Morre Cássia Eller, a rebelde da MPB

Cantora faleceu dia 29 no Rio de Janeiro aos 39 anos; médicos afirmam que uso de drogas pode ter sido a causa

Marco Antonio Barbosa
29/12/2001
Não haverá segundo sol para a rebelde da MPB em 2002. Morreu hoje (sábado, dia 29) no Rio de Janeiro a cantora Cássia Eller, aos 39 anos de idade. O boletim divulgado pelos médicos que a atenderam indicava que Cássia morreu devido a uma parada cárdio-respiratória, causada por uma intoxicação exógena - provavelmente por uso de drogas. A cantora foi internada na Clínica Santa Maria (em Laranjeiras, zona Sul do Rio) na manhã de sábado, queixando-se de enjôos e mal-estar. Em entrevista na tarde de sábado - apenas algumas horas antes da cantora falecer - seu empresário, Ronaldo Vilas, garantiu que tratava-se apenas de um caso de estafa, causado pelo excesso de trabalho e estresse. Ainda assim, por volta das 19h15, Cássia morreu.

Segundo Ronaldo Vilas, a cantora passou a noite de sexta (28) para sábado em claro, queixando-se de mal-estar e enjôos. Ao chegar à Clínica Santa Maria, Cássia foi internada na CTI coronariana (especializada em casos cardíacos) e sedada. No boletim divulgado após sua morte, constatou-se que a cantora sofreu duas paradas cardíacas no fim da tarde. A primeira foi revertida pelos médicos, que conseguiram reanimá-la; a segunda foi fatal. A família da cantora não quis dar entrevistas ou comentar o conteúdo do boletim médico. Cássia deixa um filho de oito anos, Francisco.

Cássia Eller teve um ano de 2001 bastante movimentado, um dos mais bem-sucedidos de sua carreira. Após se apresentar no Rock in Rio 3, em janeiro, Cássia gravou em março o especial Acústico MTV, que geraria o álbum homônimo ouvir 30s. Seguiu-se ao lançamento uma extensa turnê, com mais de cem shows (um dos motivos citados por Ronaldo Vilas para justificar o cansaço da cantora). A veiculação do especial na MTV e os shows impulsionaram Acústico MTV - o terceiro álbum ao vivo da carreira de Cássia - à vendagens superiores a 400 mil CDs, um recorde para a cantora. Ela estava prestes a se apresentar na tradicional festa de reveillon na orla marítima do Rio, na virada do ano - e em sua entrevista de sábado à tarde, o empresário da Cássia fez questão de afirmar que o show ainda não tinha sido cancelado. Além de seus próprios trabalhos, Cássia ainda participou em 2001 de projetos de Dado Villa-Lobos (Bufo & Spallanzani ouvir 30s) e Branco Mello (Eu e Meu Guarda Chuva).

Desbocada, sapata, louca, mas sempre fiel a si mesma, Cássia Eller foi uma cantora rara. A cantora carioca atravessou a década de 1990 numa posição única: a de equidistante tanto do rock quanto da MPB. Ao mesmo tempo em que regravava compositores consagrados e usava da estética emepebística em seus discos, tinha trânsito livre no meio roqueiro e fazia questão de radicalizar este aspecto em seus shows. Descolada tanto do cenário pop quanto da leva da "nova MPB", ela seguiu sua carreira, entre altos e baixos, com absoluta personalidade. Contribuiu para tanto sua "escandalosa" postura pública, que incluia total abertura sobre sua homossexualidade, a recusa em seguir o padrão clássico da aparência feminina e suas performances sempre ultrajantes no palco. A se estranhar, apenas a insistência suspeita em discos ao vivo, que quase atropelam uns aos outros de tão parecidos.

Tanto assim, que as polêmicas levantadas pela cantora sobre lesbianismo, drogas e rebeldia não raro eclipsavam sua música. Em seus oito discos (três ao vivo) e muitos shows, sempre como intérprete, Cássia alternou Nirvana e Caetano Veloso, Nação Zumbi e Premeditando o Breque, e foi porta-voz privilegiada de compositores como Nando Reis e Cazuza. Começou tímida, tocando violão, em 1990, no rescaldo das "cantoras ecléticas", num disco (Cássia Eller ouvir 30s) que misturava Renato Russo, Little Richard, Arrigo Barnabé e - já - Cazuza. O primeiro sucesso, Por Enquanto (da Legião Urbana) era deste disco. O segundo, O Marginal ouvir 30s, era muito mais pessoal e interessante, mas vendeu menos. No álbum, Cássia fincava o pé no rock de Hendrix, na vanguarda paulista e tirava o chapéu para a madrinha espiritual Rita Lee.

Sucesso mesmo foi Cássia Eller, ouvir 30s, de 1994 - com os hits ECT, 1º de Julho e Malandragem - esta, de Cazuza e Frejat, já fazendo a ponte para Veneno Antimonotonia ouvir 30s, de 1997, todo dedicado à obra do ex-Barão Vermelho. Em 1999 a cantora chega à maturidade em Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo ouvir 30s, lotado de canções de Nando Reis e de um refinamento pop - mas pé no chão - que faltava a sua carreira.