Marisa e Donato: as boas onipresenças de 2000

Cantora assegura seu título de musa pop apoiada em uma pouco usual estratégia de marketing e o pianista e compositor passa por um dos anos mais produtivos de sua carreira

Tom Cardoso e Carlos Calado
29/12/2000
Só se falou - e bem - deles em 2000. Depois de quatro anos sem lançar disco, Marisa Monte conseguiu concentrar todas as atenções em seu quinto álbum, Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, que, assim como os anteriores, tornou-se um grande sucesso de vendas (está perto da marca de um milhão de cópias), num ano em que o mercado fonográfico sofreu uma queda considerável. Sem aparecer nos programas de televisão, sem posar em seu jardim para revistas badaladas, sem se envolver em grandes polêmicas, Marisa consegue ser tão popular quanto Roberto Carlos, que tem quase 30 anos de estrelato, e Zezé Di Camargo e Luciano, a maior dupla arroz-de-festa do Brasil. Um dos convidados no disco da cantora (tocou nas faixas Abololô e Sou Seu Sabiá), João Donato, outro que não é de fazer concessões à mídia, também teve grande exposição em 2000. Gravou como nunca e ainda terminou o ano recebendo o prestigioso Prêmio Shell pelo conjunto de sua obra.

"Não estou construindo uma carreira e sim uma vida". Esse é o lema de Marisa Monte desde que ela veio a público pelas mãos de Nelson Motta, no fim da década de 80. A cantora não dá um passo em falso em sua carreira, ou melhor, vida. A verdade é que ela cometeu poucos deslizes ao logo desses anos todos, preparando com cuidado cada etapa de produção e divulgação de seus discos, sem desgastar sua imagem e sem se expor demais. Tornou-se uma cantora cult e ao mesmo tempo pop. Um fenômeno que também pode ser justificado pela voz afinada, pelo bom gosto na escolha de repertório, na cuidadosa produção de seus discos, no planejamento das turnês nacionais e internacionais.

Se no começo de sua trajetória (carreira, jamais) ela ainda dependia do apadrinhamento e do tino musical de Nelson Motta, hoje Marisa demonstra um notável senso de independência. Todas as fotos do encarte do novo disco são de sua autoria. A produção foi dividida (mais uma vez) com Arto Lindsay e mais da metade das canções do disco é composta de parcerias com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, dois dos mais festejados compositores da MPB.

Sumiço
Antes de lançar Memórias..., Marisa já tinha ganho elogios da crítica e do público ao produzir no começo do ano o CD Tudo Azul, trabalho que reuniu a Velha Guarda da Portela. Após uma pequena turnê com os sambistas pelo país e algumas entrevistas em programas de televisão, a cantora sumiu como num passe de mágica. Afinal, ela já estava aparecendo demais e o suspense pelo seu novo trabalho tinha de ser mantido.

Marisa não faz só sucesso no Brasil - o seu quinto disco foi lançado em 25 países. Em Nova York, onde esteve se apresentando em outubro para mais de três mil pessoas no Beacon Theatre, a cantora também cultivou uma imagem ambígua - enquanto o seu CD toca em lugares cults, como os bares do Soho e do Village, ela é chamada pelos jornais locais de "a Madonna do Brasil". E olha que a vida de Marisa Monte está apenas começando.

João Donato tem bem mais tempo de estrada que a cantora - é reconhecido como um dos precursores da bossa nova, por sinal -, mas a energia demonstrada em 2000 foi de garoto novo. Ao receber o Prêmio Shell no último dia 12, o músico acreano fechou em grande estilo um ano especialmente produtivo. Mais que isso: alegrou seus fãs com uma rápida e surpreendente volta por cima, depois do infarto que o levou a ser hospitalizado, no final de 99.

A reação musical de Donato começou oficialmente em abril, com o lançamento do CD Amazonas, editado aqui e no exterior pelo selo norte-americano Elephant Records. Exatamente como fazia nos anos 60, ele voltou a interpretar suas composições com um trio, bem à vontade.

Sinfônica
A boa repercussão desse álbum, especialmente nos EUA, já rendeu a Donato a gravação de um novo CD em trio pela mesma gravadora, com lançamento previsto para setembro de 2001. Antes disso, em março, a Elephant Records deve lançar o álbum que o mestre da bossa gravou ao vivo, ao lado da Orquestra Jazz Sinfônica, em abril deste ano, em São Paulo. Há também a promessa, pela Deck Disc, de um álbum de inéditas, compostas com o irmão, Lysias Ênio.

Em termos de gravações, o piano econômico de Donato também pôde ser ouvido em trabalhos de outros artistas lançados neste ano, caso dos novos CDs de Marisa, Bebel Gilberto (Tanto Tempoamostras de 30s), Joyce (Tudo Bonitoamostras de 30s), Fernanda Abreu (Entidade Urbanaamostras de 30s) e Moreno Veloso (Máquina de Escrever Músicaamostras de 30s). Notável também foi a participação de Donato no Free Jazz Festival, em outubro, brilhando no mesmo palco em que também se destacaram o pianista cubano Chucho Valdés e o contrabaixista norte-americano Ray Brown. Mais um belo gol de Donato em seu ano de artilheiro.