Londres, paraíso da MPB rara

Álbuns fora de catálogo no Brasil são facilmente encontrados nas lojas da capítal inglesa, onde as bolachas de vinil reinam absolutas, mas o risco de comprar um disco pirata é grande

Nana Vaz de Castro
02/06/2000
LONDRES — "É como futebol, os ingleses inventaram, os brasileiros aperfeiçoaram e embelezaram." A frase, de autor desconhecido, aparece em uma reportagem da revista Time Out sobre a presença brasileira na cena do drum’n’bass. O texto fala ainda de DJs como Marky Mark (conhecido aqui apenas como Marky), Koloral, Patife e Anderson, apontados como principais nomes do movimento. Recentemente também, em sua edição de maio, a revista britânica DJ Magazine abriu seis páginas para a cena eletrônica paulistana, destacando o disco de Patife e os de projetos que misturam techno e ritmos brasileiros, como XRS Land, Ram Science e M4J (do selo Sambaloco, da gravadora Trama). O reconhecimento não é pouco, em se levando em conta que na Inglaterra tudo é tradição, até mesmo a arte do scratching (o efeito de literalmente arranhar o disco, indo para frente e para trás com a agulha) particado pelos DJs.

No país que alçou disc-jóqueis à categoria de artistas, o disco de vinil, a saudosa bolacha de 12 polegadas, nunca desapareceu. Os lançamentos do mercado fonográfico vêm em LP e CD, com igual espaço e destaque nas lojas. O fetiche das capas grandes e impactantes dos vinis continua em evidência, até nas megastores londrinas.

Nas pequenas lojas de discos de Londres — localizadas principalmente no bairro do Soho — a surpresa fica por conta da grande quantidade de vinis de música brasileira que se pode encontrar. Em todas elas há uma seção dedicada à música latina, ou mais especificamente jazz latino, onde às vezes aparece a curiosa etiqueta Brazilian/Latin, e lá pode-se encontrar — em meio a uma enxurrada de Buenas Vistas Social Clubs — muitos discos de Joyce, João Donato, Leny Andrade, Edu Lobo, Milton Nascimento (inclusive seu primeiro LP), Wilson das Neves, Baden Powell e vários outros. Mesmo sambistas que pouco ou nada têm a ver com jazz (como Martinho da Vila e Beth Carvalho) figuram nessas estantes.

Um Toquinho por 80 libras
Os preços variam, em geral, entre £5 e £10 (aproximadamente R$13,50 e R$27), mas é possível encontrar um LP em bom estado do Zimbo Trio por £50 (R$135), mesmo preço do disco Refavela, de Gilberto Gil, ou um Toquinho (Toquinho Cantando, que inclui Que Maravilha, Dobrando a Esquina e Na Água Negra da Lagoa) por incríveis £80 (R$216) na Mr. Bongo (www.mrbongo.com). Quando se pergunta aos vendedores se alguém chega a pagar tanto dinheiro por um disco de música brasileira, a resposta em geral é sim, geralmente japoneses ou ingleses, colecionadores ou DJs. Os brasileiros não são os maiores consumidores de LPs.

A origem de alguns desses LPs, no entanto, é uma questão polêmica e um pouco obscura, e os vendedores preferem não falar muito a respeito. Algumas lojas, como a Selectadisc, afirmam ter distribuidores fixos, pessoas que fazem com freqüência o trajeto Rio-São Paulo-Londres e abastecem as prateleiras. Outras, como a Reckless Records, dizem que são vendedores ocasionais, pessoas que aparecem de vez em quando com discos para vender. Já na Mr. Bongo, que oferece a maior variedade em música brasileira, os discos são comprados de pessoas conhecidas. Quem traz a maior parte dos LPs e CDs brasileiros à venda na loja é o gerente, o gaúcho Luis Libres, 39 anos, há 11 em Londres, e que quando vai ao Brasil se encarrega de passar em lojas e sebos para trazer raridades e novidades, em LP e CD.

O que se diz à boca pequena é que a pirataria come solta nesse meio. É gente que vem ao Brasil, garimpa raridades em sebos, pirateia (inclusive os selos das gravadoras, colados no centro do LP) e põe à venda. Algumas cópias piratas chegam a ser constrangedoras, com capas mal-feitas e borradas. Sem contar os DJs que aparecem diariamente, segundo Luis, para comprar discos e samplear uma ou outra faixa, fazendo remixes instantaneamente para as pistas de dança de toda a Europa.

Selo produz disco beneficente
"Se tem batucada, vende bem", afirma Luis, há quase um ano trabalhando na Mr. Bongo, que tem também uma grande seção de ritmos latinos como salsa e merengue. O grande destaque são os discos que dão ênfase à percussão e as compilações que apostam nesse filão. Entre os discos de artistas individuais que mais vendem, o gerente destaca Joyce e antigos de Jorge Ben. O dono da loja, o inglês David Buttle, atualmente se dedica ao selo que criou, Mr. Bongo, que, com 16 discos, concentra a maioria dos lançamentos em música brasileira.

