mundo livre s/a: política como nos tempos de 68
Grupo recifense lança O Outro Mundo de Manuela Rosario, investindo mais do que nunca em letras contestatórias
José Teles (Recife)
01/09/2003
A política acompanha a banda mundo livre S/a desde Samba Esquema Noise
, seu disco
de estréia, pelo selo Banguela, da Warner Music, em 1994. É desse álbum a
música Se Espumar É Gente, que registra uma tétrica prática de canibalismo
acontecida, na época, em um lixão da periferia do Recife. A política e a
denúncia estão presentes, em maior ou menor grau, em todos os CDs da banda,
e é o leitmotiv do mais recente lançamento da MLS/A, O Outro Mundo de
Manuela Rosário, com selo da pernambucana Candeeiro Records (com
distribuição da Trama).
A banda, que surgiu punk em 1984, produziu o disco inteiro no Recife. As participações especiais foram feitas por músicos da cena local (Pupilo e Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, o flautista César Micchiles, o percussionista Naná Vasconcelos, entre outros). Até a arte da capa também foi feito por designers da cidade, o que, aliás, vem tornando-se uma prática comum. Naná também gravou seu último disco no Recife, assim como o fez os Devotos).
O fato de poder produzir um CD, entre amigos, sem imposições de gravadoras, foi o que levou os integrantes da MLS/A a decidirem-se pela Candeeiro Records (responsável pelo ótimo Baião de Viramundo
, um tributo do
manguebeat a Luiz Gonzaga): “A gente havia decidido não fazer mais
discos convencionais, quando a Abril acabou nem procuramos gravadora. A
alternativa seria a Internet ou banca de revistas, mas aí veio o convite de
Pupilo (do Nação Zumbi) para gravar pela Candeeiro”, conta
Zeroquatro, líder e letrista da banda.
Tal decisão, explica ele, deve-se às profundas transformações pelas quais passou a indústria fonográfica nos últimos anos: “Até os anos 70, as multinacionais praticamente não se intrometiam no que acontecia nas filiais. De repente houve as fusões de gravadoras, a entrada de grandes fundos de investimentos, aos quais elas precisam prestar contas. Então se passou a cobrar também da periferia. Exigiu-se mais velocidade dos investimentos. A influência da cartelização vai do preço do disco, até na programação das rádios”.
Foi a partir daí, portanto, que teria surgido a prática da monocultura musical, um gênero, ou subgênero por temporada, sem sobra de recursos para investir na diversidade. "Este fenômeno" analisa Zeroquatro, "deixou um vácuo que vem sendo preeenchido por bandas e artistas independentes, aproveitando a falência do modelo."
A mundo livre S/A, particularmente, aproveitou este vácuo, para emitir sua mensagem engajada, como há muito não se escutava numa banda pop. Zeroquatro, Xef Tony (bateria), Bac (teclados, guitarra), Areia (baixo)e Marcelo Pianinho(percussão) têm consciência de que a politização nunca esteve tão em baixa entre os brasileiros em geral, e entre os estudantes em particular: “O disco serve de canais para coisas que estão rolando na sociedade e não estão sendo discutidas”, diz Zeroquatro, que ainda faz uma ressalva: “Pelo fato de a gente estar fazendo experimentações, isto não significa um rompimento com o formato canção, com o passado da banda”.
O Outro Mundo de Manuela Rosário não chega exatamente a romper com o formato, mas enfatiza de tal forma o discurso político que as melodias tornaram-se secundárias. É um disco conceitual, em que se empregam política, literatura, jornalismo, pontuado pela presença ubíqua de um personagem fictício, a mexicana Manuela. Há muitos anos, rodando continentes, como uma espécie de consciência ética da humanidade, o lingüista americano Noam Chomsky, é ídolo de Zeroquatro, e participa do disco, na faixa CNFS - Comunicado 2, em trechos de uma entrevista que o roqueiro fez com ele, num acampamento do MST, durante o Fórum Mundial, no Rio Grande do Sul, este ano.
A ousadia estende-se aos clipes: “Vamos inaugurar os genéricos. Quem tiver a fim de fazer um clipe com uma música da mundo livre S/A é só entrar em contato com a gente. Já tem uma porção de pessoas interessadas, uma videomaker de Nova Iorque, Kleber Mendonça, videomaker e crítico de cinema de Pernambuco, são alguns”, diz Zeroquatro.
Schwarznegger, John Wayne, o Secretário de Estado norte-americano Colin Powell, George Bush, o Chico Mendes, o cacique Xicão Xukuru (a música de trabalho do CD é O Outro Mundo de Xicão Xukuru), muitos dos nomes que estão envolvidos, de alguma uma maneira, nas mazelas da geopolítica globalizada são citados no disco da Mundo Livre S/A.
A levada à Jorge BenJor continua, assim como o samba-punkrock, mas o balanço de Zeroquatro & cia é direcionado mais para o proselitismo de causas, justas, defendidas pelo grupo, do que para a dança pura e simples, em 68 as banda estaria mais à vontade. Mesmo nos temas menos politizados, a banda não dá refresco. Em Muito Obrigado, investe contra a criticada Ordem dos Músicos do Brasil: “Quem precisa de ordem?/Gonzagão, Morengueira, precisa o quê/Dona Selma, Adoniram, precisa não/Chico Science, Armstrong, precisa o quê/Dona Ivone, Dorival, precisa o quê!” O próprio Zeroquatro não precisa e nem está legalizado junto à Ordem.
