Legado de Bob Marley vive em Gilberto Gil
Compositor baiano lança CD dedicado à obra do rei do reggae e um DVD registrando sua viagem à Jamaica
Marco Antonio Barbosa
29/05/2002
Quando ninguém no Brasil sequer tinha ouvido falar de reggae, Gilberto Gil já tinha ido e
voltado da Jamaica - ao menos espiritualmente, carregando na alma os eflúvios musicais e
ideológicos de Bob Marley. Em 2002, 21 anos após a morte de Marley, Gil põe para fora o
álbum Kaya N'gan Daya e o DVD Kaya N'Jamaica, integralmente dedicados a
homenagear o supremo mestre jamaicano. Responsável pelo pontapé inicial da difusão do
reggae no Brasil, o compositor baiano acerta de vez as contas com Marley, a quem aponta
como um de seus ídolos máximos. Gil, que travou contato com a música de Bob pela
primeira vez no começo dos anos 70 (durante o exílio londrino), firma de vez sua relação
com o rei do reggae, a quem nunca chegou a conhecer pessoalmente.
Foi em 1999 que a idéia do tributo surgiu pela primeira vez. "A extraordinária paixão que sinto por Marley foi o que me inspirou a fazer este trabalho", conta Gilberto Gil. "Demorei tanto para tirar isso do papel porque tinha que maturar a idéia, e precisava necessariamente de um tempo para ir à Jamaica, fazer o disco na terra e com o som de Marley." A viagem se concretizou no final do ano passado, e foi fundamental para que Gil firmasse (ainda mais) sua identificação com o rei do reggae. "Tive de trabalhar todo o significado de Marley para a música do mundo. Jamaica e Brasil se parecem muito, inclusive no adoção apaixonada do reggae. E também há o peso político dele, importante em vários processos libertários mundo afora", enumera Gil.
“No disco tem 16 canções. Mas podia ter 50, 60, 80, ou mais. Ainda que fosse um CD duplo, com mais 16 músicas, ainda assim não iria dar conta”, diz Gil rasgando a seda. Algumas peculiaridades regeram a escolha das canções. Os clássicos de Marley se encontram em peso no disco, em grande parte com as letras originais (Buffalo Soldier, One Drop, Positive Vibration, Them Belly Full), algumas vertidas para o português (Kaya, que virou a gandaiante faixa-título, Time Will Tell, aqui como Tempo Só e Lively Up Yourself, convertida para Eleve-se Alto ao Céu). "Também tinha as minhas favoritas. Por exemplo, não poderia sequer pensar em fazer este tributo sem incluir Rebel Music", diz Gil. Não Chore Mais, a famosa versão para No Woman No Cry - lançada originalmente em 1978, quando Marley ainda era vivo - retorna revigorada e com participação dos Paralamas do Sucesso (incluindo Herbert Vianna na guitarra). "Coloquei Não Chore Mais a pedido das pessoas todas envolvidas com o projeto, que achavam que era uma referência importante", fala Gil, que preferiria dar espaço para outras canções. "Eu, por mim, gravaria outra que não tivesse registrado, como I Shot the Sheriff", afirma.
Ponto pacífico para o baiano era manter, tanto quanto possível, a fidelidade às versões originais de Marley. "Não são releituras que transmutam a obra original. Não era essa a minha intenção. Ali ou acolá tem alguma coisa minha, mas eu quis mesmo foi cantar e tocar como ele fazia. Está tudo ali: A é A, B é B. E Marley é Marley", conta Gil. A preferência pelas letras em inglês se encaixa nesta opção. Até mesmo a única inédita composta pelo baiano para o disco, Table Tennis Table, é cantada na lingua inglesa. Para o cantor, o disco apela a sua memória afetiva. “No CD, as músicas ficaram do jeito que elas estão aqui dentro, no meu coração. Quis reencarnar Marley, imitar mesmo”, diz. A predominância de canções em inglês facilita o esquema de lançamento internacional do disco, que vai sair na Europa e no Japão em junho e nos EUA em julho.
