MP3 in Rio dia 2: pirata é termo mal aplicado

Em um debate confuso e acalorado em que até a luz apagou, indústria fonográfica e direitos autorais foram os temas mais abordados; de música digital e MP3, pouco se falou

Nana Vaz de Castro
13/11/2000
A segunda rodada de debates promovida domingo pelo MP3 in Rio (na Universidade Estácio de Sá) fugiu um pouco a seu tema principal. O letrista, jornalista e produtor Nelson Motta, a deputada federal Jandira Feghalli, a jornalista Cora Rónai, o DJ Memê, o advogado Henrique Gandelman, o produtor e dono da gravadora Visom Carlos de Andrade, o diretor do site Novamusica Marcus Moura e o jornalista Vicente Tardin, de CliqueMusic, tiveram que ouvir repetidas vezes a platéia pedindo para que se voltasse ao tema original da mesa-redonda: "Música Digital: A Grande Revolução". Até a luz apagou – por distração do operador – provocando um inesperado clima de descontração.

De concreto, estabeleceu-se a distinção necessária entre os termos "pirata" e "ladrão". A questão foi levantada por Cora Rónai, editora do caderno Informática do jornal O Globo. Segundo ela, a palavra "pirata" é muito mal usada no contexto da tecnologia, pois engloba tanto o usuário que baixa uma música no Napster quanto o indivíduo que tem uma fábrica clandestina e copia 100 mil CDs para vender em camelôs. "Esses são ladrões, não são piratas. O ladrão se apropria de algo alheio para obter lucro. O pirata, não", disse Cora. Nelson Motta lembrou ainda do serviço que prestaram à música os fãs que gravaram shows piratas, que de outra forma estariam irremediavelmente perdidos.

Broadcast x juke box
Carlos de Andrade, que até pouco tempo era diretor da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), falou sobre os processos impetrados por essa entidade e pela APDIF (Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos), que só este ano fechou 2.300 sites que disponibilizavam música para download.

Como exemplo de atitude correta de respeito a gravadoras, autores e intérpretes, Carlos citou CliqueMusic, que fez consultas às entidades antes de disponibilizar músicas em streaming e faz questão de recolher direitos e atuar dentro das normais legais.

Usando o caso da Usina do Som, ele explicou também que uma rádio comum (pelos meios convencionais ou pela Internet) atua em formato broadcast, transmitindo a mesma programação para todo o público. Já as cyber-radios interativas funcionam como juke box, possibilitando ao usuário escolher individualmente o que quer ouvir. Memê ressaltou que a interatividade é uma das principais características e da Internet – e um dos seus maiores atrativos –, e que acabar com isso seria uma espécie de retrocesso.

Jandira Feghalli falou dos aspectos legais implicados pela música digital, e fez ferrenha defesa dos direitos do autor e do intérprete, ressaltando sua condição de "ex-baterista". No entanto, Nelson Motta criticou os processos de arrecadação brasileiros. Segundo ele, no Brasil 80% do que se arrecada vêm dos "pequenos" (bailes e festas, shows em barzinhos, música ambiente em consultórios, restaurantes e elevadores), e apenas 20% são provenientes dos veículos de comunicação que ganham dinheiro com música, enquanto nos Estados Unidos a proporção seria inversa.

Formato aberto
As gravadoras foram mais uma vez apontadas como grandes responsáveis pela massificação musical e pela má qualidade do que é levado para a mídia. Sobre a política de preços praticada pela indústria, Carlos de Andrade afirmou que, durante sua atuação na ABPD, a questão do preço final do disco nacional nas lojas (algo entre R$ 20 e R$ 25) nunca foi discutida – e provavelmente não será mudada. Memê foi, neste ponto, uma voz discordante: "As pessoas falam como se as gravadoras fossem órgãos do governo ou entidades filantrópicas, se acham no direito de opinar sobre como elas devem agir. Ora, as gravadoras editam o que quiserem, como e quando quiserem. Pintam as gravadoras como vilãs da história, mas de cada dez bandas que estão começando, nove querem assinar um contrato com alguma major", polemizou o DJ.

No entanto, o "tesouro da humanidade" que a música representa foi lembrado por Cora, firme defensora do MP3 por sua característica de formato aberto. "É por isso que a indústria e os consumidores não estão se entendendo. O usuário quer um formato aberto, transportável para várias mídias, que possa ouvir fora do seu computador. O MP3 é o sucesso que é porque é aberto", disse ela, atentando para o fato de ser possível achar no Napster músicas que as gravadoras não se interessam em repor no catálogo.

Em um ponto, entretanto, todos concordaram. Muito do medo que as gravadoras sentem do MP3 e do Napster vem do fato de que o consumidor não aceitará mais comprar um disco com uma música boa e nove para preencher espaço.

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