Lula Queiroga: a volta de quem não foi
O parceiro de Lenine fala de seu novo trabalho e comenta a repercussão de seu álbum Aboiando a Vaca Mecânica
Marco Antonio Barbosa
24/09/2001
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"Este novo disco já nasce com outro timbre", explica Lula o porquê do título do novo trabalho e sua relação com o álbum anterior. "O nome do disco tem sim uma alusão ao som. Tem menos elementos. É mais econômico nas texturas - pelo menos é o que acontece nas músicas que já estão gravadas", resume o pernambucano, adiantando que o novo trabalho já conta com sete faixas prontas. "Em pelo menos três das músicas novas existe uma atmosfera épica-nordestina nas melodias, mas com levadas ágeis e cruas. O eletrônico tá mais enxuto, não tem nada gratuito, menos feérico que no Vaca Mecânica. Houve uma inclinação natural para que a gente criasse de cara as levadas e a percussão, e que o eletrônico só viesse depois", diz Lula.
O velho comparsa de Lenine segue tentando definir, a seu modo, a atmosfera peculiar que quer evocar nas novas canções: "As letras continuam naquele clima meio estranho, meio surrealista, sem qualquer laivo de romantismo barato. Na verdade é o meu velho mosaico, o velho painel figurativo, mistura de xilogravura de J. Borges (artista vindo de Bezerros, PE) com o expressionismo alemão. Cru não tem nada a ver com seca, chão rachado, cavalo alazão, caveira de burro. Talvez tenha mais a ver com a tentativa de sobreviver ao cozinhamento final do juízo, a galinha enrijecida tentando escapar da panela, ou algo assim."
Assim como o disco anterior, Cru está sendo gravado no estúdio caseiro do próprio Lula no Recife. "O que aconteceu foi que pude me dar ao luxo de começar a gravar um repertório que terminou se transformando em outro completamente diferente. Aqui não tem aquela luzinha vermelha escrito gravando. A gente estava liberado para errar e fazer de novo", conta Lula. Outro fator em comum entre o novo álbum e Aboiando a Vaca Mecânica é a profusão de participações especiais. "Já de cara o disco novo tem algumas parcerias com Felipe Falcão, Lucky Luciano e Lulu Oliveira, as mesmas figuras que me deram uma força no Aboiando", fala Lula. Outra presença ilustre é a de um xará - Lula Côrtes, antigo parceiro de Zé Ramalho nos anos 70, definido por Queiroga como "um guru, o protomenestrel da Manguetown."
E ele segue enumerando: "Vai ter também o Zé Neguinho do Coco, um daqueles gênios populares - ele é fantástico, estamos inclusive produzindo um disco com ele. A rapaziada do Faces do Subúrbio também vem fazer um som junto. Ah, tinha esquecido do Otto, que está chegando daqui a pouco para a gente batucar umas idéias. Tem Escurinho e Alex Madureira, ambos de João Pessoa. Penso também no (grupo Cidadão Instigado, de Fortaleza, Lirinha e Clayton do Cordel (do Fogo Encantado), meu compadre Silvério Pessoa e o Digital Groove que são de casa..." O disco novo deve sair pelo selo "caseiro" Luni, do próprio Lula. "Mas ainda é cedo, não temos idéia de como, onde ou quem vai lançar ou distribuir. Entrei em contato com algumas gravadoras para lançar o Aboiando, mas não fomos muito longe", fala o compositor.
Lula Queiroga, talvez alguns (muitos?) não saibam, esteve presente na gênese da carreira de Lenine, que hoje é admirado como uma das grandes forças na renovação da MPB. Juntos, L&LQ gravaram em 1983 o álbum Baque Solto





Portanto, quem achar que o som praticado por Lula hoje - mescla de regionalismo, do sincrético punch percussivo do manguebeat e influências eletrônicas - parece com o de Lenine, não vai estar enganado. Mas também não vai poder rotulá-lo de imitador, visto que seu DNA está na música do velho camarada. "Lenine é meu irmão, parceiro e ídolo. Ele acompanha todos os meus passos, esteve presente no Aboiando e vai estar também neste novo álbum", diz Lula.
Lula refaz o trajeto de seu retorno/estréia, que ganhou força há mais ou menos três anos: "Foi quando eu voltei a tocar com mais frequência. Recife estava vivendo uma febre de festivais e grandes projetos. Além do Rec Beat e do Abril Pro Rock, rolou um monte de eventos "mega", sempre mais de cinco mil pessoas, e eu toquei praticamente em todos. Como os shows foram super bem recebidos, no fim a gente estava com uma visibilidade grande na mídia local e sendo chamado para atuar em um monte de lugares. Foi um momento de afirmação da geração manguebeat, pós- Chico Science. Ficou claro para as pessoas a riqueza e a pluralidade de estilos e sons da cena recifense."
O círculo se fechou com o lançamento do primeiro trabalho solo, Aboiando..., muito bem recebido pela crítica. E pelo público também, pelo menos um determinado público. "O Aboiando está rendendo bons shows, estamos com quase cinco mil cópias vendidas sem grande esforço pelo site ( www.lulaqueiroga.com.br), através da Luni (produtora do próprio Lula), distribuindo artesanalmente em lojas de discos que tem afinidade com o som. Só pro Japão foram 250 cópias. Para a Europa quase mil", revela Lula, que esteve recentemente promovendo o último disco pelo Velho Mundo. "A turnê que a gente fez há dois meses por lá foi um sucesso arretado e já tá rendendo frutos; tocamos em Milão, Zurique e Montreux. Foi um tapa", afirma o compositor.