Leoni retorna alinhado com a <i>nova MPB</i>
Cantor lança Você Sabe o que Eu Quero Dizer, primeiro álbum em nove anos, apostando na independência
Marco Antonio Barbosa
18/07/2002
Leoni: "Os anos 90 foram indigentes" (clique para ampliar) |
O sumiço de nove anos foi parte voluntário, parte forçado. "Sendo franco, as gravadoras não me queriam mais no começo dos anos 90. Estávamos em plena monocultura da axé music, que deixou as coisas muito difíceis para nós, do pop-rock", conta Leoni. "Ao mesmo tempo, acho também que a década passada foi indigente, musicalmente falando. Eu não encontrava ressonância externa, não via nada que me estimulasse, e acho que essa crise aconteceu com quase todo mundo da minha geração. A coisa começou a ficar melhor em meados dos 90, com o aparecimento de uma nova turma que não tinha medo de misturar a MPB com o pop - Chico César, Lenine, Zélia Duncan, Pedro Luís... isso me deu um novo gás."
Não por acaso, Você Sabe o que Eu Quero Dizer é bem identificado com a estética dessa geração apontada por Leoni como renovadora. Sem renegar seu passado, o compositor injetou doses de batucada (audíveis na faixa-título, em As Cartas que Eu Não Mando ou na referente Samba e Saudade) na mistura. Ao mesmo tempo, o velho formato pop retorna com estilo renovado em momentos como Melhor Pra Mim e Napalm no Morro. Leoni, então, virou nova MPB? "Sempre ouvi samba, chorinho, bossa nova, mas não conseguia passar para minhas canções. Agora isso está fluindo de modo natural", fala o compositor. "Mas não tenho um 'lado sambista'. As harmonias não são de samba, é tudo pop na essência. As músicas apenas estão 'vestidas' de samba", completa.
Produzido por Leoni e Beni Borja, o novo álbum vai além da sintonia "espiritual" com os nomes da nova geração. Samba e Saudade, por exemplo, é parceria entre o cantor e Sueli Mesquita, uma das mais destacadas vozes desta decantada renovação. "A aproximação com essa galera tem sido ótima, muito produtiva. Além de meu encontro com a Sueli, também estão rolando parcerias com o Rodrigo Maranhão (do Bangalafumenga), a Cris Braun e o Pedro Luís", narra Leoni. Mantendo um pé lá e outro cá, o músico ancora-se também nos antigos brothers Frejat (em Napalm no Morro) e Léo Jaime (Fotografia). "Essas músicas são antigas. A do Frejat é de 95, a com o Léo foi feita em 99", relembra Leoni. Fazendo a cama sonora para as composições, arranjos basicamente acústicos, valorizando a percussão. "O disco foi gravado 'ao vivo' no estúdio. Eu preferi assim para manter a possibilidade da interferência humana, com todas as imperfeições que pudessem ocorrer. Era para captar aquele exato momento", diz o cantor.
Depois de passar pelo menos uma década - primeiro no Kid Abelha, depois com os Heróis da Resistência e enfim solo - ligado a gravadoras multinacionais, Leoni encara o desafio de lançar seu disco por conta própria. "O incrível é que tenho encontrado facilidades que eu não esperava", fala o dublê de empresário e músico. "O modelo que as gravadoras perpetuaram está desgastado, ninguém mais aguenta jabá e artistas fabricados. Então é um bom momento para os independentes. A crise tem criado oportunidades", continua Leoni, contando que já conseguiu até contratar auxiliares para ajudar na divulgação da tiragem de cinco mil CDs.
Perceptivo, Leoni sabe que corre o risco de ser empacotado na recente onda de revival do pop dos anos 80. Mas não teme isso. "Eu só comecei nos anos 80, mas não vou ficar o resto da vida atrelado a aquele momento. Sempre pensei no futuro", afirma. Aproveitando, desanca o oportunismo desta tendência revivalista: "É mais uma vez a mentalidade de monocultura das gravadoras; só conseguem enxergar espaço para um estilo de cada vez. Ninguém aposta em coisas novas. Eu mesmo tive propostas de voltar com os Heróis, cantando coisas velhas do Kid Abelha, fazer disco acústico... Pô, eu tenho orgulho do que fiz no passado, não iria sujar minha história com isso", detona Leoni.
Além de seguir com a divulgação de Você Sabe o que Eu Quero Dizer, Leoni tem planos de reeditar - ampliando e revisando - seu livro Letra, Música e Outras Conversas, composto por entrevistas com grandes nomes do pop brasileiro, discorrendo sobre seus métodos de composição. "Queria falar novamente com os entrevistados do primeiro livro - Frejat, Herbert Vianna, Samuel Rosa - para que eles pudessem rever seus pensamentos, comparar passado e presente. E talvez colocar mais gente, afinal muitos nomes ficaram de fora", diz o autor. Muito comentado mas pouco lido - ficou apenas na primeira tiragem, de mil exemplares - Letra, Música... é visto por Leoni como um "serviço prestado à música brasileira". Ele diz: "É um trabalho de registro da obra de todo esse pessoal, uma coisa necessária - porque as pessoas não duram para sempre. Vide o Renato Russo, que deu uma entrevista supergenerosa para o livro, revelando coisas incríveis... e morreu pouco depois."