Lampirônicos iluminam novo pop baiano

Grupo de Salvador, apadrinhado por Carlinhos Brown, lança CD de estréia misturando rock e nordestinidade

Marco Antonio Barbosa
24/09/2001
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Já se ouviu falar muita coisa sobre os Lampirônicos, banda baiana que tem pipocado em menções aqui e ali na grande mídia desde o começo do ano. Já se falou que eles vêm na senda aberta por Chico Science, misturando nordestinidade e contemporaneidade. E que eles têm um dos shows mais marcantes da nova safra do rock nacional. E que gente como Lobão, Roberto Frejat e Lenine já se derramou em elogios sobre eles. E que o disco de estréia da banda - Que Luz é Essa, recém-lançado pela Sony Music - vem com o aval de nomes como Carlinhos Brown, Alceu Valença e Domiguinhos (os dois últimos participam do álbum). E por trás do hype e dos apadrinhamentos, o que há? Há um sexteto formado há cerca de três anos em Salvador, disposto a desbravar à base de pandeiro e sampler a distância que separa a música pop da tradição nordestina - fazendo escalas estratégicas em várias estações da MPB. O grupo também pode ser visto como uma interessante face de um movimento de revitalização do rock baiano, trazendo a reboque grupos como Superfly, Catapulta, Cumbuca, Tara Code e Saci Tric.

"O baião para nós é a base, a referência mais forte", explica o baixista Luciano Vasconcelos sobre a peculiar alquimia sonora dos Lampirônicos. "Mas acaba que para nós é tudo a mesma coisa, os beats eletrônicos se misturam às levadas mais nordestinas, chegando a um denominador comum. No meio disso é que acaba entrando o rock, o xote, a MPB mais tradicional. Nunca fez a menor diferença a fonte da influência: se é pop, bossa nova, manguebeat, tudo acaba misturado sem a gente perceber." O álbum de estréia do grupo (Niquima, voz e letras; Ordep Lemos, bateria; Roberto Barreto, guitarra; Bau Carvalho, guitarras e programações; Robson de Almeida, percussão; e Luciano), produzido pelo veterano guitarrista Paulo Rafael e gravado no estúdio particular de Carlinhos Brown, em Salvador, evidencia essa "embolação" em canções como Pop Zen, Mestiça Raiz e Que Luz É Essa? (regravação de Raul Seixas).

Os paralelos com o manguebeat e o trabalho de Chico Science - de resto, um marco definitivo para quem quiser misturar pop e regionalismo - são assumidos pelo grupo, mas com o devido relativismo. "Nos anos 90, Chico foi um pioneiro nesta fusão de sons nordestinos com a música moderna e fomos influenciados por ele. Mas soamos diferentes da turma do manguebeat. É legal que nos comparem a eles, mas não fazemos parte deste cenário", pondera Luciano. "Além do mais", continua, "temos outras influências de gente que veio antes do Chico Science e que também foi precursora desta mistura: Alceu Valença, Lenine. Até o próprio Raul Seixas, que fez as fusões mais loucas, de rock com baião e xote - mas esse lado dele acaba despercebido, porque todo mundo só enxerga aquela imagem do roqueiro doidão."

Os diferentes gostos e formações dos seis membros acabam influindo também na sonoridade do grupo. "A sonoridade eletrônica vem pelo Niquima, ele é quem mais ouve techno, drum'n'bass, esses sons. Nossa base de percussão tem influências do rock, através do Ordep - que já tocou com várias bandas de Salvador, a gente chama ele de 'a lêndea do rock' (risos). E eu, na hora em que vou criar minhas levadas de baixo, acabo caindo mais para a MPB 'clássica', por ouvir muito Djavan, João Bosco, bossa nova - mas sempre pensando no groove", explica o baixista Luciano.

Formados em 1998, os Lampirônicos deram uma parada estratégica após cerca de um ano de atividade, e ressurgiram com uma formação diferente - apenas Roberto, Ordep e Bau são membros originais. Foi a partir da nova "pele" que o grupo chamou a atenção de Carlinhos Brown, que propôs uma parceria aos Lamps. "O Roberto, nosso guitarrista, tocou com a Timbalada por cinco anos antes de se formar os Lampirônicos", lembra Luciano, "e a amizade com o Brown ajudou. Ele conheceu a banda através de um vídeo, foi assistir a um ensaio e gostou. Daí, se dispôs a ceder o estúdio para nossos ensaios e gravações, sem sequer falar em retorno financeiro. Foi tudo bem espontâneo, não houve nada 'contratado'.

Misturando as 'regionalices' com as' mudernidades', o grupo foi destacando-se no cenário roqueiro de Salvador. Luciano fala sobre como é tocar rock na capital da axé music: "Esse rótulo sempre vai existir na cabeça das pessoas, apesar do rock ter uma força muito grande aqui e não é de agora - basta lembrar de Raul e do Camisa de Vênus. Mas um lado importante que muita gente não nota é que o axé trouxe uma profissionalização ao mercado musical de Salvador que acabou beneficiando às bandas de rock também. Todo mundo agora se preocupa com a imagem, com a qualidade de som dos shows." Luciano afirma também que o cenário local de jovens compositores está fervilhante. "Poderíamos ter sido egoístas e só colocar músicas nossas no CD, mas quisemos incluir também canções de novos talentos de Salvador - como Alexandre Leão, o Manuca Almeida (um dos compositores do sucesso Esperando na Janela) e do Ari Moraes, filho do Moraes Moreira."

Paulo Rafael, parceiro antigo de Alceu Valença, foi contactado para a produção do álbum após um show que fez com o cantor pernambucano, em Salvador. "O Ordep foi explicar ao Paulo como era o nosso som. Ele ouviu uma demo que gravamos no estúdio do Brown e topou trabalhar conosco. Nosso som não mudou muito nas mãos dele: ele fez uma limpeza na nossa sonoridade, ajudou a 'esclarecer' os detalhes", fala Luciano. O que se ouve no disco, garante o baixista, é retrato fiel do show do grupo. "Ao vivo fica só um pouquinho mais pesado, agressivo", diz. Alceu Valença e Dominguinhos pararam no estúdio por intermédio do produtor, que gravou as bases com o grupo no estúdio de Brown e finalizou o trabalho no Rio de Janeiro. Resumo da ópera: com cerca de três anos de formação, os Lampirônicos já conseguiram contrato com uma multinacional e parecem gozar das boas graças de vários notáveis da MPB. O baixista do grupo fica meio sem jeito ao comentar a efusiva recepção: "É uma dádiva escutar elogios de pessoas como o Lenine ou o Alceu. É muito estimulante, sempre incentiva a gente", diz.

Agora, o grupo prepara-se para trazer seu som ao eixo Rio-SP. "Fizemos dois shows no Rio nos últimos meses, com o grupo jamaicano The Wailers e com o Natiruts, e a resposta foi ótima em ambos", conta Luciano. "Acho que nosso público está muito aberto a novidades."