Luiz Melodia veste apenas sua música

Cantor lança Retrato do Artista Quando Coisa, primeiro CD de inéditas em quatro anos

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
06/11/2001
Depois de passar dois anos saboreando o sucesso - nunca alcançado de tal forma em seus quase 30 anos de carreira - do CD Acústico ao Vivo ouvir 30s, Luiz Melodia chega com um novo disco. Retrato do Artista Quando Coisa, lançado pela Indie Records, deixa os violões de lado e apresenta arranjos repletos de cordas e sopros.

"Eu costumava dizer que não sentia firmeza em discos ao vivo. Agora, acho que o acústico foi o show mais emocionante e interessante da minha vida", diz Melodia em relação ao seu trabalho anterior. O cantor e compositor não poupa elogios a gravadora e diz que a Indie vem fazendo um ótimo trabalho de distribuição e divulgação. "Antes, o Melodia não acontecia. As pessoas me perguntavam o porquê, e eu simplesmente não sabia a resposta. O 14 Quilates (de 1997 e já pela Indie), por exemplo, eu encontrava em todos os lugares que fazia shows", afirma.

Marcado pela sonoridade eclética - bem mais que os anteriores, segundo Melodia -Retrato do Artista Quando Coisa começa surpreendendo pelas fotos da capa. O cantor está nu, com uma pintura tribal no rosto. "Foi idéia minha posar nu", conta o cantor. "Aí fomos pensando a melhor forma de fazer. Surgiu a idéia de ficar deitado, num lugar cheio de flores, mas tinha um problema... Bem, o Levindo (Carneiro, responsável pela fotografia e design) disse que dava um jeito no computador, mas eu achei melhor não arriscar, né?", brinca Melodia. E continua com o bom humor: "O resultado não tem nada a ver com o repertório do disco, cada um interpreta como quiser. Na verdade, não ficou parecendo uma 'coisa' mesmo?".

O CD apresenta 13 faixas, entre elas algumas regravações que remetem ao início de carreira de Melodia. "A do Oswaldo Nunes (Levanta a Cabeça, em parceria com Ivan Nascimento) eu queria gravar há tempos. Ele era intérprete do bloco Bafo da Onça na década de 70 e esse samba fez o maior sucesso na época", diz ele, que deu uma roupagem reggae à música. Melodia compôs oito faixas do disco, trabalhando com parceiros variados - a única que assina sozinho é Perdido.

Feeling da Música, a primeira do CD, é dele, Hyldon e Ricardo Augusto: "O Hyldon foi assistir ao meu show e disse que teve um sonho. Depois ele me mostrou o refrão e eu falei que deixasse comigo que eu continuava. Foi quando viajei para Salvador e lá terminei a música com Ricardo", conta. O cantor lembra que, na época, conversou com Tim Maia ao telefone e comentou que tinha uma música que era perfeita para ele. "Foi a última vez que falei com Tim, pouco antes de sua morte. Não deu tempo de passar a música para ele", lamenta.

Melodia dedica duas faixas do disco - Sempre Comigo e Retrato do Artista Quando Coisa - à mulher Jane e ao pai Oswaldo, respectivamente. "Sempre falei que um dia iria dedicar uma música à minha baiana... Então escolhi essa, de Anísio Silva e Willian Duba, que a gente ouvia desde pequeno", revela.

O cantor diz que quando estava fazendo a linha melódica de Retrato..., se lembrou muito do pai, que também era compositor: "Me deu uma saudade do cara... Então eu disse: `Essa vou dedicar ao Oswaldão!' Acabou se tornando uma canção, eu nem pensava em gravar com cordas", diz. Melodia comenta que o pai não queria que ele seguisse a carreira artística e que fosse deputado. "Ele gostava de dinheiro...", diverte-se.

O disco tem a participação de Mahal, filho de Melodia, cantando um rap na faixa Lorena. "Escrevi essa para uma amiga minha. Quando o Renato (Piau, guitarrista que acompanha Melodia há anos) me mostrou aquela sonoridade meio parecida com Tim Maia, com umas paradinhas na harmonia, eu tive a idéia de chamar o Mahal. Mas ele me pareceu tão desinteressado... Acabou chegando juntinho, de primeira", diz, orgulhoso do filho, que está com 22 anos.

O compositor diz que nunca parou para pesquisar temas para seus discos - tudo flui naturalmente. "As músicas foram sendo escolhidas aos poucos. Só a que Cássia Eller gravou (Esse Filme Eu Já Vi, dele e Renato Piau) que eu resolvi colocar aos 45 do segundo tempo", conta. Outra que quase fica de fora é Gotas de Saudade (em parceria com Perinho Santana): "Achei que era muito comercial, mas acabei gravando". Melodia diz que mandou a música para Sandy & Júnior, mas que não tem esperanças de que a dupla grave. "Imagine se minha música vai conseguir ultrapassar as montanhas que eles devem receber diariamente!", diz, humilde.

Embalado pelo assunto, o artista aproveita para reclamar de uma matéria publicada em um jornal diário de São Paulo. "Ele (o repórter) falou que eu tinha feito a música para Sandy & Júnior, o que não é verdade. E qual o problema de mandar a música para eles?", indigna-se. E também lamenta a forma como o disco foi criticado: "Ele escreveu que eu inclui backing vocals para esconder a minha voz fraca. E que eu me entreguei ao romantismo. Que absurdo! Ora, eu estou cantando de outra forma, é um outro CD. Será que ele acha que eu tinha que fazer um disco com a cara dele?".

Melodia, que foi muito criticado no início de carreira por sua postura, digamos não-alinhada ("Talvez se eu tivesse saído com um disco de samba, posado de malandro, tivesse agradado mais...", brinca), tem orgulho em dizer que não se importa com a opinião da imprensa e que nunca deixou as gravadoras interferirem em seu trabalho. "Sempre comi pelas beiradas mesmo...", encerra.