Livro conta a trajetória de João do Vale

Em Pisa na Fulô Mas Não Maltrata o Carcará, Marcio Paschoal revela curiosidades sobre a vida do carismático compositor, que conseguiu unir esquerda e direita em torno de sua obra

Tom Cardoso
12/08/2000
Na próxima semana chega às livrarias a biografia de João do Vale (Lumiar Editora), compositor maranhense morto em 1996, autor de clássicos como Carcará, Pisa na Fulô, O Canto da Ema e Na Asa do Vento. Escrito pelo jornalista Marcio Paschoal, Pisa na Fulô Mas Não Maltrata o Carcará foge dos padrões narrativos da maioria das biografias, misturando acontecimentos políticos, econômicos e sociais à fascinante trajetória de vida do artista.

Junto com curiosidades da vida de João – como a história de como ele salvou o comediante Costinha de afogamento –, o leitor vai sendo informado dos detalhes acerca do surgimento da televisão, da ditadura Vargas, dos planos econômicos, dos grandes times de futebol, da criação do BNDES, da Petrobras etc. "Acho interessante associar a trajetória do biografado com fatos históricos importantes. Saio da mesmice e ainda ajudo o leitor a situar-se melhor", afirma Paschoal.

Apesar disso, o livro só ganha charme quando centra-se na figura de João do Vale. De origem muito pobre, o compositor era capaz de encantar pessoas dos mais diversos matizes políticos. Seus admiradores iam do inflamado Carlos Lacerda ("João do Vale não faz parte dessa tropa ideológica da esquerda festiva. Com a sensibilidade de seus versos, ele fala do que viveu e conheceu na pele grossa de trabalhador braçal") à própria esquerda, que o consagrou no show Opinião, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia).

"João era um anárquico. Não sabia diferenciar esquerda e direita, mas era capaz de compor canções a favor da reforma agrária como Sina de Caboclo e ser amigo de políticos como José Sarney", diz o autor, que abre o livro com um prefácio escrito pelo ex-presidente. "Quando o João sofreu um derrame (em 1987), o Sarney, ao lado do Chico Buarque e do Fagner, foi uma das poucas pessoas que o ajudaram. Até arrumou uma aposentadoria para ele", conta.

Vida peregrina
Antes de fascinar a burguesia carioca, João do Vale fez de tudo um pouco em viagens pelo Brasil – foi vendedor de pirulito, artista de circo, ajudante de caminhoneiro, garimpeiro e pedreiro. Era ainda ajudante de pedreiro em 1952, quando a cantora Marlene gravou seu primeiro sucesso (em parceria com Luiz Vieira), Estrela Miúda. Apesar de viver seu auge criativo nas décadas de 50 e 60, João gravou poucos discos e compactos.

Com seu jeito simples, desligado (vivia andando descalço e sem camisa), ele quase sempre tinha dificuldades em provar que ele era o autor de canções tão famosas. O livro relata que, recém-chegado ao Rio, o compositor procurou Luiz Gonzaga, na época já com a coroa de Rei do Baião, e foi por ele esnobado. Com o tempo, porém, Gonzagão gostou das músicas do maranhense, apresentou-o a Marinês e passou a chamá-lo carinhosamente de Sabará, pela semelhança física com o ponta-direita de mesmo nome, que brilhou no Vasco da Gama na década de 50.

Para Paschoal, apesar de o show Opinião, em 1964, representar o seu grande momento como compositor (é de João do Vale a autoria de Carcará, o ponto alto do espetáculo na voz de Bethânia), a melhor fase da vida do artista ocorreu no final dos anos 70, quando ele era o mestre-de-cerimônia da casa de shows Forró Forrado, na Rua do Catete, no Rio de Janeiro. Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Miúcha, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Jamelão, Djavan e (acredite) até a trovadora argentina Mercedes Sosa se apresentaram na casa a convite de João.

Mesmo com o sucesso do Forró Forrado, o livro conta que João continuava ignorado pelas gravadoras. Foi preciso que Chico Buarque se reunisse com Fagner e com o produtor Fernando Faro em 1981 para que o compositor gravasse o segundo disco da sua carreira, com o primeiro time da MPB como convidado. Um disco-tributo sairia em 1994, mais uma vez com Chico Buarque à frente do projeto. Apesar do incentivo de Chico, João viveu os últimos anos no ostracismo e morreu em 1996.