O selo Mr. Bongo foi o responsável pelo lançamento de coletâneas de grande sucesso, como The Essential Joyce ou The Essential Marcos Valle, dois dos artistas brasileiros mais populares na música européia. O mais recente lançamento da Mr. Bongo, Street Angels, é uma compilação só com gravações originais destinada a ajudar o projeto Amada, que lida com crianças carentes em Salvador. Os artistas que participaram de Street Angels (Danilo Caymmi, Marcelo Salazar, José Carlos Ramos, Clave do Soul, Joyce, Otto, Filhos da Capoeira, Ithamara Koorax, Batucada Groove, Dom Um Romão, Pingarilho, Ilê Aiyê, Arakatuba & Fila Brasilia, Luiz Bonfá & Lord K, Billie e Mr Hermano Band) doaram seus cachês e os direitos das gravações para o projeto. Ao lado de Brazilian Beats — uma outra compilação lançada no final do ano passado, com faixas antigas de Airto Moreira, Ed Lincoln, Luís Carlos Vinhas, João Donato e outros — Street Angels é um dos discos que mais vendem na loja atualmente.

Os outros discos da Mr. Bongo, como Learn-Play Bongos With Mr. Bongo ou Waltel Branco: Meu Balanço seguem a tendência da música brasileira instrumental dos anos 60 e 70, com toques de groove, sambalanço, teclados Hammond e muita percussão. A Mr. Bongo tem ainda um selo chamado Disoriented, em conjunto com músicos japoneses, que promove uma interessante e insólita mistura de samba, batucada, house music e sushi, com escalas orientais e suíngue tropical. O último lançamento da Disoriented é um single com diversas versões de uma música chamada Vasco da Gama.

O que se pode achar em vinil em Londres:



Edu Lobo e Quarteto Novo
A Arte de Edu Lobo
(duplo) (£18)
Beth Carvalho, De Pé no Chão
Clara Nunes e Paulo Gracindo, Brasileiro Profissão Esperança
Chico Buarque de Hollanda, Vol. 3 (£18)
Dorival Caymmi, Caymmi e o Mar
Antonio Carlos e Jocafi, Pássaro Fugido
Carlos Dafé, Venha Matar Saudade
Gilberto Gil, Nightingale
Gilberto Gil, Ao Vivo em Tóquio
Baden Powell e Vinicius de Moraes, Os Afro-Sambas (arranjos de Guerra-Peixe, part. esp.
Quarteto em Cy)
João Donato, Quem é Quem
Jorge Ben, Samba Esquema Novo
Edison Machado é Samba Novo
Leny Andrade, Estamos Aí
Paulinho Nogueira, O Fino do Violão (£50)
Roberto Ribeiro, Fala Meu Povo
Quarteto em Cy, Resistindo ao Vivo (£50)
Luiz Carlos Vinhas, Novas Estruturas
Dick Farney, Dick em Ipanema (£30)
Toninho Horta, Terra dos Pássaros
Walter Wanderley, Rain Forest
Wilson das Neves e seu Conjunto, Juventude 2000
Wilson das Neves, Samba-Tropi
Gal Costa e Caetano Veloso, Domingo
Joyce, The Rare Tracks
Joyce, Feminina
Milton Banana Trio, Samba é Isso
Mutantes (1968)
Milton Nascimento, edição histórica, o 1o. LP (£15)
Djavan
Clara Nunes
Benito di Paula
Abel Ferreira e o Chorinho
Dom Salvador
Ed Lincoln
Gerson King Combo
Tim Maia
Martinho da Vila
Pery Ribeiro
Sergio Mendes e Brasil 66
Simone


O que se pode achar em CD, nas megastores

Bola Sete, at the Monterey Jazz Festival
Luiz Bonfá, Non Stop to Brazil
Luiz Bonfá Plays and Sings Bossa Nova (with Lalo Schifrin and Oscar Castro Neves)
Eumir Deodato, Os Catedráticos
Sergio Mendes e Brasil 66, Fool on the Hill
The Essential Sergio Mendes
Sergio Mendes, The Swinger from Rio
Sergio Mendes, Brasileiro
Sergio Mendes, The Beat of Brazil
Sergio Mendes, A&M Gold Series
Sergio Mendes’s Favourite Things
Sergio Mendes Presents Edu Lobo
Bebel Gilberto, Tanto Tempo
Clara Moreno, Mutante
Gilberto Gil, A Gente Precisa Ver o Luar
Joyce, Hard Bossa
Milton Nascimento, Clube da Esquina 2
Celia Vaz e Ape, Ebb and Flow
Mutantes, O "A" e o "Z"
Suba, São Paulo Confessions
Simonal, Bem Brasil