Los Hermanos embarcam em nova <i>Ventura</i>

Grupo carioca enfrenta o desafio do terceiro CD, estreando em nova gravadora e fugindo do sucesso fácil

Marco Antonio Barbosa
28/05/2003
Por pouco, o novo álbum dos Los Hermanos - o terceiro da carreira da banda carioca - não iria se chamar Bonança. Em cima da hora, o grupo resolveu trocar o título para Ventura (BMG Brasil). Sai a "calmaria", entra a "boa sorte". Talvez o título original soasse como ironia, depois do período um tanto turbulento que o quarteto viveu desde o lançamento do álbum Bloco do Eu Sozinho ouvir 30s em 2001. "Esse aspecto do nome antigo era um incômodo. O Bloco representou para nós muito mais do que um simples problema de gravadora. Ventura é um nome que tem muito a ver com o disco e com o momento", afirma o guitarrista e vocalista Rodrigo Amarante, que compõe os Hermanos junto a Marcelo Camelo (guitarra, voz), Bruno Medina (teclados) e Rodrigo Barba (bateria).

Ventura inaugura uma nova fase na carreira dos LH, depois da ressaca do sucesso do primeiro álbum (Los Hermanos ouvir 30s, de 1999), das atribulações que cercaram o lançamento e a trajetória do disco seguinte e, afinal, do fim da gravadora antiga do grupo, a Abril Music. "A gravadora (Abril) ficou surpreendida com o resultado - uma surpresa desagradável", relembra Amarante sobre a polêmica com o disco anterior. A Abril ordenou que o grupo remixasse o álbum, com um produtor escolhido à revelia do quarteto, depois de ficar insatisfeita com o resultado. "Tudo isso aconteceu porque nunca estivemos preocupados em repetir ou não repetir o sucesso de Anna Júlia", narra o baterista Barba. "Quando estamos em estúdio, ensaiando e gravando, só nos preocupamos com o que está por vir". O que veio foi um disco refinado e complexo, que ao mesmo tempo seduziu a crítica e falhou em repetir o sucesso da estréia.

Para Ventura, o grupo seguiu, imperturbável, o mesmo processo criativo que gerou Bloco.... Faz sentido, uma vez que um outro significado para a palavra ventura é "risco". "Assim como para o Bloco, nos isolamos do mundo exterior para compor e gravar. Nos concentramos para caramba, pensamos com calma, revemos as composições", lembra Amarante. Os quatro bandearam-se para um sítio na serra fluminense e, por dois meses, esmeraram-se em compor novo material e em acertar os arranjos. A cara do novo disco iria se formar aí. "Acabou ficando um disco mais cru, mais direto. O Bloco foi muito pensado, cheio de detalhes, barroco. Já o Ventura mostra a gente como nós somos", afirma o guitarrista.

Sob a produção e colaboração instrumental do "quinto Hermano" Kassin, o quarteto tramou um disco que ecoa a melancolia do trabalho anterior, sem tanto rebuscamento instrumental. E também captura o frescor juvenil do álbum de estréia, com uma dose extra de desencanto. "Não queremos fazer apologia da melancolia", fala Amarante, que completa: "Como está escrito no texto do release do CD, este álbum para se ouvir 'de janela aberta'. Mas existe um ponto entre a alegria e a tristeza que para nós é um lugar fértil, um espaço em que a emoção não é clara." Um lirismo que encharca canções como Um Par, De Onde Vem a Calma ou Último Romance. Ou mesmo nas entrelinhas da quase descontraída Cara Estranho, a primeira faixa de trabalho.

Novas aproximações com o samba tradicional e a MPB, já bem evidentes no Bloco, também integram o universo de Ventura. Samba a Dois, que abre o disco, diz obviamente a que veio, mas também em Conversa de Botas Batidas e mesmo na metaleira de O Vencedor há esta marca. "Nossa ligação é com um samba mais urbano, contemporâneo, como o do Chico Buarque ou os que o Caetano faz", fala Amarante. "Ainda assim, nunca compomos música alguma tendo algum artista ou compositor em mente."

Uma outra peculiaridade de Ventura é que 13 das 15 faixas do novo disco foram divulgadas via Internet alguns meses antes do lançamento do álbum. Sem autorização da banda, claro. ""Quando voltamos dos ensaios no sítio, sempre nos reunimos ainda mais algumas vezes no estúdio do Kassim, aqui no Rio. Foi daí que a fita saiu", diz o baterista Barba. Além disso, gravações ao vivo do novo repertório do grupo (feitas no show dos Hermanos no último Abril Pro Rock) também podem ser pescadas em forma de MP3 por aí. "No começo ficamos aborrecidos, principalmente porque as gravações não tinham uma qualidade muito boa. Mas depois vimos que hoje em dia não para evitar esse tipo de coisa", considera Barba.

Ainda segundo o release de Ventura, os Hermanos "mal notaram" que, durante as gravações do novo disco, a Abril Music - a mesma gravadora que encrencou com Bloco do Eu Sozinho - encerrou suas atividades. Os LH foram um dos sete nomes do cast da Abril que foram contratados pela BMG. "Eles compraram nosso contrato antigo, que previa um terceiro CD. Eles pegaram os direitos sobre os dois CDs anteriores e agora lançaram este, e estamos negociando - de forma bem satisfatória - a renovação", diz Barba. "A Abril não pensava a longo prazo, queria apenas multiplicar o sucesso de Anna Julia", considera Amarante. "Nosso negócio não é esse. O que queremos é emocionar o ouvinte."