"Não tinha o que mexer no material. Mas era fundamental a viagem para a Jamaica, gravar lá com o pessoal que viveu a música de Marley desde sempre". Uma vez em solo jamaicano, Gil não economizou na aproximação com o universo de Bob. O disco foi gravado no estúdio Tuff Gong, em Kingston, o mesmo no qual Marley registrou o grosso de sua obra. À banda que o baiano levou para lá, que incluia feras como Arthur Maia (baixo) e Jorge Gomes (bateria) juntaram-se lendas locais como o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare. Nenhuma outra senão a viúva oficial do rei do reggae, Rita Marley, dá sua aprovação ao trabalho reativando o grupo vocal I-Threes (composto por ela, Marcia Griffiths e Judy Mowatt), que cantava com Bob. Só faltou mesmo a galera do The Wailers, grupo que acompanhou Marley no auge de sua carreira. "Eles são a grande ausência do disco. Não pude gravar com os Wailers porque eles ainda estão em litígio com a família Marley pelo espólio de Bob. Além disso, eles moram em Miami (EUA), o que dificultou tudo", lamenta Gil.
Celebridades brasileiras completam o time. Os já citados Paralamas retornam em Them Belly Full; a dupla Samuel Rosa e Henrique Portugal (Skank) chega para Could You Be Loved. O sanfoneiro Cícero Assis, que toca em faixas como Rebel Music e Tempo Só, concretiza a ponte entre as duas influências/referências mais prezadas por Gil - Marley e Luiz Gonzaga, o reggae e o baião. "Há uma espécie de similitude entre o cangaceiro e o rastaman", escreve o baiano no encarte do disco, equiparando Gonzagão e Marley em seu panteão pessoal de ídolos. "Foi uma grata coincidência que este disco tenha vindo logo depois do meu tributo a Luiz (As Canções de Eu Tu Eles , de 2000) Depois do samba e do baião, o reggae é a música que eu mais gosto", fala Gil.
O DVD mistura making-of do disco, diário da passagem de Gil pela Jamaica e show - uma apresentação feita em dezembro do ano passado em São Paulo, já com o repertório e a banda ouvidos no CD. "O DVD é uma explicação para o que se ouve no CD", afirma o baiano sobre o trabalho, subintitulado A Viagem de Gil na Terra de Bob Marley. Produzido pela Conspiração Filmes (queridinha da elite MPB em questão de audiovisual), o DVD foi dirigido por Lula Buarque de Hollanda e soma 126 minutos de cenas de palco, estúdio, entrevistas e um videoclipe (Kaya N'gan Daya). Entre os destaques no vídeo digital estão os bate-papos entre Gil e Rita Marley - com direito a detalhes indiscretos sobre os hábitos sexuais de Bob -, flagrantes da ação no estúdio, com depoimentos de gente como Errol Brown (engenheiro de som de Marley) e os passeios de Gil por Kingston, capital da Jamaica. A parte ao vivo, com cerca de uma hora de duração, evidencia a banda de feras que acompanha o compositor e os cenários de Luiz Zerbini, que procuram recriar as cores das ruas jamaicanas.
Foi em 1999 que a idéia do tributo surgiu pela primeira vez. "A extraordinária paixão que sinto por Marley foi o que me inspirou a fazer este trabalho", conta Gilberto Gil. "Demorei tanto para tirar isso do papel porque tinha que maturar a idéia, e precisava necessariamente de um tempo para ir à Jamaica, fazer o disco na terra e com o som de Marley." A viagem se concretizou no final do ano passado, e foi fundamental para que Gil firmasse (ainda mais) sua identificação com o rei do reggae. "Tive de trabalhar todo o significado de Marley para a música do mundo. Jamaica e Brasil se parecem muito, inclusive no adoção apaixonada do reggae. E também há o peso político dele, importante em vários processos libertários mundo afora", enumera Gil.
“No disco tem 16 canções. Mas podia ter 50, 60, 80, ou mais. Ainda que fosse um CD duplo, com mais 16 músicas, ainda assim não iria dar conta”, diz Gil rasgando a seda. Algumas peculiaridades regeram a escolha das canções. Os clássicos de Marley se encontram em peso no disco, em grande parte com as letras originais (Buffalo Soldier, One Drop, Positive Vibration, Them Belly Full), algumas vertidas para o português (Kaya, que virou a gandaiante faixa-título, Time Will Tell, aqui como Tempo Só e Lively Up Yourself, convertida para Eleve-se Alto ao Céu). "Também tinha as minhas favoritas. Por exemplo, não poderia sequer pensar em fazer este tributo sem incluir Rebel Music", diz Gil. Não Chore Mais, a famosa versão para No Woman No Cry - lançada originalmente em 1978, quando Marley ainda era vivo - retorna revigorada e com participação dos Paralamas do Sucesso (incluindo Herbert Vianna na guitarra). "Coloquei Não Chore Mais a pedido das pessoas todas envolvidas com o projeto, que achavam que era uma referência importante", fala Gil, que preferiria dar espaço para outras canções. "Eu, por mim, gravaria outra que não tivesse registrado, como I Shot the Sheriff", afirma.
