Nação Zumbi reafirma seu próprio nome

Grupo recifense lança seu quarto álbum de estúdio (o primeiro pela Trama) e sucessor do aclamado Rádio S.amb.A.

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
06/10/2002
Em meio à toda efervescência do renascido manguebeat (que viu, este ano e em 2001, uma gama de novos e antigos artistas acelerando a toda em discos e shows), vale lembrar que, sem eles - a Nação Zumbi - provavelmente não estaríamos aqui agora discutindo a importância do pop pernambucano. A Nação Zumbi, contratada ano passado pela Trama, afinal lança seu quarto álbum; sem título, como que para reafirmar a existência do grupo outrora capitaneado por Chico Science.

Ainda antes do lançamento, Lúcio Maia, guitarrista da banda, já avisava que o trabalho tinha ficado bastante diferente dos anteriores. "O disco seguiu um rumo que não tínhamos imaginado, sequer percebemos a forma que estava tomando durante as gravações. Na hora da mixagem é que um disco pode mudar completamente, e foi o que aconteceu com esse - diferente dos outros, que foram um pouco mais previsíveis", revelou. O fato é que Lúcio e seus companheiros (Dengue, baixo, os percussionistas Jorge Du Peixe, Toca Ogam, Bola 8 e o baterista Pupilo) estão prontos a reassumir a ponta de lança do movimento que ajudaram a criar.

O álbum novo sucede o muito comentado mas comercialmente sumido Rádio S.amb.A. ouvir 30s. Três meses foram suficientes para conceber e gravar Nação Zumbi, produzido em parceria com o vanguardeiro Arto Lindsay e as cabeças paulistanas do grupo Instituto, lideradas por Rica Amabis. Mixagem e masterização foram feitas em Nova York. "Conhecemos o Arto há muito tempo, nós falamos a mesma língua - apesar dele ser gringo...", brinca o baixista Dengue, falando sobre o produtor, nascido nos EUA mas criado em Garanhuns (PE).

Todas as músicas são de autoria do próprio grupo, incluindo parcerias com Rodrigo Brandão em Propaganda, Marcos Matias em Ogan di Bellê e Rogerman em O Fogo Anda Comigo. "O Matias toca com a gente há três anos e sabendo que ele compõe também, deixamos as portas abertas para sua participação. O Roger, que era do (grupo pernambucano) Eddie e agora está no Bonsucesso Samba Clube, mandou um pedaço da letra, que encaixou com a que Jorge du Peixe já tinha; e o Brandão é nosso amigo desde 92. Agora nós o chamamos para compor e cantar também", apresenta Dengue.

O baixista segue enumerando os distintos climas dentro do álbum: "As músicas produzidas pelo Instituto são as com mais groove, com acento mais dub. Já as do (produzidas por) Arto tem uma onda mais agressiva, roqueira", divide. Nas 12 faixas, há participação de Dona Cila do Coco (cantando Caldo de Cana), de Nina Miranda (do extinto grupo Smoke City, em O Fogo Anda Comigo), do jazzista americano John Medeski em Know How ("Uma música antiga, que vem antes mesmo da formação da Nação", resgata Lúcio) e Catatau (do grupo CidadÆo Instigado) em três faixas. Além dessa galera, Lúcio Maia credita boa parte do vibe do álbum à presença do americano Scott Hard, que mixou o disco: "Ele é do Brooklin e tem uma participação forte no hip-hop underground", identifica.

A última faixa do disco, Tempo Amarelo, faz parte da trilha do filme Amarelo Manga, do pernambucano Claudio Assis, ainda inédito no circuito comercial. "O Assis nos chamou (Lúcio e Jorge) para fazer a trilha do curta Texas Hotel, que na verdade é uma parte do Amarelo Manga. Fizemos em dois dias, com poucos recursos, só depois partimos para a trilha completa, que tem dez músicas. Tempo Amarelo é baseada num poema do recifense Renato Campos, que diz que a cor mais presente no Nordeste é o amarelo - desde a unha podre até o canto do canário", explica Lúcio.

O novo disco era para ter saído com 13 faixas, mas Revolucion ficou de fora. "A música tem um discurso de Che Guevara, com um repórter traduzindo para o inglês. A Trama ponderou e achou melhor deixá-la de fora para evitar processos, pois não deu tempo de obter autorização", explica Dengue. "Ela divulga a palavra de Che, acho que não teremos problema nenhum em liberá-la. Depois, pode entrar como bônus nas próximas edições", opina Lúcio. "Se não der, a gente coloca na Internet!", avisa Dengue. Outra aproximação com o idioma britânico, esta incluída no disco para valer, é Blunt of Judah. "Isso remete aos primórdios do grupo, quando flertávamos muito com o inglês. Acaba sendo também uma forma de reforçar nossa divulgação no exterior", acredita Lúcio.

Segundo o guitarrista, a parceria com a Trama vinha de antes do fechamento oficial do contrato, anunciado em dezembro do ano passado. "Isso é 'namoro antigo'. Antes de gravarmos o Rádio S.amb.A., tivemos contato com eles, mas por detalhes não fechamos. Agora, a gente vendeu a idéia antes mesmo de ter o disco pra mostrar... O mais legal foi a confiança mútua, artigo raro em um mercado falido como o nosso", elogia Lúcio Maia. E junto com o novo CD, a Trama aproveita também para assumir a distribução do anterior. "A idéia inicial era ter lançado o CD em setembro e antes lá fora, mas nos atrasamos um pouco e mudamos os planos. No início de 2003 preparamos uma turnê na Europa, para chegarmos junto com o disco", explica o baixista Dengue.