Laércio de Freitas, da moda de viola à música sinfônica
Perto de comemorar 60 anos, o maestro, arranjador e pianista paulista relembra a história de seu inusitado sucesso Capim Gordura e fala sobre suas parcerias com Radamés Gnattali e Orquestra Tabajara
Carlos Calado
08/01/2001
Nos círculos da música instrumental brasileira, ele é respeitado como um compositor de choros bastante originais, além de ser um tarimbado pianista e maestro. Os arranjos de Laércio de Freitas, que já realçaram discos de Elza Soares, Jair Rodrigues, Clara Nunes, Marcos Valle e Wilson Simonal, entre outros astros da MPB, vêm sendo disputados nos últimos anos pelas melhores orquestras paulistas, caso da Banda Mantiqueira, da Jazz Sinfônica e da Sinfônica do Estado. Ironicamente, seu único sucesso popular ainda é Capim Gordura, a bem-humorada moda de viola que ele compôs em 1971. A gravação original, com Luiz Carlos Vinhas e os Calangos, retornou às lojas alguns meses atrás, na compilação É Só Alegria, que a EMI lançou pela coleção Bis.
O paulista de Campinas, que vai completar 60 anos no próximo dia 20 de junho, conta que compôs Capim Gordura num dia de muita saudade do Brasil, durante os quase dois anos que passou no México, substituindo Luiz Eça, como pianista do Tamba Quatro. De volta ao país, no final de 1971, começou a apresentá-la durante uma temporada na boate carioca Flag, onde tocava órgão no grupo de Vinhas. "A coisa virou logo gozação. Hélcio Milito se interessou pela música e propôs que gravássemos um compacto pela Tapecar, que tocou bastante nas rádios. No outro lado desse disco gravamos Chovendo na Roseira, do Tom Jobim", conta Laércio, lembrando que graças a essa brincadeira musical comprou um carro e trocou de casa. "Fizemos o programa do Chacrinha umas quatro vezes. Até os músicos da banda dele queriam tocar com a gente. Era uma farra", relembra.
Foi graças também a essa singela moda de viola, que Tio (apelido que herdou ainda na adolescência, quando jogava basquetebol) recebeu o convite para gravar seu primeiro álbum, Laércio de Freitas e o Som Roceiro, que a CID lançou em 1972. "Eu tinha uma afinidade muito grande com o baixista do conjunto do Vinhas, o Luiz Roberto, que chamei para tocar comigo. Eu queria enfocar o interior do Brasil, tentando prolongar a repercussão do Capim Gordura, mas não aconteceu quase nada", lembra o compositor, observando que, apesar do bom humor que colore o álbum, tudo foi feito a sério. "Você não precisa escrachar a música para fazer uma coisa engraçada. Esse disco não tem nada de circense", afirma. Já o cabelo black power que usava na capa desse LP não tinha maiores significados. "Era só um visual de época. Deixei o cabelo crescer quando ainda estava no México, mas a minha única militância era a musical", explica o pianista.
Elogios de Radamés
Também durante os anos 70, quando morou no Rio de Janeiro, Laércio teve a chance de trabalhar com dois arranjadores e compositores que ajudaram a aprimorar sua concepção musical. Gravando no estúdio da Odeon, veio a conhecer Radamés Gnattali, que elogiou seus choros pessoalmente, confirmando o que ele ouvira de Chiquinho do Acordeon. Dias depois, Laércio recebeu um telefonema do produtor J.T. Meirelles, dizendo-lhe que passasse no estúdio para pegar as partituras de piano do novo disco de Gnattali.
"Como eram dois pianos, eu levei as partes do segundo. Passei uns 15 dias estudando aquela encrenca e então liguei para o Radamés, que foi logo me dizendo: ‘Tio, você ficou burro? Eu escrevi as partes do segundo piano para eu tocar!’. Eu não sabia que o Radamés escrevia as partes mais fáceis para o primeiro piano, que eram tocadas pela irmã dele", explica o pianista, rindo ao se lembrar do constante mau humor do maestro gaúcho. "O Radamés chegava a ser grosso. Não é que o pavio dele fosse curto; ele não tinha pavio algum", diverte-se. Graças a esse mal-entendido, Laércio acabou gravando o piano principal no histórico álbum do Radamés Gnattali Sexteto, lançado em 1975, pela Odeon, dentro da série Depoimento (e relançado em CD, em 1993, na coleção Dois em Um, junto com LP do Quarteto Novo).
