Matanza e MCsHC: a bizarria do rock carioca

Grupos estréiam em CD apostando em inusitadas misturas: country + rock e batidão funk + hardcore

Christian Caselli
29/08/2001
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Desde Chuck Berry que o rock'n'roll nunca mais foi um gênero puro. Conforme o estilo foi crescendo e evoluindo, milhões de influências foram se aglutinando ao rock, ficando até difícil para definí-lo. E o que mais este comecinho de terceiro milênio pode juntar ao cardápio de mutações do rock? Pelo menos, no que depender de duas bandas cariocas, a "salada" continua, com mais vigor ainda. São as estréias em CD dos grupos Matanza e MC's HC. Em Santa Madre Cassino ouvir 30s, o Matanza mistura guitarras pesadas ao country americano, juntando tudo com uma estética inspirada nos filmes de faroeste. Os MC's HC (que lançam um álbum homônimo ouvir 30s) fazem algo mais inusitado: aliam o bom e velho rock'n'roll com o Miami bass - o estilo de funk eletrônico que mais influenciou o polêmico e popular funk carioca. Os dois álbuns tem algo mais em comum além do gosto pela mistureba - ambos são lançamentos Abril Music (o Matanza sai pelo selo DeckDisc), produzidos pelo mesmo Rafael Ramos do primeiro álbum dos Los Hermanos e do recente E Lala Lay-Ê, de João Donato.

As referências ao Velho Oeste estão em toda a parte em Santa Madre Cassino. Do logotipo da banda na capa do disco aos títulos das músicas (As Melhores Putas do Alabama, Mesa de Saloon, Tombstone City ou Ye Ole Bluegrass Assassinate), tudo faz crer que o "tempo das diligências" é agora, em plena efervescência do underground carioca. Já os MC's HC promovem uma esquizfrênica junção do batidão funkeiro com a sujeira do rock - e de quebra ainda contam com duas vocalistas no melhor estilo popozudas junto aos instrumentistas. No cardápio, montagens, quer dizer, canções como Pancadão, Mr.DJ e Ultimate Funk!!!. É esquisito o suficiente ou você ainda quer mais?!

De uma ressaca de (Acabou La) Tequila
Um dos membros fundadores do Matanza, Donida (guitarra e banjo), fazia parte do Acabou la Tequila, grupo carioca que gravou um álbum homônimo em 1998 e do qual saiu Kassin (baixista "emprestado" aos Los Hermanos e atual Moreno + 2). O guitarrista conta que queria escapar do ecletismo da banda anterior para se dedicar a uma antiga paixão. "O Acabou la Tequila tinha aquela coisa tipo Mano Negra (a banda francesa do cantor Mano Chao), de tocar as músicas de todos os lugares. Só que eu ouço country desde moleque e já estava com umas 40 composições dentro do gênero". Então como tirá-las do papel? Foi quando, num saloon da vida, ou melhor, perdido nas madrugadas encervejadas, Donida conheceu a figura ideal para o seu projeto: o vocalista Jimmy. Só de olhar é possível reconhecer nele um autêntico personagem de um neo-faroeste.

O visual e o som deles lembra as trilhas de filmes como Um Drink no Inferno, assim como as letras, que sempre narram episódios de típicos de faroeste. "A gente é fissurado por este universo, por Ennio Morricone, etc. Eu já perdi a conta de quantas vezes eu vi a trilogia do Sérgio Leone", diz Donida, referindo-se ao filmes Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito. Apesar de todos estes filmes serem estrelados por Clint Eastwood, Jimmy conta que não se espelhou em nenhum personagem específico para ser o vocalista. "Cada música tem um personagem. E como as letras são narradas em primeira pessoa, raramente a gente tem dúvida de me botar como o personagem principal. O cara que eu vou encarnar tem a ver com a história". Realmente, e encarnar pode ser até um bom verbo: por exemplo, em E Tudo Vai Ficar Pior, ele faz um fantasma morto durante um carteado, que clama por vingança!

