Lia de Itamaracá: a volta da rainha da ciranda

Sucesso no Abril Pro Rock de 1998, a lendária cantora pernambucana lança disco depois de 23 anos, faz shows no Rio e em Recife e interpreta escrava no filme Maria Moura, de Leilane Fernandes

Rodrigo Faour
27/10/2000
Muita gente pensava que ela era uma lenda. Afinal, quem não se lembra daquela velha canção entoada por Teca Calazans, "essa ciranda quem me deu foi Lia/ que mora na Ilha de Itamaracá"? Pois Lia existe mesmo, está viva, com 56 anos e nada mais, nada menos que 43 anos de carreira nas costas. Natural da Ilha de Itamaracá (PE), a simpática negra de porte alto (1m80) e muito carisma foi redescoberta há três anos pelo produtor Beto Hees – o mesmo que tirou do ostracismo a Dona Selma do Coco, produzindo seu CD e levando-a para uma turnê européia. Disposto a recolocá-la no mapa da música do mundo, ele levou Lia de Itamaracá ao festival Abril Pro Rock (Recife), dois anos atrás. Resultado: ela foi redescoberta pela mídia e lançou este ano o seu primeiro CD, Eu Sou Lia (leia crítica), que vem a ser seu segundo álbum – em 1977, a cantora lançou um hoje esquecido LP.

Agora, Lia está seguindo uma turnê de shows inédita em sua carreira, que inclui Rio de Janeiro (apresenta-se no Teatro Rival na próxima terça-feira, dia 31) e Recife (dia 3 ela abre o show do ex-Mano Negra Manu Chao em Recife, na Praça Marco Zero, próximo ao cais do Porto). Beto planeja ainda levá-la para a Europa no ano que vem para divulgar seu CD, que está sendo lançado lá pelo selo francês Arion.

"O Beto escutou o meu trabalho e foi até à ilha me conhecer e me perguntou se eu estava necessitando de algum produtor. Eu respondi que era justamente disso que eu estava precisando, pois estava sem apoio. Ele chegou na hora certa!", alegra-se Lia, que deixou-se dominar pelos encantos da ciranda desde pequena, cantando e dançando na beira do mar. "Desde que nasci, meu sonho era cantar. Acho bonito cantar e dançar e naquela paisagem da ilha, com aquele ar bonito e bom, pisando naquela areia fininha. Aliás, minhas composições são muito inspiradas no mar. Ele mexe muito comigo", explica.

Logicamente que Lia não sobrevive só de música. Ela trabalhou durante muitos anos num bar chamado Sargaço, onde cozinhava e nos finais de semana fazia sua ciranda. Depois, mudou de ramo. "Trabalho há 19 anos numa escola estadual como merendeira e nos intervalos chamo as crianças para cantar e dançar. Agora, para fazer essa turnê, tirei uma licença. Eles acham que eu não vou voltar mais, não. Mas é claro que eu volto. Só que apesar da saudade, eu precisava sair de lá. Afinal, a gente não vive de saudade", conta. Lia, por sinal, adora crianças, tanto que ela se apresentou um circuito de cinco colégios da rede municipal do Rio de Janeiro, paralelamente às suas apresentações para o público geral. "Sou louca por criança. Quando me vêem, elas dizem: ‘Que mulher tão grande! Você é cartomante?’ E respondo: ‘Não, sou cirandeira! Vou ensinar vocês a dançar!’", diverte-se.

Cânticos para esquentar Maria Moura
Outra novidade na vida de Lia de Itamaracá é sua participação no filme Maria Moura, de Leilane Fernandes. Ela começou a gravar semana passada em Petrolina (PE) as cenas nas quais vive uma escrava chamada Libânia. "Já participei, cantando, do filme Parahyba Mulher Macho e da minissérie Riacho Doce, da TV Globo. No filme atual eu vou ter que dar um banho na Maria Moura, responder algumas perguntas que ela vai me fazer e depois canto cirandas e cocos para esquentá-la. (risos) Está muito bom o filme", antecipa.