Maria Bethânia, <i>indie</i> aos 37 anos de carreira

Cantora lança primeiro álbum pela Biscoito Fino - o duplo Maricotinha ao Vivo - que também rendeu um DVD

Marco Antonio Barbosa
28/10/2002
Maria Bethânia é a primeira a admitir uma ligeira confusão nos números relativos à efeméride que o álbum Maricotinha Ao Vivo ouvir 30s vem comemorar. "O disco sai para marcar meus 35 anos de carreira, que na verdade são 37...", explica a baiana sobre o CD - disco duplo, o 14º ao vivo de sua carreira e sua estréia no selo independente Biscoito Fino.

"Este disco tem tudo o que eu gosto de cantar, tudo o que me comove. Compositores novos e veteranos. Passamos por vários momentos, vários espetáculos que montei ao longo dos anos - o Rosa dos Ventos, o Opinião. Era importante trazer para hoje o que foi vivido no passado, mas é preciso que esse resgate acrescente algo. Quero reafirmar minha condição mais de intérprete do que de cantora, sempre dando um tom autoral ao que canto. Tem que convencer o público e a mim mesmo", resume Bethânia sobre o álbum. São 39 faixas, nas quais a irmã de Caetano Veloso é regida mais uma vez por Jaime Alem. Moogie Canázio foi o responsável pela gravação, feita em dezembro do ano passado no DirecTV Hall (SP).

A revisão de carreira é extensa e eclética. Há, claro, os cavalos de batalha clássicos: Negue (Adelino Moreira), Anos Dourados (Chico/Tom), Fera Ferida (Roberto/Erasmo), Álibi (Djavan). Mas há também outra marca registrada da cantora, o trânsito entre gerações de compositores. Nesse capítulo entram Lenine (Nem Sol, Nem Lua, Nem Eu), Vanessa da Matta (Canto de Dona Sinhá) e Adriana Calcanhotto (Cantada). Fora algumas mais inesperadas, como Festa (Gonzaguinha), Casinha Branca (sim, o hit de Gilson, que a cantora sempre quis gravar mas "tinha medo, pois achava muito nostálgica") e Todo Amor que Houver Nessa Vida (Cazuza/Frejat).

"Neste tempo todo, acho que estou cantando melhor, desafinando menos", afirma, modesta, Bethânia. "É bom rever todas essas músicas, coisa que eu já havia gravado, e comparar com o passado. Ganha-se algumas cores, alguns tons, perde-se outros. Mas no final das contas acho que estou melhor." Ao parelhar os grandes nomes dos anos 60 com a galera que vem surgindo como a "nova MPB", a cantora reafirma principalmente sua independência estilística. "Tem de se ter liberdade para escolher o que cantar. É bom entender que esses novos compositores não precisam ser os 'novos Chicos', ou 'novos Caetanos'. Eles não imitam ninguém, são luxuosos em sua criatividade."

O álbum duplo vai render também um DVD, que deve ser lançado em dezembro. Além do registro do show, o video digital vai trazer cenas gravadas por Bethânia em Portugal, na região do Tejo. "Ir a Portugal era importante por causa das referências à poesia", explica a cantora. Todo o show é pontuado por trechos declamados de textos de Fernando Pessoa, Ferreira Gullar e Sophia de Mello Breyner. "Adoro colocar poesia tocando no rádio, fazer as pessoas cantarem Pessoa como se fosse Roberto Carlos", diz Bethânia. A teatralidade natural da cantora no palco, guiada desta vez pelo encenador Fauzi Arap, é um prato cheio para os recursos visuais do DVD. Que são devidamente esnobados pela intérprete. "Não gosto de TV, acho feio, a luz nivela tudo, chapa as sutilezas do cenário e da iluminação", afirma a cantora. "Tive que fazer certas concessões na luz, no figurino, tudo para me adequar à gravação. Mas não pensei nenhum aspecto do show tendo o DVD em vista. Para trabalhar de verdade, preciso de uma entrega total; não posso nem quero saber o que ou como estão me gravando", diz.

Por certo, todo álbum de Maria Bethânia é aguardado com expectativa por mídia e público. Mas Maricotinha Ao Vivo trouxe uma carga extra de ansiedade. Para começar, o disco marca a tão comentada estréia de Bethânia na Biscoito Fino; a cantora assinou com a gravadora de Olivia Hime e Kathy Almeida Braga depois de deixar a poderosa multinacional BMG. "Não mudei nada em meu jeito de pensar ou de trabalhar, indo da BMG para a Biscoito Fino. Foi um movimento normal, já passei por várias gravadoras e ninguém nunca interferiu em meu trabalho e não será diferente agora", afirma Bethânia. O que não impede a cantora de enxergar as vantagens da troca. "Acho bom estar em uma gravadora nova, independente e brasileira. Kathy e Olívia fizeram o selo porque amam a música, acima de tudo; na Biscoito Fino encontrei um entendimento raro de meu trabalho, um interesse total pelo o que faço."

Ampliaram a expectativa os vários rumores divulgados e alimentados pela imprensa sobre o vindouro disco. Bethânia rebate tudo. "Não houve atraso no lançamento. O tempo certo era este mesmo. Entendo que as pessoas fiquem ansiosas para ver o CD pronto, mas fazer um disco ao vivo dá trabalho. Além do mais, não dá para ir simplesmente gravando e lançando. A gravadora tem todo um planejamento, tem de seguir as normas do mercado", diz a cantora.

Apesar da afirmação da cantora sobre a televisão, outros dois lançamentos em DVD estrelados por ela vão ser lançados em breve. A noite de gala dedicada ao lançamento de Maricotinha, no ano passado foi devidamente registrada por câmeras digitais, preservando para sempre o momento histórico da MPB (quando Bethânia dividiu o palco com Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico César, Lenine, Paulo Sérgio Valle, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina e Carlinhos Lyra, entre outros). E o clássico filme Doces Bárbaros, de Jom Tob Azulay, também chegará às prateleiras no formato DVD. O resgate do documentário de 1976 coincide com a reunião do grupo, planejada para os dias 7 e 8 de dezembro. "Com Caetano, Gil e Gal está tudo em casa... quer dizer, médio, né?!", desconversa a diva. "Não tenho idéia de como será. Mas depois de um tempo a gente se acostuma de novo."