Maracatu

Baque com um olho no passado e outro no futuro

Tárik de Souza
01/01/1900
Para ordenar a administração dos negros trazidos como escravos para o Brasil a partir de 1538, os colonizadores portugueses incentivaram a instituição de reis e rainhas negros protegidos pelas irmandades de N.S. do Rosário e São Benedito. Os préstitos de coroação deram origem aos folguedos musicais do maracatu, informa o historiador Leonardo Dantas Silva em seu ensaio Maracatu: presença da África no carnaval do Recife, publicado em 1988 pelo Centro de Estudos Folclóricos da Fundação Joaquim Nabuco. O desaparecimento da instituição do rei do Congo (Muchino Riá Congo) com a abolição da escravatura levou o maracatu a desfilar seus batuques e danças nos dias dos Santos Reis, nas festas de Nossa Senhora do Rosário e no carnaval.

O historiador Pereira da Costa (Folk-lore pernambucano, Recife 1908) citado por Dantas Silva, descreve a suntuosidade das seculares nações do maracatu como a Cambinda Velha, que antecipa o luxo das escolas de samba: "O estandarte de veludo era bordado a ouro como as vestes dos reis e dignatários da corte, todos de luva de pelica branca e finos calçados". Nas sedes das agremiações como Nação Elefante (de 1800), Leão Coroado (1863), Estrela Brilhante (1910), Indiano (1949) e Cambinda Estrela (1953) havia até trono com dossel para assento dos monarcas.

Através de pesquisas de campo realizadas entre 1949 e 1952 reunidas no livro Maracatus do Recife (Irmãos Vitale, 2ª edição, 1980) o maestro Guerra-Peixe decupou as camadas da percussão do setor: "o tarol anuncia levemente um ritmo rufado, intercalado de pausas. Quase no mesmo instante, o gonguê (agogô) entra na cadência antecedendo as caixas de guerra. O tarol já passou do esquema inicial às variações quando entram os zabumbas. O marcante acrescenta espaçados e violentos baques (sinônimo de toques, daí o baque solto e baque virado). O meião segue o toque do marcante e por fim os repiques aumentam a intensidade do conjunto". Esta cadência, da qual se aproxima o coco alagoano, sempre fascinou tanto compositores eruditos como Guerra Peixe e Marlos Nobre quanto os autores populares conterrâneos como o frevista Capiba (Maracatu Elefante, Cadê os Guerreiros?, É de Tororó), Irmãos Valença e o poeta Ascenso Ferreira, além de recriadores do folclore como a paulista Inezita Barroso e o armorial Antonio Nóbrega.

Marcas na MPB
Numa breve estadia no Recife, o baiano Dorival Caymmi, em 1945, criou o épico Dora ("rainha do frevo e do maracatu/ ninguém requebra nem dança melhor do que tu"). Os Trigêmeos Vocalistas, um dos inúmeros grupos vocais dos anos 40/50 também gravaram maracatus como o sambista carioca Jamelão. Ao lançar-se em pleno bunker da bossa nova, o Beco das Garrafas, em 1963 o carioca Jorge Ben no abre-alas Mas Que Nada cantava seu samba "misto de maracatu", um samba de preto (ban)tu. Em 1973, Gilberto Gil estourou nas paradas com o single Maracatu Atômico, da dupla Jorge Mautner e Nelson Jacobina.

Da geração 70 dos nordestinos emigrados para o sul, Alceu Valença foi o que mais utilizou o gênero puro ou estilizado. Em Cavalo de Pau (1982) musicou o poema Maracatu ("zabumbas de bombos/ estouros de bombas/ batuques de ingonos/ cantigas de banzo/ rangir de ganzás") de Ascenso Ferreira e chegou a denominar um de seus discos Maracatus, Batuques e Ladeiras (1994). O gênero transfigurado por Egberto Gismonti em Maracatu, incluído em seu disco Alma (1986) e nas miscigenações do armorial de vanguarda Antúlio Madureira (Maracatu Indiano) mereceu abordagem quase didática da dupla pernambucana Lenine e Lula Queiroga no LP Baque Solto (1983). Mas foi com o movimento mangue beat – uma busca de revitalizar as raízes locais através da ótica eletrônica – que Chico Science & Nação Zumbi colocaram o estilo no centro do palco.

Até o ancestral maracatu rural dos cortadores de cana voltou ao foco reunindo 75 grupos na cidade Tabajara, em Olinda no carnaval de 2000. No ano anterior, o fotógrafo Pedro Ribeiro e a professora Maria Lúcia Montes, da USP, estudaram as agremiações formadas por lanceiros, calungas, tuxaus (referência aos pajés, com cocares) e baianas no livro Maracatu de baque solto (Editora Quatro Imagens). Grupos como o ortodoxo Maracatu Nação Pernambuco, gravado em CD pela Velas em 1993, pelo produtor J.C. Botezelli, o Pelão e o progressivo Mestre Ambrósio, propagam o maracatu. A invenção dos escravos – que tiveram um "governador dos crioulos, negros e mulatos", Henrique Dias, nomeado em 1639, pelos portugueses – hoje pontua da muralha percussiva do carioca Pedro Luís e a Parede ao sobrevôos eletrônicos de Lenine.


Músicas

Coroa Imperial (Paulo Lopes/ Sebastião Lopes) – Maracatu Nação Pernambuco
Verde Mar de Navegar (Capiba) – Claudionor Germano
Maracatu Elegante (José Prates) – Inezita Barroso
Pai Joaquim (Geraldo Medeiros) – Jamelão
Mas Que Nada (Jorge Ben) – Jorge Ben
Maracatu Atômico (Nelson Jacobina/ Jorge Mautner) – Gilberto Gil
Maracatu (Egberto Gismonti) – Egberto Gismonti
Maracatu (Alceu Valença/ Ascenso Ferreira) – Alceu Valença
Mateus Embaixador (Antonio Nóbrega) – Antonio Nóbrega
Três Vendas (Siba) – Mestre Ambrósio
Maracatu Silêncio (Zé Rocha/ Erasto Vasconcellos) – Lenine
Maracatu Indiano (Antúlio Madureira) – Antúlio Madureira
Fazê o Quê? (Pedro Luis) – Pedro Luis e a Parede
A Praieira (Chico Science) – Chico Science & Nação Zumbi
Candeeiro Encantado (Lenine/ Paulo Cesar Pinheiro) – Lenine