Max Cavalera celebra seus mortos no novo Soulfly
Em Primitive, segundo disco de seu novo grupo, o ex-guitarrista e vocalista do Sepultura tenta transformar a raiva pela perda do pai e do enteado em descargas de energia positiva
Silvio Essinger
09/10/2000
O placar estava empatado: depois de sua saída do Sepultura, o guitarrista e vocalista Max Cavalera adiantou-se com o disco (homônimo) de sua nova banda, o Soulfly. No mesmo ano, 1998, os ainda atônitos remanescentes Igor Cavalera (seu irmão, bateria), Andreas Kisser (guitarra) e Paulo Jr. (baixo) lançaram Against, com o vocalista americano Derrick Green. Sem a menor chance de reconciliação em vista – o pomo da séria discórdia foi a mulher de Max e ex-empresária da banda, Gloria – o Soufly parte com o seu segundo disco, Primitive, para reivindicar sua parte na herança de glórias do Sepultura – que se consagrou como um gigante mundial do heavy metal com o disco Roots, de 1996, aclamado por sua inédita fusão de guitarras, rap e batucadas. O CD chega ao Brasil elogiado por revistas como a Rolling Stone, no bojo de uma grande campanha de marketing (no exterior, ao menos) de sua gravadora, a Roadrunner.
A dolorosa separação dos irmãos Cavalera gerou traumas refletidos nas letras tanto do Soufly quanto as do reformado Sepultura. No caso de Max, somaram-se o fato de sua mulher ter sido o pivô da história e também o de seu enteado, Dana, ter morrido na mesma época num acidente – que ele crê ter sido na verdade um assassinato, já que o jovem estava sendo alvo de uma perseguição automobilística. Em Primitive, a raiva do guitarrista com tudo isso não foi aplacada: Dana é retratado como um anjo na contracapa e é a inspiração para as músicas Pain e In The Memory of..., que tem vocais de Asha, filha de Tunday, da banda de rap Cuttthroat Logic, cujo irmão também foi assassinado. "Assassinos, todo dia que vocês passam livres é só um dia a menos para a chegada do julgamento. O código do silêncio foi quebrado", escreve Max, logo abaixo da imagem do enteado morto. Chico Science, do Nação Zumbi, que faleceu em acidente de carro em 1997, em Recife, também ganha tributo na faixa Mulambo.
Outro morto evocado no disco é Graziano Cavalera, pai de Max e Igor, que se foi quando os dois ainda eram crianças. A dor da perda paterna o guitarrista dividiu com Sean Lennon – cujo pai, o beatle John, foi assassinado em dezembro de 1980, quando ele tinha cinco anos de idade. Os dois, que se conheceram quando tocavam num festival australiano, compuseram Son Song, canção sobre como é crescer sem pai. Sean – atração do Free Jazz, que se realiza daqui a duas semanas no Rio e em São Paulo – ainda cantou e tocou teclados na faixa. "[A participação] é mais por causa do contraste de vozes e sons. Dois mundos diferentes combinados", explicou Max, em entrevista incorporada ao release do disco. Em papo com a revista inglesa Kerrang, ele completou: "Foi um alívio finalmente compor algo para o meu pai, um peso que tirei das costas. Ele está sempre nos meus pensamentos. No disco, escrevi: ‘Espero que você sinta orgulho de mim, onde quer que você esteja.’ Tenho certeza de que Sean pensa da mesma forma."
Ligação com os fãs
Para Max, Primitive foi a forma que encontrou para "transformar a raiva em algo positivo". "O mundo é um lugar estranho, há muito caos", diz no release. "Você pode ouvir isso na música de hoje em dia, na música que fazemos. Todo mundo tem sua raiva natural. Paz de espírito não é algo que você encontre do dia para a noite. Demora anos. E às vezes você nunca encontra. O fã do Soulfly tem um monte de chateação todo dia, e acho que minha música o ajuda. Quando ele ouve uma dessas canções, ele se conecta comigo, tipo ‘Ouço Max, ouço o que ele diz. Não suporto essa p.’ É por isso que há uma grande ligação entre as eu e as pessoas que escutam a minha música. É uma ligação mágica." O guitarrista idealiza a reunião dos fãs do Soulfly em uma tribo – aliás, o tema indígena é recorrente desde que o Sepultura gravou com os xavantes em Roots. "Fazer parte de uma tribo ajuda a lidar com os julgamentos e atribulações diários", disse o guitarrista à Kerrang.
Desde antes do lançamento de Primitive, Max já vinha ganhando a fama de Bob Marley do metal (coincidentemente ou não, nos seus últimos dias de Sepultura fez uma versão de War, clássico do jamaicano). O raciocínio dos defensores da tese é o seguinte: assim como Marley pôs a Jamaica (e o Terceiro Mundo, por conseguinte) na roda do pop internacional com o reggae, Max pôs o Brasil na linha de frente do heavy metal com o Sepultura. O brasileiro diz que as comparações são exageradas, mas o fato é que, depois de trançar seus cabelos no estilo rastafari dos músicos de reggae, ele chamou o artista Neville Garrick (autor das capas dos discos de Bob) para fazer a de Primitive. Além disso, criou no disco novo uma Brasil/Jamaica Connection, com a participação dos percussionistas jamaicano Larry McDonald e brasileiro Meia Noite.
