Leny Eversong: os 80 anos da diva esquecida

Dona de voz poderosa, que ficou famosa internacionalmente nos anos 50, cantora brasileira chegou a fazer temporadas anuais nos cassinos de Las Vegas e a gravar nos Estados Unidos e na França. Hoje não tem um disco sequer em catálogo

Rodrigo Faour
31/08/2000
Um furacão vocal passou pelo planeta em meados do século XX. Seu nome? Hilda Campos ou... Leny Eversong, como ficou conhecida pelo público. Muito gorda, com os cabelos oxigenados e uma voz potente de contralto mas com bom alcance nos agudos, ela nunca chegou a ter, no Brasil, a popularidade de uma Dalva de Oliveira ou Ângela Maria. No entanto, Leny impactava as platéias com suas interpretações em vários idiomas. Mesmo sendo uma figura tão interessante e única no estilo, ela morreu em 1984, no total ostracismo, aos 64 anos, vítima de diabetes. Ela estaria completando, nesta sexta-feira, dia 1º, 80 anos de idade. Bom momento para se reavaliar o trabalho da cantora e torcer para que saia algum CD com sua obra, já que seus discos continuam restritos aos colecionadores de vinil. Nos sebos do país ou da Internet, seus álbuns podem custar mais de 100 dólares cada.

Leny Eversong foi uma cantora que chegou muito longe em sua carreira, mas no fim da vida amargou muitos dramas pessoais. Começou aos 12 anos, em 1932, apresentando-se no Programa Hora Infantil, da Rádio Clube de Santos (SP). Depois de realizar um teste, foi contratada para atuar no programa noturno da emissora. Cantando música brasileira e foxes norte-americanos, estil no qual acabou se especializando, em pouco ela tempo passou a ser conhecida como Hildinha, a Princesa do Fox. Depois, em 1935, começou a atuar na Rádio Atlântica, também em Santos, sua cidade natal. Foi quando estreou com seu famoso nome artístico e passou a cantar apenas em inglês, decorando as letras. Aos 16, já se apresentava na Rádio Tupi, do Rio, e no Copacabana Palace Hotel, passando também pelo disputado Cassino da Urca. Seguiram-se outras rádios e cassinos até que, em 1942, Leny gravou seu primeiro disco 78 rpm, cantando temas de filmes famosos como Lady Crooner, da orquestra de Anthony Sergi, o Totó.

Apesar de gravar em português desde o início dos anos 50, suas interpretações mais empolgantes foram mesmo standards do repertório internacional. Jezebel, El Cumbanchero, Summertime, Jalousie, Fascination, Mack the Knife e Granada foram alguns de seus grandes êxitos no rádio, no palco e na TV. "Nas décadas de 40 e 50 fazia grande sucesso a peruana Yma Sumac. E de repente viram que em matéria de extravagância e extensão vocal o Brasil tinha uma representante mais interessante que a Yma, pois ela não cantava com tanta expressão ou em tantas línguas quanto a Leny, que cantou em todas que se possa imaginar", analisa o historiador Jairo Severiano.

Eclética e internacional
Foi na segunda metade dos anos 50 que Leny viveu o auge de sua carreira. Foi capa das principais publicações brasileiras e trazia a tiracolo uma invejável agenda internacional – incluindo Las Vegas, Nova York e Paris –, cantando em grandes teatros e cassinos. "Leny foi a primeira brasileira a cantar em Las Vegas apenas por suas qualidades de cantora. A Carmen Miranda foi um caso extraordinário, porque foi para lá depois de fazer cinema. A Leny não. Foi sem filme, sem nada, cantando em inglês", compara a cantora Carminha Mascarenhas.

