MPB racha ao discutir numeração de CDs
Projeto defendido por Lobão esbarra em resistência das gravadoras e provoca reação de outros artistas
Marco Antonio Barbosa
09/07/2002
Um velho cavalo de batalha de Lobão alçou vôo, nas últimas semanas, da conhecida retórica agressiva do cantor para todos os cadernos culturais brasileiros: a obrigatoriedade, por força da lei, da numeração de todas as obras artísticas, científicas e literárias a serem editadas no país. O cerne da polêmica está na formada batalha entre os artistas que defendem esta lei e as gravadoras - em especial as multinacionais. O embate ganhou novas cores na semana passada, com a divulgação de um documento contrário ao projeto de lei (já aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal), sancionado pela assinatura de vários figurões da MPB. Tal carta foi rebatida por um novo "manifesto" emitido por Lobão, Beth Carvalho e Nehemias Gueiros (advogado especialista em questões de direitos autorais). E agora? O projeto vira lei ou não? Quem está contra e quem está a favor? Quais são os argumentos de ambos os lados?
Com a palavra, Lobão, auto-declarado porta-voz do lado pró-numeração: "Não deve haver nenhuma suspeita da legitimidade do processo. É preciso, sim, da colaboração das gravadoras e da indústria fonográfica como um todo, para que possamos afinal esclarecer todo o caminho que o CD faz da fábrica até o consumidor." A numeração dos discos é um ponto no qual Lobão vem insistindo desde antes de se desligar do mercado fonográfico tradicional e montar seu próprio selo, Universo Paralelo. "Nós temos hoje a tecnologia necessária para fazer essa numeração. Eu numerei as cem mil cópias que vendi de A Vida É Doce . Não tinha como numerar a bolacha, mas numerei no papel", afirma o cantor.
Segundo Lobão, sobressai em toda a confusão a má vontade das gravadoras em relação ao projeto. "Eles estão sob a suspeição de toda a classe artística. Eu não estou reclamando à toa, tenho dados e números para isso. Vendi 23 mil cópias de Me Chama, segundo a gravadora, mas a música foi a mais tocada nas rádios na década de 80. Como é possível explicar isso? Há 12 anos não recebo os direitos autorais que a BMG me deve e qual o controle que tenho sobre isso?".
Como, por que, para que
O projeto de lei n 4.540-A, de 2001, apoiado por Lobão e apresentado pela deputada Tânia Soares (PC do B-SE), tem como conceito básico a numeração de cada um dos exemplares de CDs e livros a sair das gráficas e prensas fonográficas, além da assinatura dos artistas em cada uma das cópias. A intenção é aumentar o controle sobre o que se vende e o que se deixa de vender de cada título. O artista poderia ter dados mais exatos sobre o que lhe é devido de direitos autorais, e a numeração poderia ser mais uma arma da indústria contra a pirataria. Depois que o projeto passou - com unanimidade - na Câmara dos Deputados, as gravadoras insurgiram-se contra a idéia. Ainda assim, o Senado também aprovou a proposta e agora só falta a sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso para o projeto virar lei.
Entre os pontos negativos do projeto apontados pela ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco), está a suposta inviabilidade mecânica de numerar um a um os CDs, a impossibilidade física dos artistas assinarem cada um dos exemplares e a demora na implantação dos processos, que facilitaria a vida dos pirateiros. "Não há como numerar um CD na linha de montagem porque eles são fabricados simultaneamente em diversas máquinas, além de ser impossível colher as assinaturas de todos os autores nos milhares de exemplares que serão postos à venda posteriormente", afirma Issac Hensi, presidente da Microservice, maior fabricante de discos no Brasil.
Do contra e a favor
Um fator de complicação para a questão surgiu no final da semana passada: a tomada de posição de artistas contrários à lei. Ivan Lins foi o primeiro grande nome da MPB a colocar sua opinião. Em entrevista à Folha de São Paulo, Ivan disse que o projeto de lei de Tânia Soares é "anacrônico e inócuo", e que acabaria por tumultuar ainda mais a guerra contra a pirataria. Caetano Veloso assinou texto na mesma Folha, no último dia 6, também posicionando-se contra o projeto de lei. "O texto revelou-se-me inoportuno, perigoso e, de resto, tecnicamente inaceitável", escreveu o baiano. O detalhe é que tanto Caetano quanto Ivan tinham dado apoio, em primeira instância, a Lobão. Um abaixo-assinado organizado pelo autor de Revanche e divulgado em meados de junho reunia cerca de 400 nomes da MPB e do pop brasileiro, incluindo Chico Buarque, Ney Matogrosso, Marisa Monte, Lenine, Martinho da Vila, Max de Castro e Ed Motta (a lista completa pode ser vista no site www.lobao.com.br). A bem da verdade, Rita Lee já havia "rachado" o apoio ao projeto, mas - segundo a cantora - por divergências pessoais com Lobão, e não pelo teor da proposta.
Uma segunda lista, organizada pela ABPD, foi divulgada na semana passada. O documento criticava as supostas incoerências do projeto e pedia, ao presidente Fernando Henrique, que o mesmo fosse vetado. Marcos Maynard, presidente da gravadora Abril Music, foi o cabeça da nova investida. Um número bem menos significativo (cerca de 30) artistas avalizou o documento; para compensar a inferioridade numérica, a presença de nomes como Roberto Carlos, Lulu Santos, Sandy & Junior, Paulo Ricardo (RPM) e Adriana Calcanhotto pesou.
