Milton, aos 60, reúne gerações em <i>Pietá</i>

Disco de inéditas dedicado ao universo feminino traz cantoras-revelação e compositores novos e veteranos

Marco Antonio Barbosa
29/12/2002
Milton Nascimento foi mais um dos gigantes da MPB a completar em 2002 sessenta anos de vida - junto a Caetano, Chico, Gil, Ben Jor e Paulinho da Viola. Conforme reza a lenda sobre o caráter de seus conterrâneos mineiros, Bituca preferiu ficar quieto, low-profile, guardando a voz para ser solta em ocasião propícia. A chance perfeita concretizou-se com o lançamento de Pietá, primeiro disco de inéditas de Milton em cinco anos. O que veio bem a calhar, pois o álbum também veio a merecer aclamação quase unânime e aplausos da crítica. Nada melhor para comemorar uma efeméride tão importante quanto a virada da sexta década de vida (completa no dia 26 de outubro).

Em entrevista coletiva concedida no Rio de Janeiro para lançar Pietá, Milton não escondeu estar vivendo um ótimo momento pessoal e artístico. "Foi um ano de muito trabalho, de reencontros com velhos amigos e também um ano de fazer novas amizades. E eu trabalho melhor assim, com muitas pessoas à minha volta. Quanto mais gente, melhor", afirmou o cantor, que em 2002 também inaugurou seu selo (Nascimento) e promoveu o relançamento de duas trilhas sonoras que fez para espetáculos de dança, produzidas originalmente nos anos 70.

Pietá coroa este bom período. Trata-se de um álbum dedicado à mulher, e à voz feminina em particular. "Essa minha ligação com o universo feminino vem desde pequeno, com tudo o que aprendi com minha mãe adotiva (Dona Lília, a quem o disco é dedicado). Foi dela a primeira voz de mulher que ouvi, e isso me marcou para sempre. Sempre gostei mais de cantoras do que de cantores, porque sentia que elas cantam com o coração acima de tudo", relembrou Milton. Num disco que versa sobre (e foi feito para) as mulheres, nada mais natural que o cantor se cercasse de participações especiais femininas. E três jovens intérpretes juntaram suas forças à poderosa garganta de Milton: Maria Rita Mariano, Simone Guimarães e Marina Machado. "Eu trouxe as três para junto de mim", diz Milton.

A mais notável das três companheiras é Maria Rita, ninguém menos que a filha de Elis Regina e Cesar Camargo Mariano. A jovem (21 anos) cantora, que apenas este ano lançou-se profissionalmente, reencontrou-se com Milton em janeiro último. Levando-se em conta a relação (inclusive extra-artística) que Milton tinha com Elis, a ponte entre ele e Maria Rita tinha tudo para se concretizar. "Ela me deu um CD para eu dizer o que ela devia fazer da vida. Trouxe-a para cantar comigo. Resolvi que só faria o disco se pudesse contar com ela", relatou o mineiro. "Nem quero comparar a voz dela à de Elis, mas há a carga dos genes, não é?". O disco abre com uma homenagem escancarada a Elis (que foi a primeira artista a gravar uma música de Milton, em 1966), A Feminina Voz do Cantor.

Longe de serem revelações, apesar de ainda não terem despontado de vez na mídia, Simone Guimarães e Marina Machado completam o triunvirato feminino de Pietá. "Conheci a Simone bem no começo de sua carreira, ainda no interior do estado de São Paulo, onde ela nasceu. Ela era uma menina na época, me surpreendi com o quanto ela cresceu como artista", relatou Milton. A conterrânea Marina, quase uma veterana na cena emepebística de Belo Horizonte, se encontrou com Milton em 1999. "Ela tem uma voz que eu nunca tinha ouvido antes, uma loucura", elogiou o cantor.

Para Milton, tão importante quanto cantar e decantar a mulher - em canções como Tristesse, Casa Aberta ou Voa Bicho - foi agregar-se a novos talentos, além das já citadas cantoras. "Acho que não faria sentido me juntar a vozes novas se não pudesse cantar material de novos compositores também", opinou Milton. Assim, na barca de Pietá acabou sobrando espaço para gente como Chico Amaral (letrista do Skank), Bena Lobo, Flávio Henrique (parceiro de Marina Machado), e Kiko Continentino. "Essa vontade de reunir a moçada também é herança de minha mãe. Ela gostava de ver a casa cheia de garotos, se divertindo e fazendo a alegria dos outros", relembrou o mineiro.

Além da moçada, Bituca fez questão de contar com outros parceiros, estes amigos de longa data: Fernando Brant, Lô Borges e o arranjador Eumir Deodato (que, por pouco, não conseguiu trazer a islandesa Björk, fã de Milton, para cantar no disco também. "Ela só não veio porque estava grávida", diz o cantor.) Pietá então ganha mais semelhança com outros projetos anteriores de Milton, como os álbuns gravados com o Clube da Esquina original e discos como Minas e Gerais. "Gosto de pensar que este disco novo é como um quarto trabalho do Clube da Esquina. Além dos dois primeiros discos do Clube, também considero que Angelus (93) é digno do Clube, um disco que também tinha gente nova tocando, músicos de jazz e rock", afirmou Milton.