Rede Globo, com a belíssima canção DNA (inexplicavelmente esnobada pelo júri), foi apenas um primeiro sinal. Agora, com o lançamento de São Paulo Rio, seu segundo CD, José Miguel Wisnik mostra-se decidido como nunca a investir na carreira musical. Pela primeira vez afastado por um semestre da Universidade de São Paulo, onde ministra desde 1973 suas concorridas aulas de Literatura Brasileira, o intelectual e escritor paulista vai ceder lugar ao compositor, pianista e cantor, durante os próximos meses, em tempo integral. "Esse disco é uma afirmação da minha vontade de seguir fazendo música. É a vontade de um paulista que quer se achegar", admite Wisnik, que dá início neste sábado, dia 28, e domingo, no palco do Sesc Pompéia, à série de shows de lançamento do disco. A seu lado, estarão as cantoras Elza Soares e Jussara Silveira, que também participaram das gravações.

"Sete anos não deixa de ser um bom tempo. Nada me obriga a fazer um disco a cada um ou dois anos", diz o compositor, observando que todas as canções de São Paulo Rio nasceram após a finalização de seu disco de estréia (José Miguel Wisnik, selo Camerati), lançado em 1993. "Meu primeiro disco tinha músicas compostas há muito tempo, mais introvertidas, que eu fazia comigo mesmo. Várias canções do novo disco nasceram de trabalhos com outras pessoas, feitas em situações mais extrovertidas", compara. A marcha São Paulo Rio (parceria com Paulo Neves), o choro Comida e Bebida (parceria com Zé Celso Martinez Corrêa, inspirada na tragédia As Bacantes, de Eurípedes) e as canções Outono e Inverno (Anhangabau da Felicidade), lembra o autor, foram encomendadas para espetáculos encenados pelo Teatro Oficina. Do mesmo modo, o fado Terra Estrangeira foi composto para o filme homônimo de Walter Salles e Daniela Thomas.

Criada originalmente para a peça Mistérios Gozosos, de Oswald de Andrade, a música São Paulo Rio abre o CD, sintetizando um tema recorrente em várias faixas. "Como a peça se passava no Rio de Janeiro, o Zé Celso nos colocou questões. Onde está o dionisismo paulista? Para onde vai o carnaval paulista? Onde está o Rio em São Paulo?", conta Wisnik, explicando a origem da canção-título. "Eu não tive a intenção de fazer um disco programático sobre relações entre São Paulo e Rio, mas essa questão já me perseguia há muito tempo, de vários modos. Percebi que tinha feito vários sambas, por exigência dos assuntos dos espetáculos, assim como a canção Viúvo foi a vontade de falar disso através de Paulinho da Viola", analisa, referindo-se à breve versão de O Tempo Não Apagou, do sambista carioca, que introduz sua canção no disco.

"Tudo foi se combinando e eu, sem saber, já estava fazendo essa geografia", conclui Wisnik, satisfeito ao constatar a coincidência de que, na mesma semana de lançamento de seu disco, Gilberto Gil e Milton Nascimento estão lançando o CD Gil & Milton, que aponta para as relações musicais entre outros dois estados do país: Bahia e Minas Gerais. "Fico muito feliz por estar participando dessa equação geográfica e musical. O xis da questão é o Brasil, os diferentes jeitos de ser do país. É como se a gente quisesse superar esses contrastes. No meu disco tem uma música paulista, com tudo que ela implica, querendo ter a fluência da música carioca".

Contra as restrições
Nas entrelinhas dessa aproximação com o Rio de Janeiro, reconhece Wisnik, está também a intenção de ampliar fronteiras. "É a vontade de que as coisas que fazemos em São Paulo não precisem ficar mais naquele nicho reservado, aquelas coisas que você respeita, que têm um certo grau de sofisticação, mas que permanecem ali, naquele cantão que fica mais ou menos na Zona Oeste de São Paulo", diz, com um toque irônico, referindo-se ao grupo de compositores e intérpretes rotulado pela imprensa de "vanguarda paulistana", ao qual sua música também costuma ser vinculada.

Voltando ao festival da Globo, o fato de DNA ter ficado fora da final, considera Wisnik, não invalidou sua participação no evento. "Essa canção tocava em núcleos emocionais muito pessoais, mas eu achava que ela poderia ressoar em qualquer um, o que o festival comprovou. A mulher na padaria, a caixa de um restaurante, a mãe de alguém, muita gente veio me falar sobre a música. Tive um retorno de repercussão emocional muito forte, que me fez muito bem", conta Wisnik, que narra nessa canção seu primeiro (e real) encontro com uma filha, cuja existência ele desconhecia.

"Sou do signo de Escorpião, que se caracteriza por se atirar em coisas profundas, por se expor. Minha entrada no festival foi muito escorpiônica", analisa. A ausência da canção DNA no disco, que já estava gravado quando ela foi composta, também não é encarada como um problema por Wisnik. Por enquanto, promete exibi-la nos shows deste fim de semana, em uma versão "mais nua", só de piano e voz, já que cantora Luciana Alves, que o acompanhou no festival, está fora do país. "Quero muito gravar essa canção, em breve, com o arranjo que eu concebi, mas por algum motivo eu não achava um lugar para ela. Para mim, DNA já soa como o início de um novo trabalho", diz. Inicialmente, o CD São Paulo Rio estará à venda nos shows do compositor ou por meio do site www.ultimosegundo.com.br/wisnik.