O maestro Daniel Salinas, que a acompanhou em turnês por Las Vegas e Nova York, é testemunha do estrondoso sucesso que a cantora fez ao redor do mundo, onde quer que se apresentasse. "Ela fez temporadas em Las Vegas, Nova York e Paris, no México e em países das Américas Central e do Sul. Mesmo em lugares em que não era tão conhecida, como a Venezuela, ela tinha um potencial tão fabuloso que, quando cantava, arrasava. Era aplaudida de pé. Naquela época, quase não tinha brasileiro de sucesso fora do país. Pena que ninguém lembre mais dela", lamenta o maestro. Ele afirma que Leny teve a chance de gravar com os melhores músicos, nos melhores estúdios e com arranjos de grandes maestros. "Ela fez tudo que um artista sonharia fazer". De fato, ela gravou nos anos 50 um LP na Coral com a orquestra de Neal Hefti e, na Vogue francesa, um com a de Pierre Dorsey.

Embora os letreiros dos cassinos de Las Vegas a enfocassem como cantora brasileira, muitas vezes ela era vendida como cantora americana, pois apesar de até o final dos anos 50 não falar uma palavra de inglês, cantava sem sotaque graças a seu ótimo ouvido. O cantor Luiz Vieira lembra-se de ouvi-la falar dessas armações, às gargalhadas. "A Leny era maravilhosa, de uma humildade e uma simplicidade incríveis. Ela me contava os seus micos do modo mais natural. Ela podia não ter um nível de cultura dos mais lisonjeiros, mas era inteligente demais. Quando ela ia para a Argentina, por exemplo, o empresário dela dizia: ‘Não abra a boca com a imprensa’. Então, só falavam com o empresário. E ela só falava yes, ok, all right. Ela contava isso com muita graça".

Problemas familiares e diabetes
Até o final dos anos 60, sua carreira ia bem. Leny participou da primeira montagem brasileira da Ópera dos Três Vinténs, de Brecht, em São Paulo, e de alguns festivais da canção, além de continuar com suas turnês americanas. Mas no início dos 70, começaram as dores de cabeça. Seu marido saiu para comprar cigarros (literalmente) e nunca mais voltou. Foi seqüestrado e desapareceu. Isso marcou tanto a sua vida que todos os artistas entrevistados para essa reportagem fizeram menção ao fato. "Ela ficou quase louca quando o marido sumiu", lembra Luiz Vieira. A cantora Adelaide Chiozzo diz que chegou a consolá-la. Mas o maior apoio à cantora foi dado pelo amigo Agnaldo Rayol. "Quando o marido dela sumiu, ela ficou dias hospedada no meu sítio, em Itapecerica da Serra. Estava muito nervosa. Ela estava meio desencontrada, perdida e eu disse: Venha passar uns dias comigo. Batíamos muito papo. Já nessa época, ela se sentia meio injustiçada, esquecida".

A sambista Dona Ivone Lara é uma das maiores fãs da cantora. "Adorava a Leny, ela tinha uma voz lindíssima. Eu gostava dela cantando Jezebel... Em El Cumbanchero ela também dava banho", diz a primeira dama do samba carioca que lamenta por não ter tido a oportunidade de vê-la ao vivo. "Uma vez, durante uma turnê em São Paulo, fui saber de seu falecimento. Eu soube que aquele problema dela com o marido aconteceu porque o pegaram pensando que fosse o filho". Procedente ou não a tese, o fato é que o filho de Leny andou envolvido com drogas e chegou mesmo a ser preso anos depois.

Ângela Maria, que chegou a dividir o palco com ela nas TV Tupi e Record, diz que desde que houve o sumiço de Nei Campos, marido de Leny, a colega também sumiu. "Ela era uma grande voz, muito alegre, divertida e amiga, mas depois daquele problema com o marido, ela fez questão de desaparecer do mapa. Ninguém sabia onde ela vivia", depõe. O pior é que além de tudo, por ser muito gorda, acabou ficando com diabetes – que na época não era ainda uma doença com o tratamento que se tem hoje. Adelaide Chiozzo vê causas psicológicas em tudo isso. "Acho que sua doença foi provocada pelo fato de o marido ter sumido. Sentia que ela tinha uma tristeza muito profunda, e logo ela que era tão alegre", diz. Além de ter emagrecido muito, segundo a amiga e cantora Lana Bittencourt, Leny chegou mesmo a ter de amputar as pernas pouco antes de morrer. Um triste fim para uma figura de tamanho brilho.

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