Millenium Rap: a grande festa dos renegados

Ausente do Rock in Rio, o hip hop mostrou força ontem à noite no Anhembi, em São Paulo, quando mais de 30 mil pessoas prestigiaram o maior festival do gênero já realizado no país

Tom Cardoso
14/01/2001
Que Rock in Rio que nada! As mais de 30 mil pessoas que foram ontem ao Anhembi, em São Paulo, se deliciaram não com as guitarras, mas com o gênero musical renegado pelo festival carioca. Foram quase 12 horas de rap de primeiríssima qualidade, com Thaíde e DJ Hum, 509-E (que, na última hora, conseguiu autorização para tocar no evento) e Racionais MCs. Até Marcelo D2, única atração “estrangeira”, superou o tradicional bairrismo entre paulistas e cariocas e fez uns dos bons shows da noite.

Antes da abertura oficial do festival, ocorrida com mais de três horas de atraso, os DJs da Rapsonsoulfunk e os grupos Realidade Cruel e Faces da Morte trataram de animar o público, ainda um pouco morno e ansioso pelas apresentações dos grandes astros da festa. Na sala VIP, o Senador Eduardo Suplicy e o filho roqueiro, Supla (não dava para saber qual dos dois estava mais deslocado) dividiam o mesmo espaço com João Gordo e a hoje crescidinha cantora do Balão Mágico Simony, num clima de pouca cordialidade.

Veteranos do hip hop brasileiro e respeitados pela nova geração de rappers, Thaíde e DJ Hum subiram no palco um pouco antes da virada do dia. A dupla, que alcançou popularidade ainda nos anos 80, nas rodas de break do largo do São Bento, tradicional reduto de hip-hop paulistano, privilegiou o repertório de seu último disco, Assim Caminha a Humanidade, e não deixou de tocar alguns de seus grandes sucessos, Sr. Tempo Bom e Malandragem Dá Um Tempo (que, apesar do mesmo título, não é o sucesso de Bezerra de Silva).

Thaíde se irritou com uma parte da platéia, que insistia em subir no palco para dançar ao seu lado. Aliás, a Groove Brothers, produtora responsável pela idealização do festival e de propriedade de Ice Blue, dos Racionais, e de Primo Preto, ainda precisa adquirir um certo know how na organização de grandes eventos. A segurança foi tolerante demais com o público formado perto do palco, que em muitos casos dominava o show, dançando na frente do artista. Os atrasos também foram longos. Era mais de uma hora da manhã (três horas além do horário previsto), e Marcelo D2 ainda não tinha subido ao palco.

O vocalista do Planet Hemp mostrou personalidade de sobra em seu show solo, que já rendeu bons frutos, como o disco Eu Tiro É Onda, lançado em 1999. Apesar de ter sido recebido por uma tímida vaia, o rapper carioca foi conquistando a galera aos poucos, principalmente quando decidiu incluir no repertório alguns hits do Planet, como Queimando Tudo, Mantenha o Respeito e Dig Dig Dig. D2 até contrariou o conservadorismo do rappers paulistanos, e mandou ver no samba, com direito a cuíca e tudo e uma homenagem a Jovelina Pérola Negra.

Eram 3h30 quando enfim os Racionais deram as caras, acompanhados de Dexter e Afro X, do grupo 509-E, vindos diretamente da Casa de Detenção para o Anhembi. O público delirou quando Mano Brown e companhia cantaram juntos Capítulo 4, Versículo 3, uma das bombásticas faixas do já clássico disco Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais. As atrações se revezaram no palco, ao som de sucessos como Diário de um Detento (Racionais) e Hora H (509-E). Mano Brown, até deixou de lado o segredo exagerado em torno do próximo disco do grupo e cantou algumas inéditas, com destaque para Vida Loka.

O público, que ficou de pé mais de 12 horas esperando os Racionais, nem sentiu o cansaço e cantou com fidelidade todas as letras da banda. Dexter e Afro X talvez puderam ver o sol nascer antes de voltarem para o xadrez. Mano Brown, conhecido por seu jeito de poucos amigos, parecia uma criança, abraçando cada fã que subia no palco. Uma noite para ficar na história do rap nacional.