Luciano Perrone, a batucada com classe

Morre no Rio aos 93 anos o baterista que definiu, ao lado de Radamés Gnatalli, os conceitos para a percussão de samba

Nana Vaz de Castro
14/02/2001
Luciano Perrone passou a vida batucando. Com muita classe. Baterista e percussionista desde a adolescência - depois de uma fugaz e bem-sucedida carreira como cantor lírico infantil -, Perrone foi um dos personagens decisivos para o desenvolvimento do que hoje é conhecido como "bateria de samba". Ainda que tenham tomado caminhos diversos, outros ilustres das baquetas como Edison Machado, Wilson das Neves, Pascoal Meirelles e Robertinho Silva devem bastante à escola por ele desenvolvida. Outros, como Oscar Bolão (a quem o baterista doou seus instrumentos há alguns anos), são declaradamente seguidores do seu estilo.

Perrone morreu ontem, aos 93 anos, de embolia pulmonar, deixando uma obra vasta, traduzida em diversos prêmios (de público e crítica) que ganhou ao longo da vida, um disco antológico (Batucada Fantástica, de 1963, relançado em CD amostras de 30s) e uma influência difícil de medir.

Sinfônico e popular
Foi um dos primeiros bateristas de música popular a estudar teoria musical e tocava tanto em bailes quanto orquestras sinfônicas. Personagem fundamental para isso foi Radamés Gnattali, que ele conheceu em 1929, durante sua lua-de-mel em Lambari (MG). Diz a história que tocaram juntos o fox Gato no Telhado e, admiração mútua à primeira vista, nunca mais se separaram. Radamés chegou a dar-lhe aulas de piano, e Perrone funcionou como uma espécie de celeiro de ritmos para os inventivos arranjos de Radamés, inclusive a famosa orquestração para Aquarela do Brasil (Ary Barroso), que se destaca por seu quebrado e irresistível acento rítmico sincopado, desde a introdução.

A grande sacada de Perrone, desenvolvida com maestria por Radamés, foi utilizar instrumentos tradicionais da orquestra, principalmente de cordas e sopros, para realizar funções rítmicas, breques, quebradas e acentos, em detrimento do caráter melódico. Prefixos célebres da época do rádio, como a abertura do Repórter Esso, o prefixo da Rádio Nacional (o vibrafone de Luar do Sertão), ou ainda o Samba Vocalizado usado pelo cinejornal Canal 100, também são obra de Perrone.

A parceria e amizade com Radamés - que também chegou ao campo da composição, com Ritmo de Samba na Cidade - durou até a morte do maestro, em 1988. Perrone integrou sua orquestra e o famoso Sexteto Radamés Gnattali, que excursionou pelo Brasil e exterior, além de ter tocado por 25 anos na Rádio Nacional. Depois, tocou na Rádio MEC e na Orquestra Sinfônica Nacional, onde era timpanista.

Foi compositor bissexto. Além de Ritmo de Samba na Cidade, tem em seu repertório choros para vibrafone, como Flutuando nas Nuvens, e valsas como Saudades de Lambari.

Seu disco Batucada Fantástica é uma verdadeira aula de ritmos. Exclusivamente percussivo, contendo 22 faixas curtas (com um minuto de duração, em média), é o contraponto perfeito para a maneira de certa forma discreta de Perrone acompanhar: fazendo o básico com rigor e criatividade, sem invencionices e sem querer aparecer, consciente da importância de uma base sólida de sustentação rítmica para a música brasileira.

Em seus últimos anos de vida Perrone não tocava mais, mas nunca deixou de ficar atento às evoluções - e involuções - da percussão brasileira. Nos anos 70, foi jurado do desfile das escolas de samba, julgando o quesito bateria. Mas em suas últimas entrevistas declarou que atualmente o que toca no carnaval é marcha, e não mais samba.