Luiz Melodia vai de rap a bolero em novo disco

O compositor carioca, que completa 50 anos em janeiro, finaliza disco de inéditas, com participações de Elza Soares e do filho Mahal

Tom Cardoso
01/11/2000
Luiz Melodia completa 50 anos no dia 7 de janeiro, data que por ele passaria em brancas nuvens. Nada de grande show, com convidados e sucessos da carreira. "No máximo uma festinha para os amigos mais próximos", diz o compositor, que na surdina apronta o repertório de seu próximo álbum, Retrato do Artista Quando Coisa, título extraído de um poema de Manoel de Barros, transformado pelo compositor num vigoroso samba/jazz.

Falando em samba, Melodia pretende, enfim, gravar ainda este ano um disco dedicado apenas ao gênero, projeto prometido há alguns anos. Canções de Geraldo Pereira e de outros bambas vão se misturar a sambas inéditos, com direito até a um partido alto assinado por Oswaldo Melodia, seu pai. Se julgarmos pelos sambas por ele interpretados divinamente ao longo da carreira, como A Voz do Morro, de Zé Keti, este será no mínimo um grande disco.

"Acho que o samba atual está cercado de oportunistas. Hoje qualquer cara é metido a sambista, mas poucos representam com dignidade o gênero", critica Melodia, que melhora de humor ao saber que o amigo Jards Macalé está gravando um disco só com sambas de Moreira da Silva "É mesmo? Que ótimo. O Macalé tem crédito para gravar um disco de samba. Aliás, ele tem crédito para gravar o que ele quiser", elogia.

Voltando ao novo disco, que começa ser gravado em janeiro e vai às lojas pela gravadora Indie Records (onde ele gravou ano passado o CD Acústico, que se tornou seu primeiro disco a vender mais de 100 mil cópias), Melodia quer porque quer a participação de Elza Soares na faixa Cara Feia, um samba rasgado que ele não consegue imaginar sem a presença da diva. "Ela tem o timbre perfeito para essa música, combinaria direitinho", conta. Freqüentador assíduo dos blocos carnavalescos da década de 60 e 70, o compositor vai regravar um antigo sucesso do lendário Bloco da Onça, que ele cansou de ouvir na voz de Oswaldo Nunes. "Agora não estou me lembrando do nome da canção, mas sei que era uma das prediletas da minha infância. Vou transformá-la num reggae bem tradicional", adianta.

Rap e bolero
Acostumado a ouvir o filho Mahal, de 21 anos, cantar rap com os amigos na sala de sua casa, Melodia resolveu convidar o rapper para participar de uma das faixas do disco, o hip-hop Lorena, parceria com o guitarrista Renato Piau "O Mahal está me saindo um grande poeta, tem composto letras muito boas", elogia o pai. Autor de sucessos na voz de Melodia, como Divina Criatura, Mulato Latino e Ilha de Cuba, Papa Kid contribui com mais uma inédita do disco, o bolero Ondas de Champagne. "Na minha época, uma das grandes diversões do pessoal do morro era ouvir bolero pelo rádio, fui influenciado por eles".

Um dos trunfos do novo disco de Melodia será a gravação de Feto, Poeta do Morro, música composta no começo da década de 70 e que não pôde entrar no antológico disco Pérola Negra (1973) por causa da Censura. "Os militares cismaram com essa música e com Farrapo Humano e Pra Aquietar. O Guilherme Araújo, meu empresário na época, deu um jeitinho e conseguiu liberar as duas últimas. Mas Feto, Poeta do Morro, inexplicavelmente, ficou de fora".

Melodia continua subindo o morro de São Carlos para visitar suas irmãs e amigos. Porém, por causa da violência, tem passado cada vez menos tempo na favela. "Quem nasce no morro fica muito enraizado no lugar, mas se tivesse uma boa grana tirava os meus parentes de lá. A barra está muito pesada, a gente não sabe mais quem é traficante, quem é policial. Tenho saudades do tempo em que eu subia o morro com o Waly Salomão e com o Hélio Oiticica e ficávamos até o fim da noite conversando com os sambistas. Eram outros e bons tempos."