Leci Brandão comemora 25 anos de samba

Cantora, que diz estar sendo tratada como estrela pela gravadora Trama, grava seu primeiro CD ao vivo, no qual preferiu registrar várias canções menos conhecidas ao invés de fazer apenas uma revisão de sucessos

Rodrigo Faour
18/08/2000
Leci Brandão está feliz da vida. Não apenas por lançar seu primeiro CD ao vivo, algo que já virou um procedimento de rotina entre os artistas da MPB, mas por seu trabalho estar ganhando um espaço inédito na mídia. "É a primeira vez em 25 anos de carreira que estou sendo tratada como estrela por uma gravadora", orgulha-se a sambista. Os elogios têm alvo: a gravadora Trama, que a contratou no ano passado e lançou Auto-Estima, CD que estourou três faixas em São Paulo: Nota Máxima, Fonte do Seu Prazer e a faixa-título. Agora, a fábrica põe no mercado Eu Sou Assim, álbum com 24 músicas distribuídas em 17 faixas, cujo título foi uma sugestão do amigo Martinho da Vila, por crer que o disco ser o retrato fiel da sambista.

Leci se recusou a fazer um CD ao vivo de revisão de carreira, apenas com os sucessos que vem acumulando desde sua estréia em 1975, com o LP Antes que Eu Volte a Ser Nada. No entanto, seus maiores sucessos da época da explosão do pagode de raiz, que revelou também Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jovelina Pérola Negra, estão presentes no disco em forma de pot-pourris, tais como Papai Vadiou, Isso É Fundo de Quintal e Eu Só Quero Te Namorar. "Essa história de ter que gravar tudo de novo não me agradava. Por acaso, estou fazendo 25 anos de carreira, mas esse meu momento na verdade é mais que um aniversário, é uma retomada de carreira", confessa.

Segundo a cantora, essa retomada começou há cerca de dois anos quando ela se apresentou no imenso clube paulista ADP, cantando o samba Felicidade Escondida, num projeto dos Melhores do Ano de 1998, da gravadora Indie Records, ao lado do grupo Sem Compromisso. "Cabem 30 mil pessoas nesse clube, e de repente vi todo mundo gritando meu nome. A casa veio abaixo e acordei. Vi que havia muita gente que gostava de mim", conta ela que hoje tem um público renovado que abrange jovens dos 14 aos 23 anos de idade.

A partir dessa descoberta, ela diz que começou a normalizar sua vida, incrementou sua agenda de shows por todo o país e quando recebeu o convite da Trama para gravar um CD ao vivo topou na hora o desafio, pois faz shows semanalmente. No repertório, ela bateu o pé e gravou sambas menos conhecidos como Jeito de Amar, Meu Oceano, Barco a Vela, o maranhense Lua Diamante, o paraense Sabor Açaí, mais Anjos da Guarda (em homenagem aos professores) e a inédita Você Pode Ceder.

Misticismo e protesto
A carreira de Leci teve muitos altos e baixos desde que começou como amadora em 1972, entrando para a ala de compositores da Mangueira. Depois de uma passagem pela Polydor, ela ficou sem gravar durante cinco anos no início dos anos 80. "Cheguei a pensar em abandonar a carreira. Fiquei desesperada porque não conseguia chance para voltar. As gravadoras diziam que eu era preocupada demais com as coisas políticas e que não vendia, até que fui contratada pela Copacabana em 85 e estourei vários sambas", recorda.

Quem a alertou que as coisas iam mudar foi o caboclo Rei das Ervas, num terreiro de candomblé. Por isso, Leci incluiu no álbum daquela época um ponto em sua homenagem. "Depois disso, ele me pediu que fizesse também homenagens aos meus santos e meus protetores. Então, em todos os discos incluo minhas saudações. No atual, gravei a Saudação a Ossain, que é o orixá das folhas, por isso o disco é todo verdinho", justifica.

Atualmente a única coisa que incomoda Leci é o fato de os sambistas não gravarem tanto as músicas com letras de conotação política, como o seu Deixa, Deixa, de 1985, agora regravado. "Antigamente, fazer protesto era moda. Hoje, a situação do país é muito pior e ouso dizer que estamos vivendo uma gerra civil pois não se pode andar de carro com vidro arriado, nem de relógio nas ruas. Só quem tem feito algo nesse sentido é o pessoal do rap, hip hop e do rock. E os sambistas que vêm da periferia, de origem humilde, não estão nem aí para nada? Não pode! É só "amorzinho para cá, amorzinho para lá"? Não pode! Amor? Sou apaixonada, adoro sambas de amor mas vejo tudo que acontece ao meu redor. Se tem povo para comprar CD, acho saudável ser parceiro dele nas suas reivindicações e lutas!", prega.