Marina Lima parte para a reconquista do seu público

Cantora lança Sissi na Sua Ao Vivo, primeiro CD após a vitória sobre a depressão, e diz que se surpreendeu com a decisão de sua gravadora de trabalhar as faixas mais eletrônicas do disco

Rodrigo Faour
12/12/2000
Para a alegria dos fãs, Marina Lima superou a imensa depressão que a levou ficar dois anos ausente da mídia e está lançando o álbum duplo ao vivo Sissi na Sua, que também terá uma edição resumida, simples, a exemplo do que ocorreu há quatro anos com o álbum Quanta, de Gilberto Gil. Gesticulante, falando rápido e articuladamente, Marina recebeu a imprensa na sede de sua gravadora, a Universal, para falar do novo disco. Antes da entrevista, foi pedido aos jornalistas para que se evitasse temas como sexo e drogas, restringindo-se apenas ao novo CD e ao novo show, que Marina estreou em Juiz de Fora, há cinco meses, e que chega esta semana ao Rio, no Canecão, para uma temporada que vai de quinta-feira a domingo. A cantora disse que está encarando a experiência do novo show como uma reconquista de espaço. "Quando se fica seis anos longe dos palcos, a não ser que você seja um Chico Buarque, tem que se reacostumar o público a ir novamente ao seu encontro", ensina.

Mas, será que houve pressão dos executivos da gravadora para que Marina gravasse agora um CD ao vivo, recém recuperada de uma depressão que levara até sua voz embora? "Posso ser franca? Eles sugeriram e eu gostei. Porque eu não faria nada novo tão cedo. Creio que esse show está muito interessante e é o que eu quero mostrar nesse momento ao meu público. Se você esperasse um disco de estúdio, acho que agora eu não seria capaz de fazer. Então, ambas as partes coincidiram", explica. Segundo a cantora, 70% do CD corresponde fielmente ao que foi o show: "Das 23 músicas, três ou quatro vozes foram refeitas, assim como baixos em três faixas."

O repertório do CD/show é calcado em seus dois últimos discos de estúdio: Registros À Meia Voz (1996) e Pierrot do Brasil (98). Entraram também algumas canções antigas que, segundo a cantora, resistiram ao tempo, como Acontecimentos, Fullgás e Pra Começar. O restante são inéditas: Mel da Lenda (escrita com seu tecladista, William Magalhães), Sissi e Estou Assim (ambas em parceria com a escritora Fernanda Young). Essas duas últimas foram justamente as que a Universal decidiu escolher como faixas de trabalho.

Marina diz que se assustou com a decisão da gravadora. "Nem acreditei quando o pessoal da Universal optou pelas duas faixas mais loucas e mais modernas do disco (risos). Perguntei a eles: 'Vocês têm certeza?' E essas duas foram as únicas feitas completamente no computador, canções híbridas, com pouca participação de instrumentos analógicos. Mas, sei lá, isso prova que o mundo está mudando. A gravadora pirou", exagera.

"Não estou morta nem isolada"
Incisiva, Marina afirma que, para conseguir voltar com a cara e coragem para os palcos, teve que passar por cima de seu perfeccionismo obsessivo. "Estou há seis anos fora dos palcos. Nesse tempo, muitas coisas aconteceram. Se eu fosse ficar esperando o meu momento ideal, não voltaria tão cedo. Quando comecei minha carreira, também não sabia se estava no ponto exato para acontecer. Descobri que não adianta pegar um ideal de perfeição a vida inteira. Tem uma hora que você tem que ir, tem que aproveitar um impulso instintivo e ir em frente. É melhor ficar depurando vida afora do que ficar isolada para depurar", conclui.

Foto: Betí Niemeyer
Comparando seu CD atual com o álbum ao vivo anterior, Todas ao Vivo (1986), responsável por sua consagração, ela diz que o resultado de ambos a surpreendeu. "Logo que terminei de gravar os dois discos, tive a mesma impressão. Pensei: 'Poxa, está melhor do que eu pensava.' Acho bom esse registro para a posteridade. Mesmo que haja coisas que talvez não estivessem perfeitas como eu gostaria, mas acho que ideal não existe, o ideal é agora", sentencia.

Apesar do clima bastante urbano e meio underground dos arranjos do novo CD, como se estivesse numa grande festa rave, Marina acredita que os temas aflitivos das canções são capazes de tocar pessoas de qualquer idade e classe social. "Problemas de convivência social, de relacionamento e de critério de medida todo mundo tem o tempo inteiro, vida afora", acredita.

Mas algo mudou, admite ela, não com o público, mas com o país. "O Brasil, nesse tempo que estive fora e ausente dos palcos, piorou muito economicamente. A questão social influenciou muito a música do país", diz. "Hoje há um espaço enorme para o rap, uma música da minoria que, na verdade, é uma imensa maioria pobre e negra que não consegue nunca ter tudo o que merece e precisa. Enquanto o Brasil não resolver sua questão social, vai haver cada vez mais músicas sobre essa temática. Tenho escutado muitas bandas mais jovens que as da minha época, como O Rappa, e muitas de rap... Gosto muito desse tipo de música que fala do mundo de hoje. É quase certo que minha música será influenciada por isso, que tenham letras mais sociais, porque não estou morta, nem isolada."