Lua cheia para o samba
Lançamento triplo da Lua Discos traz à tona novas jóias de Guilherme de Brito, Casquinha e Jards Macalé
Nana Vaz de Castro
19/04/2001
Com três CDs tipicamente cariocas, a gravadora paulista Lua Discos faz sua estréia no mundo do samba. E que estréia. De uma só vez, tirou do armário dois compositores quase octogenários que nem esperavam mais gravar um disco de carreira, Guilherme de Brito (Samba Guardado ) e Casquinha (Casquinha da Portela ), e viabilizou um disco "óbvio", segundo o produtor da trilogia, Moacyr Luz: Macalé Canta Moreira — como se sabe, Jards Macalé é o herdeiro autorizado do rei do samba-de-breque Moreira da Silva (morto em junho do ano passado), escolhido como sucessor pelo próprio Kid Morengueira, que lhe passou o chapéu.
Sentados lado a lado em uma mesa de bar no bucólico bairro carioca da Muda, os três sambistas trocam idéias, bebem e fumam, enquanto falam sobre os discos, de esmerada produção, tanto musical quanto gráfica. Guilherme — parceiro de Nelson Cavaquinho em dezenas de composições, inclusive clássicos como A Flor e o Espinho , Folhas Secas e O Bem e o Mal — considera Samba Guardado seu primeiro disco individual comercial no Brasil. Os outros (poucos) são coletâneas, ou foram lançados apenas no Japão, ou então através de projetos não comerciais, bancados por secretarias de cultura. "Não tiveram repercussão", simplifica Guilherme.
Segundo Luz, foi difícil convencer Guilherme a fazer efetivamente um disco de carreira, com músicas inéditas, e não um apanhado dos maiores sucessos. "Queremos colocar o Guilherme como um artista na ativa, e não fazer tributos", justifica. De fato, não há em Samba Guardado nada de Quando Eu Me Chamar Saudade ou A Flor e o Espinho. Em vez disso, entram 12 composições inéditas (ou quase), sendo sete delas parcerias com Nelson, duas com o filho Juarez de Brito, uma com Nelson Sargento, e duas só de Guilherme, incluindo duetos com Cássia Eller e Luiz Melodia. Os sambas seguem, em sua maioria, a linha poética que celebrizou a marca registrada Guilherme/Nelson: "tu plantaste a semente do meu mal/ ensinaste-me a ser tão desigual" (em Erva Daninha, que canta com Cássia), "eras o meu mundo/ eras o meu bem/ mas agora tudo é cinza/ não tenho amor/ não tenho ninguém" (em Cinza).
Gafieira e regional
Macalé — responsável por uma das mais de 20 gravações de A Flor e o Espinho, em seu disco 4 Batutas & 1 Coringa , de 1987 — lamenta o fato de o samba, apesar de ser a música oficial do Brasil, estar sempre à margem da indústria e da mídia. "A cada Rock In Rio ou equivalente que eu vejo, sinto que é mais um enterro do samba", observa. Mesmo assim, está feliz e contente com o resultado de Macalé Canta Moreira. Segundo ele, o disco procura reproduzir duas atmosferas constantes nos discos de Morengueira: o clima de gafieira, com orquestração mais pesada (a cargo do arranjador Vittor Santos), que remete à Orquestra Tabajara de Severino Araújo, e o regional, com instrumentação mais modesta (com arranjos de Jayme Vignoli e Moacyr Luz).
As participações especiais anteriormente pensadas, dos rappers Gabriel O Pensador e Marcelo D2, acabaram não acontecendo, mas Macalé não fez por menos. Para as faixas "cinematográficas" O Último dos Moicanos e O Rei do Gatilho, contou com a presença de Chico Caruso, no papel de locutor das aventuras de Kid, e Tim Rescala, que entrou com os efeitos sonoros, como sons de tiros, cavalos correndo etc. Em Na Subida do Morro o convidado foi Zeca Baleiro, que o ajudou a dividir os breques.
Já o portelense Otto Enrique Trepte, vulgo Casquinha, ainda não se acostumou ao fato de ser o centro das atenções. Com Casquinha da Portela, o parceiro de Candeia e Paulinho da Viola, autor de Maria Sambamba e Recado e integrante da Velha Guarda da Portela chega a seu primeiro disco solo. "Fiquei até emocionado quando o Zeca Pagodinho foi ao estúdio, só pra prestigiar", conta o sambista. Filho de pai alemão e mãe carioca nascido e criado em Oswaldo Cruz, Casquinha canta as 12 faixas e conta com a participação da Velha Guarda e de Aldir Blanc, numa das raras aparições do letrista como cantor. Moacyr Luz conta que ficou positivamente surpreso com a quantidade de pérolas que não paravam de sair do famoso caderno de Casquinha, onde estão guardados seus sambas. A maior dificuldade foi selecionar apenas 12. "Chegou uma hora que preferi nem ouvir mais nada", conta Luz.
313 anos de samba
A soma da idade de Guilherme (79), Casquinha (78), Macalé (58) e Moreira (que morreu aos 98 no ano passado) resulta no preocupante número 313. Preocupante porque parece apontar uma tendência — já iniciada desde Cartola e Nelson Cavaquinho — de grandes compositores de samba só conseguirem gravar seus próprios discos depois dos 60, 70 anos. Luz se preocupa com a situação: "Espero que não se feche os olhos para os mais novos, para que eles não precisem esperar até os 70 para gravar".