O bate-boca não dá sinal de ter fim próximo. De um lado, a deputada Tânia Soares afirma que "o direito autoral no Brasil não é respeitado" e que "é preciso moralizar a indústria fonográfica". Já artistas como Caetano Veloso rejeitam o ataque às gravadoras. "Ora, se alguém sabe que muitas empresas fraudam e umas poucas agem honestamente, deve chamar a polícia e acionar a Justiça contra as fraudadoras", argumentou o baiano. A decisão final está na mãos do Palácio do Planalto e - em ano de eleição - pode envolver variáveis mais políticas do que seria o recomendado.
Com a palavra, Lobão, auto-declarado porta-voz do lado pró-numeração: "Não deve haver nenhuma suspeita da legitimidade do processo. É preciso, sim, da colaboração das gravadoras e da indústria fonográfica como um todo, para que possamos afinal esclarecer todo o caminho que o CD faz da fábrica até o consumidor." A numeração dos discos é um ponto no qual Lobão vem insistindo desde antes de se desligar do mercado fonográfico tradicional e montar seu próprio selo, Universo Paralelo. "Nós temos hoje a tecnologia necessária para fazer essa numeração. Eu numerei as cem mil cópias que vendi de A Vida É Doce . Não tinha como numerar a bolacha, mas numerei no papel", afirma o cantor.
Segundo Lobão, sobressai em toda a confusão a má vontade das gravadoras em relação ao projeto. "Eles estão sob a suspeição de toda a classe artística. Eu não estou reclamando à toa, tenho dados e números para isso. Vendi 23 mil cópias de Me Chama, segundo a gravadora, mas a música foi a mais tocada nas rádios na década de 80. Como é possível explicar isso? Há 12 anos não recebo os direitos autorais que a BMG me deve e qual o controle que tenho sobre isso?".
Como, por que, para que
O projeto de lei n 4.540-A, de 2001, apoiado por Lobão e apresentado pela deputada Tânia Soares (PC do B-SE), tem como conceito básico a numeração de cada um dos exemplares de CDs e livros a sair das gráficas e prensas fonográficas, além da assinatura dos artistas em cada uma das cópias. A intenção é aumentar o controle sobre o que se vende e o que se deixa de vender de cada título. O artista poderia ter dados mais exatos sobre o que lhe é devido de direitos autorais, e a numeração poderia ser mais uma arma da indústria contra a pirataria. Depois que o projeto passou - com unanimidade - na Câmara dos Deputados, as gravadoras insurgiram-se contra a idéia. Ainda assim, o Senado também aprovou a proposta e agora só falta a sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso para o projeto virar lei.
Entre os pontos negativos do projeto apontados pela ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco), está a suposta inviabilidade mecânica de numerar um a um os CDs, a impossibilidade física dos artistas assinarem cada um dos exemplares e a demora na implantação dos processos, que facilitaria a vida dos pirateiros. "Não há como numerar um CD na linha de montagem porque eles são fabricados simultaneamente em diversas máquinas, além de ser impossível colher as assinaturas de todos os autores nos milhares de exemplares que serão postos à venda posteriormente", afirma Issac Hensi, presidente da Microservice, maior fabricante de discos no Brasil.
Do contra e a favor
Um fator de complicação para a questão surgiu no final da semana passada: a tomada de posição de artistas contrários à lei. Ivan Lins foi o primeiro grande nome da MPB a colocar sua opinião. Em entrevista à Folha de São Paulo, Ivan disse que o projeto de lei de Tânia Soares é "anacrônico e inócuo", e que acabaria por tumultuar ainda mais a guerra contra a pirataria. Caetano Veloso assinou texto na mesma Folha, no último dia 6, também posicionando-se contra o projeto de lei. "O texto revelou-se-me inoportuno, perigoso e, de resto, tecnicamente inaceitável", escreveu o baiano. O detalhe é que tanto Caetano quanto Ivan tinham dado apoio, em primeira instância, a Lobão. Um abaixo-assinado organizado pelo autor de Revanche e divulgado em meados de junho reunia cerca de 400 nomes da MPB e do pop brasileiro, incluindo Chico Buarque, Ney Matogrosso, Marisa Monte, Lenine, Martinho da Vila, Max de Castro e Ed Motta (a lista completa pode ser vista no site www.lobao.com.br). A bem da verdade, Rita Lee já havia "rachado" o apoio ao projeto, mas - segundo a cantora - por divergências pessoais com Lobão, e não pelo teor da proposta.
Uma segunda lista, organizada pela ABPD, foi divulgada na semana passada. O documento criticava as supostas incoerências do projeto e pedia, ao presidente Fernando Henrique, que o mesmo fosse vetado. Marcos Maynard, presidente da gravadora Abril Music, foi o cabeça da nova investida. Um número bem menos significativo (cerca de 30) artistas avalizou o documento; para compensar a inferioridade numérica, a presença de nomes como Roberto Carlos, Lulu Santos, Sandy & Junior, Paulo Ricardo (RPM) e Adriana Calcanhotto pesou.
O bate-boca não dá sinal de ter fim próximo. De um lado, a deputada Tânia Soares afirma que "o direito autoral no Brasil não é respeitado" e que "é preciso moralizar a indústria fonográfica". Já artistas como Caetano Veloso rejeitam o ataque às gravadoras. "Ora, se alguém sabe que muitas empresas fraudam e umas poucas agem honestamente, deve chamar a polícia e acionar a Justiça contra as fraudadoras", argumentou o baiano. A decisão final está na mãos do Palácio do Planalto e - em ano de eleição - pode envolver variáveis mais políticas do que seria o recomendado.
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