Ponto pacífico para o baiano era manter, tanto quanto possível, a fidelidade às versões originais de Marley. "Não são releituras que transmutam a obra original. Não era essa a minha intenção. Ali ou acolá tem alguma coisa minha, mas eu quis mesmo foi cantar e tocar como ele fazia. Está tudo ali: A é A, B é B. E Marley é Marley", conta Gil. A preferência pelas letras em inglês se encaixa nesta opção. Até mesmo a única inédita composta pelo baiano para o disco, Table Tennis Table, é cantada na lingua inglesa. Para o cantor, o disco apela a sua memória afetiva. “No CD, as músicas ficaram do jeito que elas estão aqui dentro, no meu coração. Quis reencarnar Marley, imitar mesmo”, diz. A predominância de canções em inglês facilita o esquema de lançamento internacional do disco, que vai sair na Europa e no Japão em junho e nos EUA em julho.
"Não tinha o que mexer no material. Mas era fundamental a viagem para a Jamaica, gravar lá com o pessoal que viveu a música de Marley desde sempre". Uma vez em solo jamaicano, Gil não economizou na aproximação com o universo de Bob. O disco foi gravado no estúdio Tuff Gong, em Kingston, o mesmo no qual Marley registrou o grosso de sua obra. À banda que o baiano levou para lá, que incluia feras como Arthur Maia (baixo) e Jorge Gomes (bateria) juntaram-se lendas locais como o baterista Sly Dunbar e o baixista Robbie Shakespeare. Nenhuma outra senão a viúva oficial do rei do reggae, Rita Marley, dá sua aprovação ao trabalho reativando o grupo vocal I-Threes (composto por ela, Marcia Griffiths e Judy Mowatt), que cantava com Bob. Só faltou mesmo a galera do The Wailers, grupo que acompanhou Marley no auge de sua carreira. "Eles são a grande ausência do disco. Não pude gravar com os Wailers porque eles ainda estão em litígio com a família Marley pelo espólio de Bob. Além disso, eles moram em Miami (EUA), o que dificultou tudo", lamenta Gil.
Celebridades brasileiras completam o time. Os já citados Paralamas retornam em Them Belly Full; a dupla Samuel Rosa e Henrique Portugal (Skank) chega para Could You Be Loved. O sanfoneiro Cícero Assis, que toca em faixas como Rebel Music e Tempo Só, concretiza a ponte entre as duas influências/referências mais prezadas por Gil - Marley e Luiz Gonzaga, o reggae e o baião. "Há uma espécie de similitude entre o cangaceiro e o rastaman", escreve o baiano no encarte do disco, equiparando Gonzagão e Marley em seu panteão pessoal de ídolos. "Foi uma grata coincidência que este disco tenha vindo logo depois do meu tributo a Luiz (As Canções de Eu Tu Eles , de 2000) Depois do samba e do baião, o reggae é a música que eu mais gosto", fala Gil.
O DVD mistura making-of do disco, diário da passagem de Gil pela Jamaica e show - uma apresentação feita em dezembro do ano passado em São Paulo, já com o repertório e a banda ouvidos no CD. "O DVD é uma explicação para o que se ouve no CD", afirma o baiano sobre o trabalho, subintitulado A Viagem de Gil na Terra de Bob Marley. Produzido pela Conspiração Filmes (queridinha da elite MPB em questão de audiovisual), o DVD foi dirigido por Lula Buarque de Hollanda e soma 126 minutos de cenas de palco, estúdio, entrevistas e um videoclipe (Kaya N'gan Daya). Entre os destaques no vídeo digital estão os bate-papos entre Gil e Rita Marley - com direito a detalhes indiscretos sobre os hábitos sexuais de Bob -, flagrantes da ação no estúdio, com depoimentos de gente como Errol Brown (engenheiro de som de Marley) e os passeios de Gil por Kingston, capital da Jamaica. A parte ao vivo, com cerca de uma hora de duração, evidencia a banda de feras que acompanha o compositor e os cenários de Luiz Zerbini, que procuram recriar as cores das ruas jamaicanas.