Por enquanto, só há motivos para comemorar. A gravadora, satisfeita com o resultado, promete shows de lançamento juntando os três sambistas. E, se tudo der certo, mais lançamentos no mesmo estilo.
Sentados lado a lado em uma mesa de bar no bucólico bairro carioca da Muda, os três sambistas trocam idéias, bebem e fumam, enquanto falam sobre os discos, de esmerada produção, tanto musical quanto gráfica. Guilherme — parceiro de Nelson Cavaquinho em dezenas de composições, inclusive clássicos como A Flor e o Espinho , Folhas Secas e O Bem e o Mal — considera Samba Guardado seu primeiro disco individual comercial no Brasil. Os outros (poucos) são coletâneas, ou foram lançados apenas no Japão, ou então através de projetos não comerciais, bancados por secretarias de cultura. "Não tiveram repercussão", simplifica Guilherme.
Segundo Luz, foi difícil convencer Guilherme a fazer efetivamente um disco de carreira, com músicas inéditas, e não um apanhado dos maiores sucessos. "Queremos colocar o Guilherme como um artista na ativa, e não fazer tributos", justifica. De fato, não há em Samba Guardado nada de Quando Eu Me Chamar Saudade ou A Flor e o Espinho. Em vez disso, entram 12 composições inéditas (ou quase), sendo sete delas parcerias com Nelson, duas com o filho Juarez de Brito, uma com Nelson Sargento, e duas só de Guilherme, incluindo duetos com Cássia Eller e Luiz Melodia. Os sambas seguem, em sua maioria, a linha poética que celebrizou a marca registrada Guilherme/Nelson: "tu plantaste a semente do meu mal/ ensinaste-me a ser tão desigual" (em Erva Daninha, que canta com Cássia), "eras o meu mundo/ eras o meu bem/ mas agora tudo é cinza/ não tenho amor/ não tenho ninguém" (em Cinza).
Macalé, Guilherme de Brito e Casquinha
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Macalé — responsável por uma das mais de 20 gravações de A Flor e o Espinho, em seu disco 4 Batutas & 1 Coringa , de 1987 — lamenta o fato de o samba, apesar de ser a música oficial do Brasil, estar sempre à margem da indústria e da mídia. "A cada Rock In Rio ou equivalente que eu vejo, sinto que é mais um enterro do samba", observa. Mesmo assim, está feliz e contente com o resultado de Macalé Canta Moreira. Segundo ele, o disco procura reproduzir duas atmosferas constantes nos discos de Morengueira: o clima de gafieira, com orquestração mais pesada (a cargo do arranjador Vittor Santos), que remete à Orquestra Tabajara de Severino Araújo, e o regional, com instrumentação mais modesta (com arranjos de Jayme Vignoli e Moacyr Luz).
As participações especiais anteriormente pensadas, dos rappers Gabriel O Pensador e Marcelo D2, acabaram não acontecendo, mas Macalé não fez por menos. Para as faixas "cinematográficas" O Último dos Moicanos e O Rei do Gatilho, contou com a presença de Chico Caruso, no papel de locutor das aventuras de Kid, e Tim Rescala, que entrou com os efeitos sonoros, como sons de tiros, cavalos correndo etc. Em Na Subida do Morro o convidado foi Zeca Baleiro, que o ajudou a dividir os breques.
Já o portelense Otto Enrique Trepte, vulgo Casquinha, ainda não se acostumou ao fato de ser o centro das atenções. Com Casquinha da Portela, o parceiro de Candeia e Paulinho da Viola, autor de Maria Sambamba e Recado e integrante da Velha Guarda da Portela chega a seu primeiro disco solo. "Fiquei até emocionado quando o Zeca Pagodinho foi ao estúdio, só pra prestigiar", conta o sambista. Filho de pai alemão e mãe carioca nascido e criado em Oswaldo Cruz, Casquinha canta as 12 faixas e conta com a participação da Velha Guarda e de Aldir Blanc, numa das raras aparições do letrista como cantor. Moacyr Luz conta que ficou positivamente surpreso com a quantidade de pérolas que não paravam de sair do famoso caderno de Casquinha, onde estão guardados seus sambas. A maior dificuldade foi selecionar apenas 12. "Chegou uma hora que preferi nem ouvir mais nada", conta Luz.
313 anos de samba
A soma da idade de Guilherme (79), Casquinha (78), Macalé (58) e Moreira (que morreu aos 98 no ano passado) resulta no preocupante número 313. Preocupante porque parece apontar uma tendência — já iniciada desde Cartola e Nelson Cavaquinho — de grandes compositores de samba só conseguirem gravar seus próprios discos depois dos 60, 70 anos. Luz se preocupa com a situação: "Espero que não se feche os olhos para os mais novos, para que eles não precisem esperar até os 70 para gravar".
Por enquanto, só há motivos para comemorar. A gravadora, satisfeita com o resultado, promete shows de lançamento juntando os três sambistas. E, se tudo der certo, mais lançamentos no mesmo estilo.