Moacir Santos diz que agora é mais amigo do rap
Homenageado em dois concertos em São Paulo, o maestro e arranjador cultuado pela MPB elogia regravação de sua Nanã feita por Simoninha com os rappers do Camorra
Carlos Calado
18/12/2000
Prestes a presenciar dois concertos em sua homenagem (nos próximos dias 21 e 22, no Memorial da América Latina, em São Paulo), o lendário maestro, arranjador, compositor e saxofonista Moacir Santos não esconde sua emoção. "Antes de qualquer coisa, estou sempre disposto a vir para a minha terra; em segundo lugar, tenho uma vaidade, um desejo natural de ver minha obra divulgada", diz o pernambucano de 76 anos, que vive desde 1967 nos EUA. Infelizmente, a platéia paulista não vai poder vê-lo tocar. Cinco anos atrás, um derrame afetou os movimentos da mão direita do músico, que até hoje convive também com uma relativa dificuldade para falar.
Cultuado nos círculos musicais, desde o tributo que recebeu na primeira edição do Free Jazz Festival, em 1985, Moacir tem vindo ao país, de tempos em tempos, para acompanhar homenagens semelhantes. Desta vez, uma orquestra formada especialmente para os dois concertos vai executar composições dos álbuns The Maestro e Saudades , que Moacir gravou pelo conceituado selo norte-americano de jazz Blue Note, na década de 70. O repertório inclui também composições inéditas e mais recentes, como Amalgamation e Excerto nº 1.
"Queremos que a garotada de hoje entre em contato com esse músico tão moderno e arrojado. Musicalmente, ele burla todas as leis, com uma excelência de conhecimento. Quando você entra na música do Moacir, percebe que ele praticamente inventa novas leis de harmonia e contraponto", elogia o pianista e arranjador paulista Guilherme Vergueiro, idealizador da homenagem, que também vive em Los Angeles, desde 1990. Ao lado de Guilherme, estarão a cantora Leila Pinheiro e o pianista e cantor Johnny Alf, além de solistas como Roberto Sion (sax alto e flauta), Teco Cardoso (sax barítono, soprano e flauta), Paulo Braga (piano elétrico) e Heraldo do Monte (guitarra).
Mestre de inúmeros astros da MPB e da música instrumental brasileira, Moacir lembra-se com especial carinho do violonista Baden Powell, morto em setembro último. "Na época da bossa nova, todo mundo queria estudar comigo. Baden Powell não foi um dos meus alunos mais aplicados, como eram Carlos Lyra, Roberto Menescal e Nara Leão, mas curtição era com ele mesmo", conta o professor. Curiosamente, quando decidiu trocar Pernambuco pelo Rio de Janeiro, no final dos anos 40, o autodidata Moacir ainda não era exatamente um amigo das partituras e dos livros.
"Foi o Chiquito do Pistom que me incentivou a estudar. Ele disse que eu poderia me tornar um gigante, porque já fazia arranjos sem conhecer as regras", conta Moacir, lembrando que foi procurar o maestro Guerra Peixe, depois de ser convencido pelo colega. "Eu tinha um certo medo de estudar, porque achava que aquela linguagem parecia matemática, era muito algébrica. Aquela história de diminuta, de acorde aumentado, me assustava. Mas eu enfrentei o dragão e, em uns seis meses, me acostumei com a teoria musical". Moacir estudou também com o musicólogo e compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter (professor de Tom Jobim, Paulo Moura e do próprio Guerra Peixe), de quem veio a se tornar assistente.
Pagamentos atrasados
O prestígio que desfrutava nos meios musicais não garantiu, porém, uma carreira estável ao maestro. Em 1967, quando ganhou do Itamaraty uma passagem aérea para Los Angeles, para assistir à estréia da trilha sonora que escrevera para o filme norte-americano "Amor no Pacífico", Moacir decidiu ficar nos EUA. "Cheguei até a pensar em colocar o meu carro na praça, de tão decepcionado que estava com o meu trabalho de maestro e arranjador, naquela época. Os pagamentos na TV Rio atrasavam sempre", lembra, revelando que chegou a passar dificuldades econômicas. Mais uma vez, o maestro foi obrigado a enfrentar seus medos de sertanejo, para dar um passo adiante.
"Eu ouvia todos aqueles cobras americanos tocando e ficava com receio de ir aos Estados Unidos. Chegando lá, observei que havia músicos de todos os graus. Assim, pensei que também poderia encontrar um lugar para mim", conta Moacir, que nos primeiros tempos chegou a tocar piano numa igreja batista da zona sul de Los Angeles, onde se concentra a população negra local. A ajuda do pianista norte-americano (de origem cabo-verdiana) Horace Silver foi essencial para que Moacir começasse a gravar nos EUA. "O Horácio Silva (sic) foi falar com o diretor artístico da Blue Note, George Butler, que sempre estava à procura de novidades. Ele me ouviu tocando na casa de Sérgio Mendes e ficou impressionado com uma composição minha", lembra o maestro.
Autor do afro-samba Nanã (parceria com Mário Telles), um sucesso com mais de 150 gravações, Moacir revela que até hoje sua versão favorita é a gravada pelo obscuro cantor Celso Miguel, que ainda não chegou a conhecer pessoalmente. "Ele usou uma quebrada, um ritmo que me impressionou muito", conta o compositor. Já a gravação mais recente de Simoninha, que inclui participação dos rappers do grupo paulista Camorra, foi responsável por uma mudança de opinião do maestro a respeito do rap. "Cheguei a dizer que o rap não era música, quando o ouvi pela primeira vez. Eu concebo a música através dos sons melódicos, não da fala. Porém, por causa dessa gravação do Simoninha, agora eu já sou mais amigo do rap", admite, bem-humorado.
