Leila Pinheiro em duplo reencontro

Em novo CD, cantora utiliza tecnologias modernas na releitura da obra de Ivan Lins e Gonzaguinha, compositores que começaram juntos e tinham a mesma idade

Rodrigo Faour
23/08/2000
Leila Pinheiro sabe que Ivan Lins e Gonzaguinha são dois compositores que as pessoas ou amam ou odeiam. Mas ela os adora e é o que importa. Por isso mesclou canções de ambos no CD Reencontro, que acaba de lançar pela EMI. A cantora decidiu resgatá-los primeiro porque suas obras se complementam, e segundo porque elas vêm sendo pouco regravadas. "A maioria das canções que gravei são antigas, do começo dos anos 70 e do início dos 80. Depois disso, Gonzaguinha foi absolutamente esquecido. E Ivan é muito regravado lá fora, mas não aqui. Além disso, eles foram parceiros, são da mesma idade, começaram juntos e participaram de movimentos universitários. Acho que a obra dos dois se complementa", justifica.

De Gonzaguinha, que faleceu precocemente em 1991 num desastre de automóvel, Leila gravou no disco Feliz, É, Diga Lá Coração e Explode Coração. De Ivan, Antes que Seja Tarde, Vitoriosa, Lembra de Mim e Acaso (inédita, em parceria com Abel Silva). Da parceria dos dois, há a filha-única Desenredo (G.R.E.S. Unidos do Pau Brasil), gravada originalmente no LP Gonzaguinha da Vida (1979). A pedido da cantora, Ivan musicou o poema Sedução, escrito por Gonzaguinha em 1974, que também entrou no disco. Em Espere Por Mim Morena, Leila cantou junto com a voz de Gonzaguinha, de uma gravação inédita que estava nos arquivos da EMI. Já em Iluminados, ela contou com a participação de Ivan.

A grande novidade do álbum é o tratamento dado às faixas. Leila decidiu utilizar samplers pela primeira vez em algumas faixas em busca de uma leitura moderna para a obra dos compositores. Quem pilotou essa parte no disco foi Marcio Lomiranda, tecladista que trabalha com seu produtor, Guto Graça Mello. "O Guto pede a todas as pessoas para irem ao Marcio e sua usina de sons. Na faixa Desenredo, por exemplo, eu pude juntar um maracatu tocado pelo Jurim Moreira com instrumentos de escolas de samba tocados pelo (falecido) Mestre Marçal", empolga-se.

Leila frisa, no entanto, que os arranjos não retiraram a "brasilidade profunda que há na obra dos dois". "Fui coerente com o sentimento de cada canção. Não mexi, por exemplo, nas harmonias. Bolero é bolero, samba é samba. Apenas fiz o acento rítmico ficar mais forte. Como sou uma cantora jovem – faço 40 anos esse ano – incluí essa juventude minha nas canções. Fiz o disco pensando no futuro, porém amparada no passado, já que foi lá que eles fizeram essas canções".

Leila sabe que as harmonias de Ivan são mais elaboradas que as de Gonzaga. Por isso, mexeu mais nas canções do primeiro por conta de seu apelo jazzístico. "As músicas do Ivan se prestam mais a experiências, mas as do Gonzaga são modernas por natureza. O povo não vai ficar parado com seus sambas e boleros, vai dançar mesmo", justifica. Leila não quer é cair nos modismos fáceis. Não incluiu arranjos tipo acid-jazz ou hip hop no disco. "Tenho uma verdade que independe de modismos. Tenho dez discos gravados e nove à venda que não ficaram datados. Fujo disso como o diabo da cruz".

Show tem repertório ampliado
No show que estreou em Belo Horizonte no último final de semana e que vai o Rio amanhã, dia 24, no ATL Hall, e em São Paulo dias 26 e 27, no Tom Brasil, Leila canta todo o repertório do disco, outras músicas de Ivan e Gonzaguinha, como Começar de Novo, Mãos de Afeto e Aos Nossos Filhos (do primeiro) e Sangrando, Recado, Caminhos do Coração, Começaria Tudo Outra Vez e Grito de Alerta. Há também canções de alguns compositores que influenciaram o trabalho dos dois. "Ivan me disse que Milton Nascimento e Caetano Veloso, além de Tom Jobim e Dori Caymmi, contribuíram definitivamente em seu trabalho", conta Leila, que incluiu No Dia em que Vim-Me Embora e Nada Será como Antes no roteiro. "Gonzaguinha dizia que Lupicínio Rodrigues e Luiz Gonzaga foram suas maiores referências". Desses compositores, Leila escolheu Quem Há de Dizer e Imbalança, respectivamente – sendo que essa última aparece "completamente sampleada, eletrônica" no show.

Leila só fica furiosa quando se lembra do tratamento que sua gravadora lhe deu em seu álbum anterior, Na Ponta da Língua (1998). "Lancei o disco em setembro, em outubro houve eleições e no final do ano eles já queriam que eu fizesse outro disco. Recusei-me. Mesmo assim, fiz mais de 100 apresentações pelo Brasil com aquele repertório", conta. Isso pesou também para que ela ainda não se lançasse agora ao seu acalentado projeto de um tributo a Paulinho da Viola. Ela diz que não tem a mesma vivência com o repertório do sambista do a que tem com os de Ivan e Gonzaguinha. Para realizar o disco de Paulinho, ela quer ter apoio certo da gravadora pois seu objetivo é popularizar a obra do sambista.

Festivais são fundamentais
Revelada no Festival dos Festivais (1985), penúltimo promovido pela TV Globo, Leila diz que não pôde acompanhar as eliminatórias do último sábado, pois estava em cartaz em Belo Horizonte (MG). Mas é a favor desse tipo de evento. "Já fiquei triste porque Simone Guimarães, Sérgio Santos e Walter Franco – três grandes artistas e amigos – ficaram de fora. Mesmo assim, acho que o Festival pode dar um caldo. O Brasil está precisando de festivais. Tem muita gente pelos cantos, mudando de profissão porque não consegue espaço para sua música", alerta.