Moska alça novo vôo entre paradoxos

Cantor encurta o nome e encara guinada estética total com o álbum Eu Falso da Minha Vida o que Eu Quiser

Marco Antonio Barbosa
26/09/2001
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Há quem acredite e defenda que a contradição - e eventualmente a mentira - são trampolins mais do que válidos para a criação artística. Numa guinada estética de conseqüências imprevisíveis até para si mesmo, o cantor e compositor Paulinho Moska lança seu sexto álbum, Eu Falso da Minha Vida o que Eu Quiser ouvir 30s(EMI), abraçando alegremente a contradição e a falsidade como base criativa. A face mais evidente dessa mudança foi a abreviatura do nome artístico do cantor (que agora se assina apenas Moska), mas não há aspecto da obra do autor de Último Dia 30'' excerpts e Me Chama de Chão 30'' excerpts que não tenha sido atingido - da sonoridade à poesia, passando pela própria orientação pessoal de sua carreira.

"O título do disco é um enigma, que eu montei para as pessoas entenderem o que quiserem. Minha diversão é ficar no meu mundinho, bolando esses enigmas - que alguns captam, outros não. Coloquei essa questão do falso em primeiro plano porque para mim a falsidade não é negativa em si: é a possibilidade de uma nova verdade." É assim, ciente dos paradoxos que está levantando, que Moska se coloca diante do público agora. A troca do nome artístico entra neste complexo processo. "Estou afinando meu nome artístico, refazendo sua composição. Meu nome é Paulo Correia de Araújo, vão me chamar de Paulinho sempre, mas o meu nome artístico é sempre mutante - não tenho a obrigação de "zelar" pelo nome Paulinho Moska. Minha arte também é trocar meu nome."

Por isso mesmo, Eu Falso... leva a co-assinatura do Quarteto Móbile-Moska, que - outro paradoxo - é na verdade um trio, formado por Moska, Marcos Suzano (percussão) e Sacha Amback (programações). "Como eu falso da minha vida o que eu quiser, posso até inventar um quarteto que é um trio", diz Moska, rindo. "O quarto integrante será mutante. No disco, foi o engenheiro de som Walter Costa; ao vivo, será um baixista, e isso ainda pode mudar." A colaboração com Suzano e Sacha nasceu com o álbum Móbile, de 1999, e tomou sua forma definitiva durante a turnê com o repertório do disco. (O ainda) Paulinho sentia que precisava redefinir sua sonoridade e a parceria com os dois músicos veio a calhar.

"Eu escrevendo letras bem diferentes, bem pessoais, mas a música que compunha não refletia essa minha procura - eu não tinha um estilo proprio, sentava e fazia funk, um blues, um soul... formatos tradicionais de música. Com o meu encontro com o Sacha e o Suzano, percebi que a minha música não poderia mais ser só a canção, pura e simples - teria que ser a canção e o som dos caras que tocam junto comigo", explica Moska. Essa reinvenção deu nos desconstruídos arranjos do novo álbum. Canções como Um e Outro, Mentiras Falsas, Para Sempre Nunca Mais ou a faixa-título juntam a força percussiva de Suzano e o direcionamento mezzo pop, mezzo camerístico de Sacha a experimentações com samplers, batidas programadas e sintetizadores. "A estranheza do som foi natural, não sentamos e dissemos um para o outro: 'ah, vamos fazer uma coisa diferente'. Tudo surgiu espontaneamente, de ver os caras tocando", fala Moska.

"São músicos que ultrapassam o limite de seus instrumentos", diz Moska sobre os parceiros. "Eles se reinventam, criam os próprios timbres, não têm medo de mexer com computadores. Agora, estamos interessados nessa pesquisa, em saber o que será da MPB pós-eletrônica." Apesar de Moska assinar sozinho todas as faixas do álbum, ele dá crédito fundamental a Sacha e Suzano pelo resultado do disco. "Essa é mais uma das contradições contidas no título: o álbum é meu, faço questão de frisar que se trata de um trabalho pessoal, mas também é deles. Eles não são só os 'músicos que me acompanham'. Eu saí da postura de canário, do artista-solo que fica lá na frente enquanto a banda nem aparece", define o cantor.

Em meio às experimentações sonoras próprias, Moska ainda teve tempo de incluir no álbum a canção Nunca Foi Tarde, versão de uma música do cantor americano Jeff Buckley (a dolorida balada Lover, You Should've Come Over ), falecido precocemente em 1998. "Conheci o primeiro disco do Buckley quando foi lançado, em 1994, mas não prestei muita atenção - eu estava numa fase totalmente MPB, redescobrindo a Tropicália. Ano passado, ouvi o disco de novo e foi uma revelação. Ele me inspirou muito", lembra Moska. Talvez por influência de Buckley, Eu Falso... acaba soando como o trabalho mais sombrio da carreira do ex-Inimigos do Rei. "É um disco que tem elementos pesadíssimos, com letras que falam de dor. As canções são quase todas em tom menor. Só que nem por isso é um CD triste, para baixo", classifica o cantor.

Moska compreende a ambição contida em seu novo projeto e está ciente que a digestão do disco pelo grande público pode demorar - ou até nem acontecer. "Sou um péssimo vendedor de CDs", admite o cantor, falando honestamente das vendas modestas (para os padrões da indústria) de seus trabalhos. "A gravadora até acha que eu merecia vender mais. Ao mesmo tempo, não sofro pressão artística de forma alguma. Sento com eles (da EMI) para discutir minha carreira, eles me propõem certas diretrizes para o trabalho e eu aceito ou não, dependendo de se encaixar nos meus projetos ou não. Nada é imposto." O cantor também se diz relaxado quanto a possíveis acusações de pretensão, ou mesmo à incompreensão dos ouvintes em relação seus novos rumos. "Sempre me achei pretensioso, mas sem o rótulo jocoso que dão ao adjetivo. Meu som pode ser ótimo para mim e talvez não o seja para as outras pessoas. Ficar pensando em quem vai entender ou não, ou quando vão entender... é uma viagem de ego que eu nem vou estar aqui para testemunhar", afirma Moska.