Nação Zumbi faz o samba gritar

Banda recifense lança explora o som dos tambores em Radio S.Amb.A., seu primeiro disco sem Chico Science, que chega às lojas mês que vem

Carlos Calado
21/06/2000
As antenas dos homens-caranguejos, saídos dos manguezais de Recife, entraram em ação de novo. Chega às lojas, no início do mês que vem, o quarto CD da banda Nação Zumbi. Radio S.Amb.A. é o primeiro álbum sem a participação de Chico Science, ex-vocalista e líder da banda, morto em um acidente de automóvel em 1997. É também o primeiro disco gravado fora de uma major pela Nação Zumbi, que trocou a Sony Music pelo selo independente YBrazil?, sediado em São Paulo.

Segundo o atual vocalista e compositor Jorge Du Peixe, o conceito de Radio S.Amb.A. é antigo. "Eu e Chico começamos a elaborar alguma coisa nesse sentido em 1996. É uma espécie de rádio comunitária, que vai zelar pelo bom som, por um groove legal em cada esquina", explica, definindo o novo trabalho da Nação Zumbi como "um cartucho de resistência sonora". A sigla do título referia-se inicialmente a Serviço Ambiental da Afrociberdelia. "Achamos que não soava legal. Ficou Serviço Ambulante da Afrociberdelia", corrige Du Peixe.

Os fãs da banda pernambucana, que já em seu primeiro álbum (Da Lama ao Caos, de 1994) hasteou a bandeira do movimento Mangue Bit, vão logo notar que todos os integrantes aparecem com nomes de personagens fictícios, nos créditos do novo disco. São eles: Pixel 3000 (Du Peixe), Jackson Bandeira (Lúcio Maia), Fortrex (Pupilo), Amaro Satélito (Gilmar), Djeiki Sandino (Djengue), Mucambo (Gira) e Tocaia (Toca Ogam). "Somos os agentes do S.Amb.A. Defendemos a boa música", explica Du Peixe.

Ressurreição de Chico
Até Chico Science ressurge como um personagem (Dr. Charles Zambohead, que ele mesmo inventara, pouco antes de morrer), na faixa Do Mote do Dr. Charles Zambohead. Em vez de desanimar os parceiros, a ausência do ex-líder e vocalista acabou incentivando a banda a seguir adiante. "Gilmar definiu isso bem outro dia: estamos tocando até hoje, de alguma maneira, para que Chico continue vivo. Não íamos deixar ir embora pelo ralo uma coisa que suamos tanto para construir. Ele vai estar presente sempre", afirma Du Peixe, revelando que ainda não decidiu quando irá musicar a última letra inédita, que ele e Science fizeram, intitulada O Tempo Passa, as Unhas Crescem e as Formigas Trabalham.

Outra novidade na trajetória da banda, que se concretizou em Radio S.Amb.A., foi a da autoprodução. "A gente cogitou várias pessoas para produzir esse disco, mas tem uma hora que você pára e pensa que quem vai traduzir seu som melhor é você mesmo. A responsabilidade é grande, mas nós topamos a parada", diz Jorge Du Peixe, animado com a experiência. "Valeu a pena. A gente nunca esteve tão satisfeito com o resultado de um disco, como esse. É um amadurecimento que vem dos discos anteriores", compara.

No confronto com as gravações dos três CDs anteriores da Nação Zumbi, Du Peixe vê uma vantagem na opção independente adotada pela banda. "Numa gravadora grande, a gente teria um tempo estipulado no estúdio e talvez não pudéssemos fazer tudo o que fizemos", diz, destacando o fato de o selo YBrazil contar com um estúdio próprio. "Isso permitiu que tivéssemos mais tempo para brincar e explorar vários detalhes no som. Pudemos fazer tudo o que queríamos. É um disco bem maduro", avalia.

"Ousamos mais com relação às percussões, que foram muito mais trabalhadas", afirma o guitarrista Lúcio Maia, concordando que Radio S. Amb.A. é o mais percussivo dos álbuns da banda. "Exploramos tanto os níveis sonoros como os timbres e as sonoridades dos tambores, que estão completamente diferentes de uma música para a outra. Antigamente, a gente tentava manter uma linearidade, até para manter um estilo, mas agora nos desligamos disso."

Samba na receita
Uma das faixas mais impactantes do álbum é Arrancando as Tripas, cuja letra dispara: "Mandaram arrancar as tripas do samba". Quem vir aí uma guinada de orientação, esclarece Du Peixe, está enganado. "Já vínhamos mexendo com o samba desde o Da Lama ao Caos. Também existe o samba de maracatu, que é secular e já se chamava sambada. Nossa visão do samba é a mesma do maracatu. Gostamos de usá-lo dissecando-o. Queremos fazer o samba gritar", explica.

O disco destaca várias participações especiais, como as de Fred 04 (da banda mundo livre s/a), dos DJs Zé Gonzales e Rodrigo Nuts (do Planet Hemp), do percussionista Eder (do Mestre Ambrósio), do trombonista Bocato, da Rainha da Ciranda Lia de Itamaracá e do rapper norte-americano Afrika Bambaataa, que comparece por meio de uma gravação feita previamente. Uma das maiores surpresas durante as gravações, observa Du Peixe, foi a participação de Jeff Parker e Dan Bitney, da banda norte-americana Tortoise, na faixa Low-Fi Dream. "A gente estava tocando, quando eles apareceram no estúdio, por acaso. Começaram a ouvir e trocaram algumas idéias com o Lúcio, que os convidou. Logo depois já estavam gravando".

O primeiro videoclipe do disco, baseado na faixa Quando a Maré Encher, já está sendo exibido na programação da MTV. A direção é do paulista Ricardo Fernandes, que também assina o design gráfico do CD. Além de incluir tomadas de Recife, a filmagem teve como cenário um antigo casarão da cidade. "Esse clipe pode não ganhar prêmio nenhum, mas nós gostamos muito dele", diz Du Peixe.

Após um novo show de lançamento em São Paulo (próximo dia 30 de junho, no Sesc Belenzinho), a banda planeja para o mês seguinte uma turnê internacional. A estréia acontece dia 15 de julho, no Central Park de Nova York, como atração do evento Celebrating Chico Science, que fará parte do badalado festival Summerstage. A parte européia da turnê começa em Londres, dia 21 de julho, com shows já agendados em Portugal e na Espanha, por enquanto. Segundo Du Peixe, a banda também planeja lançar seu site oficial até o final do ano.