Marco Mattoli e sua saga rumo ao suingue
À frente do grupo Clube do Balanço, compositor junta-se a estrelas do samba-rock para fazer seu pop 100% brasileiro
Marco Antonio Barbosa
09/03/2001

"O disco Swing & Samba-rock é um resumo da minha vida como músico, que na verdade é uma grande história de amor pela cultura e pelos sons brasileiros", conta Mattoli. "Não sou xenófobo, pelo contrário, mas depois que descobri essa brasilidade não quero saber de outra coisa." O líder do Clube do Balanço diz que persegue a gênese de uma música jovem essencialmente brazuca. "O ponto chave é fazer um som pop que tenha uma raiz brasileira, e não o contrário, como geralmente ocorre - neguinho tenta misturar as duas coisas e acaba colocando um pouquinho de Brasil no rock que vem de fora. O samba-rock não, ele é pura expressão da individualidade cultural brasileira", arrisca Mattoli.
À frente do Clube, um literal combo - são pelo menos 11 membros fixos, mais uma penca de convidados - o cantor desfia no CD uma enciclopédia do samba-rock, com a colaboração de alguns dos principais artífices do estilo. Gente como Marku Ribas, Bebeto, Luiz Vagner e até mesmo Erasmo Carlos (que também tem toda uma história na senda do suingue, hoje um tanto esquecida) dá as caras no álbum. "Novatos" do sacundin, como Paula Lima, Ivo Meirelles, Seu Jorge e os irmãos Simoninha e Max de Castro comparecem igualmente. No repertório do álbum, ênfase nos clássicos do samba-rock (Paz e Arroz, de Jorge Ben; Só Vejo a Crioula, de Bebeto; Palladiun, de Orlanndivo & Ed Lincoln), mas com espaço para canções próprias (como Aeroporto, Trilha Guitarreira - esta composta por Mattoli e Luis Vagner - e Segura a Nega, de Vagner e Bebeto). "O disco é um documento do que são os nossos shows. Toda essa galera que participa do CD - tirando o Erasmo, que foi uma canja que teve de ser agendada, programada - já se apresentou ao vivo com o Clube. Nosso grupo é bem 'comunitário'. É como fosse um clube de verdade; os 11 membros fixos são a 'diretoria', o resto é tudo 'sócio'", explica Mattoli, bem humorado. A "diretoria" conta com Edu Peixe (bateria), Tiquinho e Reginaldo 16 (metais), Augusto Bocão, Fred Prince e Barba (percussão), Gringo Silva (baixo), Marcelo Maita (teclados) e Tereza Gama (vocais), além do DJ Cláudio Costa.
Neste ponto, passado se mistura ao presente e criador junta-se à criatura. A efervescente cena samba-rock atual - bola da vez da renovação da MPB, que reúne artistas tão diversos quanto Seu Jorge e Simoninha - deve muito de sua criação a Mattoli e seu grupo. "A coisa toda começou em 96, quando eu já tinha formado o embrião do Clube e estava a fim de fazer um projeto diferente: um baile de samba-rock com música ao vivo, porque havia e ainda há muito o costume de só ter um DJ animando a casa", lembra Mattoli. "Fomos então para a periferia de São Paulo, tocar na Cohab 1 (conjunto habitacional de classe média baixa). Era uma coisa bem família, não ganhávamos quase nada - vendíamos cerveja para arrumar um troco." Depois de três ou quatro bailes no subúrbio, o grupo levou seu suingue para o lado mais abastado da cidade, firmando uma residência aos domingos no restaurante Grazie Dio, no bairro de Vila Madalena. "O primeiro show que fizemos foi para umas 30 pessoas. Depois de um ano tocando lá, já dava mais de 300 pessoas por noite, casa completamente lotada." O samba-rock saía da periferia, onde nasceu e permaneceu como um "segredo" dos bailões suburbanos, e ganhava capas de cadernos culturais e espaço na TV.
O sucesso atual não poderia ser imaginado por Mattoli em 1989, quando - integrando o duo Mattoli & Ivanovic - começou a flertar com o samba-rock. "Comecei a ouvir e tocar Jorge Ben mais ou menos nessa época. Antes eu ouvia basicamente rock mesmo", recorda o guitarrista. O próximo passo foi o grupo Os Guanabaras, formado em 1990 (e que chegou a gravar um álbum homônimo, em 1993). "Os Guanabaras já eram bem samba-rock. Eu já queria chegar nesse estilo brasileiro de música pop, só que eu não tinha o conhecimento teórico", diz Mattoli. A inclusão de uma canção do grupo, Correndo ao Encontro Dela, (sucesso nos shows da época) na coletânea de suingue Bailes da Vida, em 1994, deu o click na cabeça do guitarrista.
"Eu nem sabia direito o que era samba-rock", fala Mattoli. "Mas sabia que estava intuitivamente indo ao encontro daquele som." Daí, o músico passou a fuçar sebos, atrás de discos dos anos 70 e 80, e a frequentar bailões na periferia paulistana. "Então eu entendi que havia toda uma cultura paralela da música negra, sons que não chegavam à mídia. Pirei forte naquilo tudo e saí descobrindo um monte de coisas - samba-rock, samba-pop, samba-soul. Também fui conhecendo todos os grandes nomes do movimento, uma galera que estava até meio esquecida - na verdade, até hoje ainda estão. O Luís Vagner, por exemplo eu já conheço há uns oito anos, somos muito amigos. Aí nasceu a raiz do Clube do Balanço."
O grupo nasceu em 1995, a princípio formado por Mattoli com músicos contratados. "Depois foi chegando mais gente e aí virou essa coisa de turma que existe hoje. Temos muita gente agregada, pessoas que nem tocam de verdade, como bailarinos e DJs", diz o músico. A vontade primeira era a de organizar um baile para tocar os sons que agora faziam a cabeça do líder do Clube. "Nós ouvíamos músicas sensacionais nos bailes e nos bares de samba-rock. E dava a maior vontade de tocá-las", lembra Mattoli. Não por acaso, Swing & Samba-rock, o disco, dá especial crédito a Renato Bergamo pela pesquisa de repertório.
Da animado (por quanto tempo mais?) mato do samba-rock, Mattoli espera que ainda saiam mais coelhos. "Sei que já existem bandas, formadas há dois ou três anos, que começaram a tocar só por causa do Clube - gente que foi aos nossos bailes, gostou e resolveu fazer igual. Tomara que consigamos abrir a porta para pessoas diferentes chegarem e darem continuidade a essa história", torce o guitarrista. "É um tipo de som que não depende de moda; nós não tocamos samba-rock porque está na moda, mas somos a evolução do estilo." A ajuda da gravadora Regata é fundamental neste processo, acredita Mattoli. "O Bernardo Vilhena (diretor artístico do selo) é o diretor que eu pedi a Deus", brinca o cantor do Clube do Balanço. "Vai ser difícil alguém repetir em outra gravadora o que conseguimos com este disco do Clube. Poucas pessoas teriam a coragem de dar o dinheiro e a liberdade que tivemos para gravar este CD, que afinal de contas é um disco ousado - que traz o resgate de um monte de artistas esquecidos, gente não-comercial. A Regata está trazendo dignidade para a MPB, cumprindo o papel de valorizar o artista negro. A música negra brasileira é um mercado rico e inexplorado", opina Mattoli. Seu Jorge, Paula Lima, o grupo Classe e Ivo Meirelles - todos contratados do selo de Vilhena - que o digam!
Leia ainda:
|