Na eterna presença de Renato Russo

Disco com as gravações caseiras deixadas pelo líder da Legião Urbana sai no dia de seu aniversário, 27 de março

Marco Antonio Barbosa
25/03/2003
Desde a semana passada, é possível reencontrar-se, via ondas do rádio, com a inconfundível voz de Renato Russo. Com a canção Mais uma Vez, uma parceria de Russo e Flávio Venturini, lançada originalmente pelo grupo 14-Bis em 1987, uma vez mais o familiar tom grave do líder da Legião Urbana povoa nosso imaginário. O sucesso radiofônico é apenas o aperitivo para Renato Russo Presente, álbum que encerra uma minuciosa pesquisa no acervo musical pessoal deixado por Renato, falecido em 1996. Com o novo disco, fecha-se uma metade do baú produzido pelo músico nos anos em que a Legião esteve em atividade; a outra metade, composta para (e com) o grupo, ainda está sendo catalogada.

O nome do disco, lançado pela EMI (detentora de todo o catálogo do roqueiro, seja solo ou com a Legião) tem duplo sentido. Presente porque, de novo, o mítico vocalista retoma seu lugar no coração de sua imensa tropa de admiradores. E Presente num sentido mais literal; o CD chegará às lojas no próximo dia 27 (quinta-feira), exatamente o dia em que Renato completaria 43 anos. "Não posso pensar em uma forma melhor de celebrar a pessoa e a obra dele", resume d. Maria do Carmo Manfredini, mãe de Russo, durante uma entrevista coletiva na sede da EMI (RJ), hoje (dia 25). Junto a familiares do cantor, também compareceram o pesquisador e jornalista Marcelo Fróes - que organizou o repertório de Presente e ainda debruça-se sobre o que resta do acervo da Legião - e o produtor Nilo Romero, responsável pelas faixas inéditas contidas no CD.

Faixas inéditas? Sim, elas existem. "Havia um grande saco plástico preto, carregado de cassetes, no apartamento do Renato. Dali saiu muita coisa, um garimpo incrível", relata Fróes sobre as escavações nos arquivos do cantor. "Mas", ressalta o pesquisador, "como 80% das coisas que o Renato produzia eram pensando na Legião, não sobrava muita coisa solo. Ainda assim, foi fácil para descobrirmos o quê era o quê; ele era muito organizado, datava e fazia anotações sobre tudo o que compunha e como pretendia que cada canção fosse utilizada."

A canção que puxa o álbum nasceu de um feliz acaso. No mês passado, Nilo encontrou uma fita arquivada na EMI com um registro de Russo cantando Mais uma Vez - uma surpresa, visto que a música nunca havia sido regravada por mais ninguém. "Eu estava trabalhando num remix da versão original do 14-Bis quando apareceu essa fita", narra Nilo Romero. "Nós logo pensamos em fazer algo parecido com a música Free as a Bird (na qual os três Beatles remanescentes fizeram novo arranjo para um vocal inédito deixado por John Lennon, em 1995)", atalha Fróes. Com uma banda composta por Moska, Sasha Amback, Billy Brandão e o próprio Nilo, uma base totalmente remodelada foi adicionada à voz de Russo, gravada em 1987. "Foi uma emoção incrível, poder tocar junto àquela voz 'congelada' no tempo", diz o produtor. Mais uma Vez acabou entrando no disco na marca do pênalti, quando Presente já estava com o repertório fechado.

Outras inédita chama a atenção: Hoje. É uma parceria entre Russo e Leila Pinheiro, música composta em 1993 e quase esquecida até mesmo por sua co-autora. "Achamos, numa busca fortuita no apartamento do Renato, a fita com a gravação que ele tinha feito da música, só com voz e piano", diz Fróes. "A Leila não tinha uma cópia e até mesmo esquecera trechos da letra, por isso me pediu atenção especial na hora de vasculhar os guardados do Renato." Em Presente, a canção ganhou arranjo orquestral junto ao singelo dueto Renato & Leila.

Ainda há algumas pérolas "semi-preciosas" no álbum. Boomerang Blues, já gravada pelo Barão Vermelho e por Zélia Duncan, ganha afinal um registro na voz de Renato. Flávio Guimarães e Otávio Rocha, do grupo Blues Etílicos, somaram forças à voz/violão originais. Da mesma demo-tape saiu um cover de Thunder Road (Bruce Springsteen), que em Presente ficou sem maiores adendos instrumentais. Com status de quase-raridades, há Gente Humilde - gravada por Renato com Hélio Delmiro, lançada no songbook de Vinicius de Morais, de 1993 - e Quando Eu Estiver Cantando, do disco ao vivo Viva Cazuza. Ambos os álbuns nunca foram relançados e as músicas são, em maior ou menor nível, itens de colecionador hoje.

Um dueto póstumo com Zelia Duncan é a atração de Cathedral Song, já gravada por Renato no disco The Stonewall Celebration Concert (1994) e também por Zélia (mas em português, como Catedral). Os já conhecidos duetos de A Cruz e a Espada, com Paulo Ricardo e A Carta, com Erasmo Carlos, também foram resgatados. Completa o álbum três faixas com depoimentos de Russo ao próprio Fróes, gravados em momentos distintos (1994, 95 e 96) e somando cerca de 26 minutos de conversa. "Tenho cerca de sete horas de entrevista com o Renato", diz Marcelo, também editor do jornal International Magazine. "Como ele dava poucas entrevistas, achei que seria interessante para os fãs incluir as gravações no CD", fala Fróes.

Presente raspa o tacho das gravações solo de Russo, encerrando um trabalho iniciado por Marcelo Fróes em 2000. "Fui chamado para organizar tudo o que foi deixado pelos membros da Legião Urbana, e resolvi começar pelo material pessoal do Renato", diz Fróes. Depois de dar a pesquisa por encerrada em dezembro do ano passado, o jornalista sugeriu à EMI - com aprovação prévia dos pais de Russo - o lançamento da coletânea. "O disco solo do Renato saiu primeiro porque já havia sido combinado, com a gravadora, o Dado (Villa-Lobos) e o (Marcelo) Bonfá, que só vamos lançar algo da Legião quando tudo estiver catalogado", diz o pesquisador.

Já que se falou no assunto... O que ainda pode surgir do baú da Legião Urbana? "A pesquisa está quase no fim, agora estamos coletando gravações em arquivos de emissoras de rádio e TV, coisas gravadas por técnicos e roadies - passagens de som, ensaios - e fitas feitas por fãs", diz Fróes. Entre o vasto material recuperado, estão várias músicas inéditas e até mesmo gravações históricas dos tempos de Renato à frente do Aborto Elétrico, o seminal grupo punk formado por Russo e os irmãos Fê e Flávio Lemos (que integrariam depois o Capital Inicial). "Essas fitas do Aborto não têm qualidade para serem lançadas. Mas podem servir como base para que uma nova formação regrave, afinal, aquelas canções, muitas das quais ainda estão inéditas", fala Fróes.