Ao contrário do doutor Pangloss, do Candide, de Voltaire, que se supunha no melhor dos mundos, Zeroquatro sabe que o planeta a cada dia desanda, e procura com sua música alertar as pessoas para esta obviedade. A banda apresenta as novas canções ao público carioca, no teatro Rival, em setembro, com data a ser definida. E volta para o Recife para participar do festival Skol Hip Rock, dia 27 de setembro.

A banda, que surgiu punk em 1984, produziu o disco inteiro no Recife. As participações especiais foram feitas por músicos da cena local (Pupilo e Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, o flautista César Micchiles, o percussionista Naná Vasconcelos, entre outros). Até a arte da capa também foi feito por designers da cidade, o que, aliás, vem tornando-se uma prática comum. Naná também gravou seu último disco no Recife, assim como o fez os Devotos).
O fato de poder produzir um CD, entre amigos, sem imposições de gravadoras, foi o que levou os integrantes da MLS/A a decidirem-se pela Candeeiro Records (responsável pelo ótimo Baião de Viramundo

Tal decisão, explica ele, deve-se às profundas transformações pelas quais passou a indústria fonográfica nos últimos anos: “Até os anos 70, as multinacionais praticamente não se intrometiam no que acontecia nas filiais. De repente houve as fusões de gravadoras, a entrada de grandes fundos de investimentos, aos quais elas precisam prestar contas. Então se passou a cobrar também da periferia. Exigiu-se mais velocidade dos investimentos. A influência da cartelização vai do preço do disco, até na programação das rádios”.
Foi a partir daí, portanto, que teria surgido a prática da monocultura musical, um gênero, ou subgênero por temporada, sem sobra de recursos para investir na diversidade. "Este fenômeno" analisa Zeroquatro, "deixou um vácuo que vem sendo preeenchido por bandas e artistas independentes, aproveitando a falência do modelo."
A mundo livre S/A, particularmente, aproveitou este vácuo, para emitir sua mensagem engajada, como há muito não se escutava numa banda pop. Zeroquatro, Xef Tony (bateria), Bac (teclados, guitarra), Areia (baixo)e Marcelo Pianinho(percussão) têm consciência de que a politização nunca esteve tão em baixa entre os brasileiros em geral, e entre os estudantes em particular: “O disco serve de canais para coisas que estão rolando na sociedade e não estão sendo discutidas”, diz Zeroquatro, que ainda faz uma ressalva: “Pelo fato de a gente estar fazendo experimentações, isto não significa um rompimento com o formato canção, com o passado da banda”.
O Outro Mundo de Manuela Rosário não chega exatamente a romper com o formato, mas enfatiza de tal forma o discurso político que as melodias tornaram-se secundárias. É um disco conceitual, em que se empregam política, literatura, jornalismo, pontuado pela presença ubíqua de um personagem fictício, a mexicana Manuela. Há muitos anos, rodando continentes, como uma espécie de consciência ética da humanidade, o lingüista americano Noam Chomsky, é ídolo de Zeroquatro, e participa do disco, na faixa CNFS - Comunicado 2, em trechos de uma entrevista que o roqueiro fez com ele, num acampamento do MST, durante o Fórum Mundial, no Rio Grande do Sul, este ano.
A ousadia estende-se aos clipes: “Vamos inaugurar os genéricos. Quem tiver a fim de fazer um clipe com uma música da mundo livre S/A é só entrar em contato com a gente. Já tem uma porção de pessoas interessadas, uma videomaker de Nova Iorque, Kleber Mendonça, videomaker e crítico de cinema de Pernambuco, são alguns”, diz Zeroquatro.
Schwarznegger, John Wayne, o Secretário de Estado norte-americano Colin Powell, George Bush, o Chico Mendes, o cacique Xicão Xukuru (a música de trabalho do CD é O Outro Mundo de Xicão Xukuru), muitos dos nomes que estão envolvidos, de alguma uma maneira, nas mazelas da geopolítica globalizada são citados no disco da Mundo Livre S/A.
A levada à Jorge BenJor continua, assim como o samba-punkrock, mas o balanço de Zeroquatro & cia é direcionado mais para o proselitismo de causas, justas, defendidas pelo grupo, do que para a dança pura e simples, em 68 as banda estaria mais à vontade. Mesmo nos temas menos politizados, a banda não dá refresco. Em Muito Obrigado, investe contra a criticada Ordem dos Músicos do Brasil: “Quem precisa de ordem?/Gonzagão, Morengueira, precisa o quê/Dona Selma, Adoniram, precisa não/Chico Science, Armstrong, precisa o quê/Dona Ivone, Dorival, precisa o quê!” O próprio Zeroquatro não precisa e nem está legalizado junto à Ordem.
Ao contrário do doutor Pangloss, do Candide, de Voltaire, que se supunha no melhor dos mundos, Zeroquatro sabe que o planeta a cada dia desanda, e procura com sua música alertar as pessoas para esta obviedade. A banda apresenta as novas canções ao público carioca, no teatro Rival, em setembro, com data a ser definida. E volta para o Recife para participar do festival Skol Hip Rock, dia 27 de setembro.