O fato de as homenagens à sua obra estarem se tornando mais freqüentes (o selo CPC-UMES promete lançar em abril o CD do grupo paraibano J.P. Sax, que inclui a primeira gravação do Excerto nº 1) não chega a estimular Moacir a retornar de vez à sua terra. "Não tenho vontade de voltar a viver no Brasil. A não ser que eu tivesse uma certeza divina de que ficaria bem de saúde novamente. Até agora o anjo ainda não me avisou", brinca o maestro.
Cultuado nos círculos musicais, desde o tributo que recebeu na primeira edição do Free Jazz Festival, em 1985, Moacir tem vindo ao país, de tempos em tempos, para acompanhar homenagens semelhantes. Desta vez, uma orquestra formada especialmente para os dois concertos vai executar composições dos álbuns The Maestro e Saudades , que Moacir gravou pelo conceituado selo norte-americano de jazz Blue Note, na década de 70. O repertório inclui também composições inéditas e mais recentes, como Amalgamation e Excerto nº 1.
"Queremos que a garotada de hoje entre em contato com esse músico tão moderno e arrojado. Musicalmente, ele burla todas as leis, com uma excelência de conhecimento. Quando você entra na música do Moacir, percebe que ele praticamente inventa novas leis de harmonia e contraponto", elogia o pianista e arranjador paulista Guilherme Vergueiro, idealizador da homenagem, que também vive em Los Angeles, desde 1990. Ao lado de Guilherme, estarão a cantora Leila Pinheiro e o pianista e cantor Johnny Alf, além de solistas como Roberto Sion (sax alto e flauta), Teco Cardoso (sax barítono, soprano e flauta), Paulo Braga (piano elétrico) e Heraldo do Monte (guitarra).
Mestre de inúmeros astros da MPB e da música instrumental brasileira, Moacir lembra-se com especial carinho do violonista Baden Powell, morto em setembro último. "Na época da bossa nova, todo mundo queria estudar comigo. Baden Powell não foi um dos meus alunos mais aplicados, como eram Carlos Lyra, Roberto Menescal e Nara Leão, mas curtição era com ele mesmo", conta o professor. Curiosamente, quando decidiu trocar Pernambuco pelo Rio de Janeiro, no final dos anos 40, o autodidata Moacir ainda não era exatamente um amigo das partituras e dos livros.
"Foi o Chiquito do Pistom que me incentivou a estudar. Ele disse que eu poderia me tornar um gigante, porque já fazia arranjos sem conhecer as regras", conta Moacir, lembrando que foi procurar o maestro Guerra Peixe, depois de ser convencido pelo colega. "Eu tinha um certo medo de estudar, porque achava que aquela linguagem parecia matemática, era muito algébrica. Aquela história de diminuta, de acorde aumentado, me assustava. Mas eu enfrentei o dragão e, em uns seis meses, me acostumei com a teoria musical". Moacir estudou também com o musicólogo e compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter (professor de Tom Jobim, Paulo Moura e do próprio Guerra Peixe), de quem veio a se tornar assistente.
Pagamentos atrasados
O prestígio que desfrutava nos meios musicais não garantiu, porém, uma carreira estável ao maestro. Em 1967, quando ganhou do Itamaraty uma passagem aérea para Los Angeles, para assistir à estréia da trilha sonora que escrevera para o filme norte-americano "Amor no Pacífico", Moacir decidiu ficar nos EUA. "Cheguei até a pensar em colocar o meu carro na praça, de tão decepcionado que estava com o meu trabalho de maestro e arranjador, naquela época. Os pagamentos na TV Rio atrasavam sempre", lembra, revelando que chegou a passar dificuldades econômicas. Mais uma vez, o maestro foi obrigado a enfrentar seus medos de sertanejo, para dar um passo adiante.
"Eu ouvia todos aqueles cobras americanos tocando e ficava com receio de ir aos Estados Unidos. Chegando lá, observei que havia músicos de todos os graus. Assim, pensei que também poderia encontrar um lugar para mim", conta Moacir, que nos primeiros tempos chegou a tocar piano numa igreja batista da zona sul de Los Angeles, onde se concentra a população negra local. A ajuda do pianista norte-americano (de origem cabo-verdiana) Horace Silver foi essencial para que Moacir começasse a gravar nos EUA. "O Horácio Silva (sic) foi falar com o diretor artístico da Blue Note, George Butler, que sempre estava à procura de novidades. Ele me ouviu tocando na casa de Sérgio Mendes e ficou impressionado com uma composição minha", lembra o maestro.
Autor do afro-samba Nanã (parceria com Mário Telles), um sucesso com mais de 150 gravações, Moacir revela que até hoje sua versão favorita é a gravada pelo obscuro cantor Celso Miguel, que ainda não chegou a conhecer pessoalmente. "Ele usou uma quebrada, um ritmo que me impressionou muito", conta o compositor. Já a gravação mais recente de Simoninha, que inclui participação dos rappers do grupo paulista Camorra, foi responsável por uma mudança de opinião do maestro a respeito do rap. "Cheguei a dizer que o rap não era música, quando o ouvi pela primeira vez. Eu concebo a música através dos sons melódicos, não da fala. Porém, por causa dessa gravação do Simoninha, agora eu já sou mais amigo do rap", admite, bem-humorado.
O fato de as homenagens à sua obra estarem se tornando mais freqüentes (o selo CPC-UMES promete lançar em abril o CD do grupo paraibano J.P. Sax, que inclui a primeira gravação do Excerto nº 1) não chega a estimular Moacir a retornar de vez à sua terra. "Não tenho vontade de voltar a viver no Brasil. A não ser que eu tivesse uma certeza divina de que ficaria bem de saúde novamente. Até agora o anjo ainda não me avisou", brinca o maestro.
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