Essenciais também, reconhece o pianista, foram os quase dois anos que passou ao lado do maestro pernambucano Severino Araújo, tocando piano e escrevendo arranjos eventuais para a lendária Orquestra Tabajara, em meados da década de 70. "O contato com o Severino Araújo foi muito bom, especialmente para que eu entendesse como se escreve para gafieira. Você tem que escrever para os pés dos dançarinos, que geralmente dançam muito", observa o arranjador, que teve a chance de desenvolver seu know how na década seguinte, quando finalmente formou a LF Big Band, com músicos jovens e veteranos da cena instrumental paulista.
O paulista de Campinas, que vai completar 60 anos no próximo dia 20 de junho, conta que compôs Capim Gordura num dia de muita saudade do Brasil, durante os quase dois anos que passou no México, substituindo Luiz Eça, como pianista do Tamba Quatro. De volta ao país, no final de 1971, começou a apresentá-la durante uma temporada na boate carioca Flag, onde tocava órgão no grupo de Vinhas. "A coisa virou logo gozação. Hélcio Milito se interessou pela música e propôs que gravássemos um compacto pela Tapecar, que tocou bastante nas rádios. No outro lado desse disco gravamos Chovendo na Roseira, do Tom Jobim", conta Laércio, lembrando que graças a essa brincadeira musical comprou um carro e trocou de casa. "Fizemos o programa do Chacrinha umas quatro vezes. Até os músicos da banda dele queriam tocar com a gente. Era uma farra", relembra.
Foi graças também a essa singela moda de viola, que Tio (apelido que herdou ainda na adolescência, quando jogava basquetebol) recebeu o convite para gravar seu primeiro álbum, Laércio de Freitas e o Som Roceiro, que a CID lançou em 1972. "Eu tinha uma afinidade muito grande com o baixista do conjunto do Vinhas, o Luiz Roberto, que chamei para tocar comigo. Eu queria enfocar o interior do Brasil, tentando prolongar a repercussão do Capim Gordura, mas não aconteceu quase nada", lembra o compositor, observando que, apesar do bom humor que colore o álbum, tudo foi feito a sério. "Você não precisa escrachar a música para fazer uma coisa engraçada. Esse disco não tem nada de circense", afirma. Já o cabelo black power que usava na capa desse LP não tinha maiores significados. "Era só um visual de época. Deixei o cabelo crescer quando ainda estava no México, mas a minha única militância era a musical", explica o pianista.
Elogios de Radamés
Também durante os anos 70, quando morou no Rio de Janeiro, Laércio teve a chance de trabalhar com dois arranjadores e compositores que ajudaram a aprimorar sua concepção musical. Gravando no estúdio da Odeon, veio a conhecer Radamés Gnattali, que elogiou seus choros pessoalmente, confirmando o que ele ouvira de Chiquinho do Acordeon. Dias depois, Laércio recebeu um telefonema do produtor J.T. Meirelles, dizendo-lhe que passasse no estúdio para pegar as partituras de piano do novo disco de Gnattali.
"Como eram dois pianos, eu levei as partes do segundo. Passei uns 15 dias estudando aquela encrenca e então liguei para o Radamés, que foi logo me dizendo: ‘Tio, você ficou burro? Eu escrevi as partes do segundo piano para eu tocar!’. Eu não sabia que o Radamés escrevia as partes mais fáceis para o primeiro piano, que eram tocadas pela irmã dele", explica o pianista, rindo ao se lembrar do constante mau humor do maestro gaúcho. "O Radamés chegava a ser grosso. Não é que o pavio dele fosse curto; ele não tinha pavio algum", diverte-se. Graças a esse mal-entendido, Laércio acabou gravando o piano principal no histórico álbum do Radamés Gnattali Sexteto, lançado em 1975, pela Odeon, dentro da série Depoimento (e relançado em CD, em 1993, na coleção Dois em Um, junto com LP do Quarteto Novo).
Essenciais também, reconhece o pianista, foram os quase dois anos que passou ao lado do maestro pernambucano Severino Araújo, tocando piano e escrevendo arranjos eventuais para a lendária Orquestra Tabajara, em meados da década de 70. "O contato com o Severino Araújo foi muito bom, especialmente para que eu entendesse como se escreve para gafieira. Você tem que escrever para os pés dos dançarinos, que geralmente dançam muito", observa o arranjador, que teve a chance de desenvolver seu know how na década seguinte, quando finalmente formou a LF Big Band, com músicos jovens e veteranos da cena instrumental paulista.
Leia ainda:
|