Luciana Souza carimba <i>Brazil</i> no passaporte

Brazilian Duos, álbum cantado em português, lança oficialmente no país a cantora consagrada nos EUA

Marco Antonio Barbosa
05/01/2003
Dentro do seleto time de artistas brasileiros que fazem mais sucesso no exterior que por aqui, Luciana Souza talvez seja o segredo mais bem guardado. A sólida carreira da cantora nos EUA, onde é um dos luminares (legítimos) do dito Brazilian jazz contrasta com o quase desconhecimento que o grande público brasileiro tem de sua obra - elogiada fartamente pelas melhores publicações especializadas norte-americanas. Um fator complicava a chegada de Luciana a sua potencial platéia brazuca: ela nunca teve um disco solo lançado oficialmente por aqui (sua discografia, toda pertencente a selos ianques, só chegava via importação). A gravadora carioca Biscoito Fino tratou de resolver este problema, pondo nas lojas a preços em real Brazilian Duos, primeiro disco de Luciana todo cantado em português e com um repertório brasileiríssimo.

"É um trabalho que segue a velha tradição da música brasileira de investir na voz e no violão - que passa pela música nordestina, chega à bossa nova, a João Gilberto, Djavan... Mas ainda assim, é um disco de jazz", explica Luciana, paulista de nascimento e radicada nos EUA há 15 anos. Os Duos do título referem-se às dobradinhas que Luciana tramou com três ases do violão: Romero Lubambo, Marco Pereira e Walter Santos (pai da cantora). A expressividade do canto unido às cordas foi tanta que dispensou quaisquer outros arranjos - num repertório que inclui Tom Jobim, Dorival Caymmi, Edu Lobo e um pout-pourri de baiões.

Brazilian Duos, produzido pela própria cantora (com Eduardo Souza), insere-se como divisor de águas na carreira de Luciana. Em sua discografia anterior, ela cantava em português e inglês (em An Answer To Your Silence, de 1988) e depois apenas em inglês (The Poems of Elizabeth Bishop and Other Songs ouvir 30s , 2000). Já em termos de sonoridade, Luciana trocou a polidez do Brazilian jazz e assumiu com gosto uma ambientação bem brasileira. "Apesar da minha carreira nos EUA, acho que era um caminho natural fazer um disco como este. Soa totalmente integrado à minha história e à minha música", diz Luciana sobre o novo álbum. "Duos é mesmo completamente diferente dos meus trabalhos anteriores, mas a grande diferença é que trata-se de um disco de cantora, de intérprete", conclui.

"Minha admiração por esses três músicos não pode ser expressa em palavras. São músicos experientes e excepcionais. Como gravamos ao vivo, acho que conseguimos capturar de forma bem natural o momento de nosso encontro", diz Luciana sobre sua relação com a trinca de violonistas que a acompanha no disco que foi gravado em São Paulo e em Nova York. Desnecessário dizer que a grande emoção da cantora foi o encontro com o pai, violonista e compositor que já tocou com Hermeto Paschoal e Walter Wanderley. "Ele já não se apresenta há anos. Mas o convenci a tocar a tocar para mim. Foi com ele que aprendi a apreciar harmonia e a conhecer a música brasileira", diz Luciana. Além de tocar com a filha, Walter Santos fez sugestões sobre o repertório (incluir Eu Não Existo Sem Você, de Tom e Vinicius de Morais, foi idéia dele) e cedeu três canções suas para o disco (Amanhã, O Bolo e Docemente, todas em parceria com a própria mãe de Luciana, Tereza Souza).

Os outros parceiros são mais manjados. Romero Lubambo, luminar da música brasileira nos EUA e requisitado músico de estúdio, toca em Amanhã, Docemente, Pra que Discutir com Madame? e Viver de Amor. Marco Pereira, fera do violão de oito cordas e também radicado nos EUA, abrilhanta o Baião Medley (que junta os clássicos Respeita Januário e Qui Nem Jiló e Romance, de Djavan), Pra Dizer Adeus, Doce de Coco e Saudade da Bahia. Como se vê, é um amplo panorama musical, que vai do baião ao chorinho passando pelo samba-canção e a bossa nova. "O importante para mim era respeitar as canções, todas de compositores os quais eu cresci ouvindo. Djavan, por exemplo, é uma grande influência para mim. Luiz Gonzaga foi amigo pessoal de meu pai, e eu sempre adorei sua música. E por aí vai", narra Luciana.

Lançado no Brasil com uma temporada de shows no clube carioca Mistura Fina, em novembro do ano passado, Brazilian Duos saiu nos EUA ainda em 2001, arrancando aplausos da crítica lá fora. "Os elogios que o (jornal) The New York Times fez ao disco me renderam o convite para cantar no Chivas Jazz Festival de 2001. Foi meu primeiro show no Brasil em oito anos, uma verdadeira felicidade", fala Luciana, lembrando que a boa recepção ao álbum impulsionou seu sucesso na cena novaiorquina de clubes de jazz. Por aqui, apesar dos comentários igualmente elogiosos na imprensa, a cantora permanece no terreno cult. "Sou mais respeitada nos EUA do que no Brasil. Mas é natural que isso aconteça, levando-se em conta minha trajetória."