Música brasileira para inglês ver

Misturando os diversos estilos da MPB à música cosmopolita, artistas radicados em Londres buscam o reconhecimento

Nana Vaz de Castro
08/06/2000
LONDRES — Esqueça as "noites brasileiras" nos clubes, com muita lambada, salsa, pagode, caipirinha e boquinha da garrafa. Há uma turma fazendo música brasileira na Inglaterra com propostas muito diferentes. Inspirados na MPB e no samba-jazz dos anos 60 e 70 que faz tanto sucesso nas pistas de dança européias desde o início dos anos 90, músicos radicados em Londres procuram mesclar todas as influências que a capital mais cosmopolita da Europa oferece.

Não chega a ser uma "invasão brasileira", mas até mesmo a revista Time Out — o semanário mais popular de Londres, que traz toda a programação cultural da cidade — já se rendeu, e fez em maio uma edição especial sobre os 500 anos do descobrimento do Brasil, descrito como "the coolest South American country". Além de trazer Gisele Bündchen na capa (e uma entrevista com a supermodelo gaúcha), a revista oferece reportagens sobre Caetano Veloso, Tropicália, drum’n’bass brasileiro e o festival Brasil:Brazil, ainda em comemoração dos 500 anos, que promoverá em junho e julho shows de Caetano, Hermeto Pascoal, Lenine, Daniela Mercury e outros. Para completar, a "versão brasileira" da Time Out, a revista Leros, comemora nove anos de existência com edições generosas e recheadas de anúncios, um avanço considerável para uma publicação que começou como um despretensioso folheto.

Trinta anos depois do exílio tropicalista que gerou London London, uma nova geração de músicos procura fazer seu próprio caminho às margens do rio Tâmisa. Pegue-se por exemplo o grupo Auwê (que no idioma ianomâmi significa, ao mesmo tempo, alegria e saúde), formado pelos brasileiros Mauro Berman (baixo), Gabriela Geluda (voz), Luiz de Almeida (violão/guitarra) e pelo inglês Mark Stewart (teclados). Trazendo experiências musicais bastante diversas (Gabriela já cantou ópera na Alemanha; Stewart já tocou com Madonna), o quarteto prepara seu primeiro disco, a ser lançado no Brasil e na Europa, com composições próprias, cantadas em português, que misturam música indiana, rock e bossa nova.

"O interessante", afirma Berman, "é que quando a gente sai do Brasil começa a ouvir uma porção de coisas brasileiras que antes só sabíamos que existiam, mas nas quais nunca prestávamos atenção". Coisas como Joyce, que gravou recentemente o disco Hard Bossa, fácil de encontrar em qualquer loja de Londres, e Marcos Valle, com quem Berman toca em turnês européias. "Na Dinamarca tocamos para 90 mil pessoas, o que é difícil de imaginar no Brasil", diz o baixista, de 29 anos.

A mistura samba-tabla do Auwê parece agradar, e o grupo vai abrir os shows de Caetano Veloso nos dias 15 e 16 no Barbican Centre, inaugurando o Brasil:Brazil. Com o disco em fase de mixagem, a banda pretende terminar o trabalho e ir ao Brasil ainda este ano vender o projeto para alguma gravadora. Segundo a vocalista Gabriela, 27 anos, quase 5 de Londres, o objetivo é mostrar o trabalho o mais finalizado possível, e por isso as etapas da produção estão sendo feitas com calma, sem afobação. "Já temos algumas propostas interessantes no Brasil", garante Gabriela.

Das festas ao disco
A mesma postura de perfeccionismo e cuidado é demonstrada pela cantora e compositora carioca Ellen Nascimento, 26 anos, há pouco menos de dois em Londres. Ellen prepara seu primeiro disco, pelo selo independente inglês Bam, com repertório em parte inédito. Depois de cantar muito Assis Valente, Edu Lobo e compositores do Clube da Esquina em festas e clubes na Alemanha, Escandinávia e Inglaterra, a cantora quer ter todo o tempo do mundo para trabalhar o disco, que conta com a participação do produtor Will Mowat, que já trabalhou com Fernanda Abreu, Daúde, Daniela Mercury e com a banda Auwê.

O disco está em fase de mixagem, e Ellen espera já ter o trabalho pronto em agosto, quando fará shows no Jazz Café, um dos mais badalados espaços de Londres. "Procuro fazer um resgate da cultura e do pensamento brasileiros", diz ela, que já recusou boas propostas para cantar em festas e navios por total incompatibilidade de repertórios. "Teria que aprender umas 70 músicas que não têm nada a ver com o que eu gosto e acredito". Mesmo satisfeita com o rumo do seu trabalho, Ellen não esconde que viver em Londres nem sempre é fácil. "Como carioca me sinto um pouco isolada", lamenta. "Mas aqui é o melhor lugar para mostrar o que faço, as possibilidades são mais amplas."

Pato Fu agita pistas londrinas
É o que pensa também o DJ Marcos Vinicius, conhecido de toda a comunidade brasileira, que promove animadíssimas e ecléticas festas de música brasileira em bares da cidade. Cearense de Fortaleza, há 16 anos em Londres, Marcos põe a massa pra dançar com Frenéticas, Blitz e Celly Campello no início da noite (que é cedo mesmo, por volta das 19h), e mais tarde ataca com RPM, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana. Sem dispensar os clássicos do samba e do forró, o DJ diz que procura manter-se atualizado com o que acontece no Brasil, e mais para o fim da noite (que acaba no máximo à uma e meia da manhã) é a vez de Pato Fu, Natiruts e Maurício Manieri. Segundo ele, a freqüência é 50% de brasileiros e 50% de ingleses.

Além de DJ, Marcos Vinicius atua também como produtor, promovendo shows. No último domingo, encheu o Café Havana com 520 pessoas para assistir a uma escola de samba trazida por ele. Música pra inglês ver? Não deixa de ser, mas não exclusivamente. Marcos oferece seu espaço para artistas novos, como o brasileiro Nando Lins, que lançou no Bar Madrid, onde Marcos discoteca, seu disco independente, Never Around.

Mesmo em um país onde a latinidade não é exatamente um traço cultural característico, a comunidade musical brasileira na Inglaterra se vira bem, procurando caminhos diferentes para produzir música de qualidade. Todos eles reconhecem que países com raízes latinas como a França e a Itália são mais receptivos à música brasileira — pegue-se como exemplo o enorme sucesso que o pernambucano Lenine vem fazendo em Paris —, mas não dispensam o vasto leque de possibilidades oferecidas por uma capital como Londres, que, mais que qualquer outra, agrega culturas de todo o mundo.