Moacyr Luz faz homenagem ao Rio de Janeiro

Lugares, climas e personalidades cariocas são cantados pelo sambista no disco Samba da Cidade

Marco Antonio Barbosa
15/10/2003
A ligação é óbvia: poucos sambistas são tão cariocas quanto Moacyr Luz. Ao intitular seu novo (o quinto) álbum de Samba da Cidade, não pode haver dúvida na cabeça do ouvinte a respeito de qual cidade estamos falando. “É a cara do Rio. A música que existe no Rio é uma música popular. Mas não precisa ser carioca. Até um paulista pode vir ao Rio e fazer também”, filosofou Moacyr. O resultado dessa “música com a cara do Rio” está espalhado pelas 12 músicas do disco, todas inéditas e compostas por Moacyr com parceiros variados - em contraste com o lado mais intérprete exercitado em Na Galeria ouvir 30s , álbum de 2001.

A cidade de Moacyr contém homenagens a lugares, personagens e histórias. Mais um roteiro sentimental do que geográfico. “Essas músicas vêm sendo feitas nos últimos três anos", explica o compositor, que para seu quinto disco ampliou o espectro de parcerias. "Tem músicas com Wilson Moreira, Martinho da Vila, Paulo Cesar Pinheiro, Wilson das Neves, Nei Lopes e Luiz Carlos da Vila", enumera Moacyr. A tradicional dobradinha com Aldir Blanc - "Foi ele quem me escolheu como parceiro", reconta Luz - ainda se faz presente com cinco faixas. "É um número bom de canções, o Aldir sempre será meu parceiro mais importante", diz Moacyr.

Entre os locais peculiares mencionados neste roteiro carioca, estão a Praça Mauá e Vila Isabel, cada qual homenageada com sua faixa própria. "Vila Isabel eu compus com o Martinho (da Vila) logo depois de um show na quadra da escola. A música fala dos fundadores, dos componentes, das cores da Vila", narra Moacyr. Já Praça Mauá: que Mal Há?, feita com Aldir, fala com nostalgia de um tempo boêmio mais idílico ("É como se o Méier brotasse à beira-mar", reza a letra). "É uma fantasia, na qual Nora Nei se mistura com João da Baiana", diz o sambista.

Mas os recantos do Rio deixam outras impressões, menos evidentes. O subúrbio carioca ressurge em Vinte-e-sete-zero-nove (com Nei Lopes); os "barracos" típicos do povão desencanado da periferia são descritos em Briga de Família (parceria com Wilson Moreira); e a sempre presente sugestão do candomblé, do terreiro meio escondido ali na esquina, permeia Zuela de Oxum, outra composição com Martinho. "Vem tudo por acaso, os temas, os encontros, as parcerias", diz Moacyr.

Não há nada de acaso, entretanto, na escolha de dois personagens bem cariocas que são homenageados no disco: Pixinguinha e Lan. O primeiro é relembrado em Som de Prata (composta com Paulo Cesar Pinheiro); o título remete ao doce trinado da flauta de Pixinguinha, a letra eleva o compositor à categoria de santo. "Fizemos essa numa comemoração do Dia Nacional do Samba (2 de dezembro), ano passado. Eu e Paulo sentamos e começamos a recordar de Pixinguinha, sua elegância, do grande coração que ele tinha", narra Moacyr. A outra figura é Lan, personagem-chave de Mitos Cariocas: Lan, mais uma com Aldir. O artista italiano mas "convertido" à carioquice há décadas, é amigo da dupla e presença constante nas rodas de samba comandadas pelos dois noite adentro. "Ele é uma verdadeira entidade. Tinhamos essa idéia de homenageá-lo há tempos", conta Moacyr.

Uma única faixa de Samba da Cidade foi escrita apenas por Moacyr e destaca-se no contexto temático do álbum. É Eu Só Quero Beber Água, que foi composta para o Festival da Música Brasileira promovido em 2000 pela Rede Globo de TV. O samba, defendido pelo próprio Moacyr, chegou à final do evento e conseguiu o 4º lugar na opinião do júri. "Entrei naquele festival com todas as expectativas do mundo. Estava ali com gente de talento, que merecia respeito, nomes como o do Zé Renato, o do José Miguel Wisnik, o do Vicente Barreto, o do Sérgio Santos, o do Chico César...", relembra o sambista. "Mas houve um esvaziamento do projeto. Felizmente tive a chance de levar uma gente muito boa para se apresentar comigo, as Pastoras da Portela, a Teresa Cristina, os melhores músicos de samba do país - Beto Cazes, Carlinhos 7 Cordas, Gordinho..."

Basicamente, a mesma rapaziada que o acompanha em Samba da Cidade. Sob a produção de Paulão 7 Cordas, o disco não inventa em cima da mitologia do samba e vem rechaeado de violões, cavacos, muita percussão e vocais femininos (comandados por Mart'nalia) no contraponto. Tudo bem tradicional, como Moacyr já diz em Cabô, Meu Pai, na qual afirma que "tradição é lanterna". "Isso está presente na preocupação que tenho com a harmonia, com a métrica, com a melodia tradicionais do samba. Faço questão de manter tudo isso. Preservar a história é importante", acredita o sambista.