Mensagens numa batida diferente

O rapper paulistano Rappin'Hood lança seu primeiro disco solo - marcado pelo ecletismo e por vários convidados

Marco Antonio Barbosa
27/07/2001
Não é o que se diz, é (principalmente) como se diz. Essa deve ter sido a luzinha que acendeu na cabeça do rapper paulistano Rappin'Hood ao gravar seu primeiro álbum, Sujeito Homem ouvir 30s, disco que coroa uma carreira de mais de dez anos dedicada ao hip hop. Líder do grupo Posse Mente Zulu - na linha de frente do cenário "pós-Racionais MC's" no rap paulista - Rappin'Hood desfia em seu disco todo o conhecido rosário de crônicas da periferia que caracteriza os grupos mais engajados do estilo. O que não significa que o rapper é apenas uma voz a mais a clamar por justiça social: o mano RH tem o poder da música a seu lado.

"A música tem que estar mais em voga no hip hop. Eu saquei que o público de rap estava precisando ouvir um disco mais brasileiro, mais musical mesmo. Não adianta ficar só falando e mandando uma batida pesada atrás toda a vida, sem variar nada", conta Rappin'Hood, nascido Antônio Luiz Jr. no bairro do Limão, periferia de São Paulo. De fato, não há como negar a riqueza e o ecletismo da música de Sujeito Homem, que equilibra a contundência do discurso com bases e ritmos bastante variados - samba, bossa nova, repente e reggae se juntam aos arquétipos do hip hop na salada sonora de RH.

"O meu disco é fruto de uma vivência de 16 anos de música", afirma Rappin'Hood. Já aos 11 anos, o então Antônio Jr. se interessava por break e rap, mas sem tirar da cabeça o samba que o cercava na casa dos pais. Ao mesmo tempo em que admirava Almir Guineto, estudou trombone e corneta e finalmente, em 1989, lançou-se como rapper. O Posse Mente Zulu seria formado em 1992, construindo ao longo dos anos 90 uma respeitada carreira dentro do rap paulistano. Mas ele não se limita ao hip hop. "Ouço jazz, clássico, MPB, soul, funk. Sou músico, conheço harmonia e melodia", diz Rappin'Hood.

"Eu já tinha a concepção deste disco na cabeça há muito tempo, ficou exatamente do jeito que eu imaginava", conta o rapper, que produziu sozinho boa parte das faixas do álbum. "Entendi que dá para manter um discurso de conscientização, mas com um outro som. Quero fazer do rap algo mais aceitável, aumentar o público que ouve. Decodificar o rap para quem não conhece. Quero que não só a molecada que gosta de mim ouça o disco; quando os pais deles ouvirem, vão gostar também e aí vão se ligar na mensagem."

Rappin'Hood lançou mão em seu disco de um expediente comum no cenário hip hop: a congregação de vários convidados, alguns até bem distantes do universo do rap. Caso da sambista Lecy Brandão, dos repentistas Caju & Castanha (em sua última gravação, já que Caju faleceu em junho) e do pagodeiro Péricles (do Exaltasamba). "Foi tudo de forma muito bastante natural, eu nem cheguei a convidar ninguém 'oficialmente' porque tinha medo de ser taxado de oportunista, de estar querendo aparecer nas costas dos outros", fala Rappin'Hood. "A Lecy (que além de cantar na versão samba de Sou Negrão, do Posse Mente, também escreveu o release do disco) praticamente se convidou: há dois anos, nos encontramos num show e ela me deu a maior indireta, dizendo que gostaria muito que algum rapper a convidasse para cantar com ela... Eu saquei: 'Pô, mano, isso é comigo!'", lembra, rindo. "A Lecy reforçou meu respeito ao samba e deu dignidade ao disco."

Além desses "estranhos no ninho", Sujeito Homem também tem participação de uma constelação de rappers, que inclui Xis, KLJay (dos Racionais MC's) e Gustavo Black Alien. "Mais uma vez, veio todo mundo na camaradagem. São todos meus amigos. O Black Alien também se convidou: ele ouviu a base de Raízes num dia em que estávamos reunidos de bobeira e me pediu para 'versar' na música junto comigo e o Funk Buya (do grupo Z'África Brasil)", conta Rappin'Hood.

Mensagem é o que não falta em Sujeito Homem. A violência nas periferias e as condições subhumanas nos presídios dão o tom em Vida Bandida; Caso de Polícia narra as eternas tretas dos menos favorecidos com a PM; De Repente ataca a corrupção dos políticos (na imagem do juiz Nicolau dos Santos) e Tributo às Mulheres Pretas homenageia a sofrida porção feminina da população negra. "Nasci na periferia, já vi muita coisa ruim acontecer com gente que eu conhecia desde moleque", conta Rappin'Hood. "Amigos mesmo. Isso é muito ruim, me choca muito. Saber que um camarada seu está preso, que caiu pro caminho do crime, isso é terrível."

Ao mesmo tempo, o rapper tem sempre o cuidado de tentar passar imagens positivas em suas letras. "A atitude positiva tem de ser uma moeda corrente. Pô, o mundo já é tão barra-pesada, com tanta dor, e o sujeito ainda ouve um CD repetindo as mesmas coisas para ele... Se ele sai para a rua e arruma uma encrenca, é porque já está com a cabeça cheia", acredita Rappin'Hood. Segundo o rapper, sua positividade também é um fator de diferença para sua música. "Não quero ser mais um clone dos Racionais MC's. Há algum tempo só se falava em Racionais, então de dez bandas de rap que surgiam, sete eram clones dos Racionais. Meu discurso é igual ao deles, mas sou diferente", diz.

É assim, "no meio-fio entre a mensagem e o comércio" - palavras dele mesmo - que Rappin'Hood espera marcar seu lugar na história do rap brasileiro. "É importante que as pessoas te escutem, que o disco seja ouvido. Nem sei se comércio é a palavra exata para se usar, mas quero que o CD seja ouvido pelo maior número de pessoas - sem descuidar do que eu tenho a dizer", diz o rapper. Seja com Sujeito Homem, seja com o disco do Posse Mente Zulu - que está para sair no começo do ano que vem - ele está na trilha certa.