No entanto, Donida explica que a mistura com rock veio por acaso: "O que a gente queria fazer era o country mais tradiconal, com rabeca e tudo. Mas com é difícil ter acesso a estes instrumentos, então liga a guitarra, acelera o ritmo e vamos nessa". Mas seria este universo americanizado compreensível para o público brasileiro? Para Donida, sim: "É como a Mona Lisa, o quadro do Da Vinci: todos conhecem, as pessoas identificam de primeira". E o aviso de Jimmy para quem os acusar de "colonizados", ou coisa do tipo: "Eu acho que quem fala isto está sendo muito atrasado, bobo ou imaturo em não reconhecer que os EUA tem cultura brilhante na estética rock, road movie ou faroeste".

Pancadão só na guitarrada
Diretamente do Irajá, bairro do subúrbio do Rio, a mistura de Miami bass e hardcore do MC's HC já vem no nome: MC, como já é conhecido, é a sigla para "Mestres de Cerimônia" (ou "Master of Cerimony" em inglês) do funk, e HC é a abreviatura que os roqueiros dão para de hardcore. Explica melhor o vocalista Rabu Gonzales: "A gente bota o espírito hardcore, mas a mistura está mais para o espírito urbano e suburbano do funk", embora admita que a influência venha mais de grupos americanos como 2 Live Crew ou Tony Loc do que do funk carioca. As vitaminadas Carla e Luíza capricham nas coreografias peculiares ao estilo e soltam a voz nos backings. No entanto, misturar gêneros tão antagônicos não pode desagradar os roqueiros e os funkeiros? "É uma discussão interessante, só que ainda não podemos afirmar isso pois nós ainda não estamos na grande mídia. Mas na periferia, tanto a galera do funk como a do rock estão gostando demais".

Para o guitarrista Babous Crazy, (o Babão, ex-Chatos & Chatolins, banda-embrião do MC's HC) a banda é "70% rock e 30% funk": "Estamos mais para 'HC' do que para 'MC'. Na verdade, somos da escola dos Ramones, do hardcore. Nós misturamos rock com o funk e não o contrário". Quem vê o show do grupo comprova esta declaração, já que os MC's ficam bem mais pesados ao vivo; mas quem escutar o CD não vai sentir tanto o caráter hardcore do grupo. Por quê? "Na verdade, durante as gravações, achamos as guitarras pesadas até demais. Então achamos um meio termo para fazer um disco de festa", diz Babão. No entanto, esta atitude pode gerar a desconfiança dos detratores, como frases do tipo: "Eles fizeram isto para fazer sucesso". Babão, no entanto, se defende com unhas e dentes: "Não, muito pelo contrário. A gente foi é guerreiro, pois seria muito mais fácil entrar na onda do Bonde do Tigrão e não queríamos isto. Não estamos atrás de moda, a gente só faz o que gosta, e esta mistura na verdade só complica".

E quanto ao preconceito que muitos tem com o funk carioca? "O funk tem toda uma história muito particular como diversão para pobre e muita coisa acaba não indo para a mídia. Nós já vimos coisas ótimas, de pessoas que, mesmo falando em um português bem errado, fazem funk geniais e bastante autênticos. E em baile de favela nem toca muito Bonde do Tigrão, ou Tapinha; e sim uma parada muito diferente. É como se você fosse a uma festa realmente de rock: você não vai ouvir O Surto, e sim Ramones, Dead Kennedys, Sex Pistols", compara Babão. Mas, algo específico contra o Bonde do Tigrão? "Não contra os três caras do Bonde, mas, apesar de gostar muito de funk, a onda dos MC's não tem nada a ver com a deles. O que eu não concordo é com o oportunismo, quando eu vejo uma Lady Lu ou um É o Tchan tocando funk. O funk não é só música, também é uma história social", sentencia o guitarrista.