Tido como uma espécie de pioneiro do novo metal americano – que começou a ficar mais percussivo, com toques de rap, a partir de Roots –, Max mantém suas conexões com os nomes emergentes do gênero em Primitive. Jump Da Fuck Up tem participação vocal de Corey Taylor (do Slipknot) e Pain, de Chino Moreno (Deftones) e Grady Avenell (Will Haven). Não custa lembrar que dois nomes de destaque do novo metal, Jonathan Davis, do Korn, e Fred Durst, do Limp Bizkit, participaram, respectivamente, de Roots e de Soulfly. Mas a velha guarda do peso também está lá, em Primitive: Tom Araya, vocalista do Slayer, mito da velocidade e podreira de quando os irmãos Cavalera ainda eram garotos ensaiando numa garagem em Belo Horizonte, faz dueto com Max em Terrorist.
A dolorosa separação dos irmãos Cavalera gerou traumas refletidos nas letras tanto do Soufly quanto as do reformado Sepultura. No caso de Max, somaram-se o fato de sua mulher ter sido o pivô da história e também o de seu enteado, Dana, ter morrido na mesma época num acidente – que ele crê ter sido na verdade um assassinato, já que o jovem estava sendo alvo de uma perseguição automobilística. Em Primitive, a raiva do guitarrista com tudo isso não foi aplacada: Dana é retratado como um anjo na contracapa e é a inspiração para as músicas Pain e In The Memory of..., que tem vocais de Asha, filha de Tunday, da banda de rap Cuttthroat Logic, cujo irmão também foi assassinado. "Assassinos, todo dia que vocês passam livres é só um dia a menos para a chegada do julgamento. O código do silêncio foi quebrado", escreve Max, logo abaixo da imagem do enteado morto. Chico Science, do Nação Zumbi, que faleceu em acidente de carro em 1997, em Recife, também ganha tributo na faixa Mulambo.
Outro morto evocado no disco é Graziano Cavalera, pai de Max e Igor, que se foi quando os dois ainda eram crianças. A dor da perda paterna o guitarrista dividiu com Sean Lennon – cujo pai, o beatle John, foi assassinado em dezembro de 1980, quando ele tinha cinco anos de idade. Os dois, que se conheceram quando tocavam num festival australiano, compuseram Son Song, canção sobre como é crescer sem pai. Sean – atração do Free Jazz, que se realiza daqui a duas semanas no Rio e em São Paulo – ainda cantou e tocou teclados na faixa. "[A participação] é mais por causa do contraste de vozes e sons. Dois mundos diferentes combinados", explicou Max, em entrevista incorporada ao release do disco. Em papo com a revista inglesa Kerrang, ele completou: "Foi um alívio finalmente compor algo para o meu pai, um peso que tirei das costas. Ele está sempre nos meus pensamentos. No disco, escrevi: ‘Espero que você sinta orgulho de mim, onde quer que você esteja.’ Tenho certeza de que Sean pensa da mesma forma."
Ligação com os fãs
Para Max, Primitive foi a forma que encontrou para "transformar a raiva em algo positivo". "O mundo é um lugar estranho, há muito caos", diz no release. "Você pode ouvir isso na música de hoje em dia, na música que fazemos. Todo mundo tem sua raiva natural. Paz de espírito não é algo que você encontre do dia para a noite. Demora anos. E às vezes você nunca encontra. O fã do Soulfly tem um monte de chateação todo dia, e acho que minha música o ajuda. Quando ele ouve uma dessas canções, ele se conecta comigo, tipo ‘Ouço Max, ouço o que ele diz. Não suporto essa p.’ É por isso que há uma grande ligação entre as eu e as pessoas que escutam a minha música. É uma ligação mágica." O guitarrista idealiza a reunião dos fãs do Soulfly em uma tribo – aliás, o tema indígena é recorrente desde que o Sepultura gravou com os xavantes em Roots. "Fazer parte de uma tribo ajuda a lidar com os julgamentos e atribulações diários", disse o guitarrista à Kerrang.
Desde antes do lançamento de Primitive, Max já vinha ganhando a fama de Bob Marley do metal (coincidentemente ou não, nos seus últimos dias de Sepultura fez uma versão de War, clássico do jamaicano). O raciocínio dos defensores da tese é o seguinte: assim como Marley pôs a Jamaica (e o Terceiro Mundo, por conseguinte) na roda do pop internacional com o reggae, Max pôs o Brasil na linha de frente do heavy metal com o Sepultura. O brasileiro diz que as comparações são exageradas, mas o fato é que, depois de trançar seus cabelos no estilo rastafari dos músicos de reggae, ele chamou o artista Neville Garrick (autor das capas dos discos de Bob) para fazer a de Primitive. Além disso, criou no disco novo uma Brasil/Jamaica Connection, com a participação dos percussionistas jamaicano Larry McDonald e brasileiro Meia Noite.
Tido como uma espécie de pioneiro do novo metal americano – que começou a ficar mais percussivo, com toques de rap, a partir de Roots –, Max mantém suas conexões com os nomes emergentes do gênero em Primitive. Jump Da Fuck Up tem participação vocal de Corey Taylor (do Slipknot) e Pain, de Chino Moreno (Deftones) e Grady Avenell (Will Haven). Não custa lembrar que dois nomes de destaque do novo metal, Jonathan Davis, do Korn, e Fred Durst, do Limp Bizkit, participaram, respectivamente, de Roots e de Soulfly. Mas a velha guarda do peso também está lá, em Primitive: Tom Araya, vocalista do Slayer, mito da velocidade e podreira de quando os irmãos Cavalera ainda eram garotos ensaiando numa garagem em Belo Horizonte, faz dueto com Max em Terrorist.