Nana Caymmi não se acanha em palco grande

A irreverente diva inclui sambas-canções como Linda Flor em seu show de boleros no ATL Hall (Rio) e elogia os novos CDs de compositoras como Fátima Guedes, Rosa Passos e Sueli Costa, que tem ouvido, já pensando no próximo disco

Rodrigo Faour
24/05/2000
Uma das últimas divas da MPB, Nana Caymmi, está de volta aos palcos cariocas – na sexta-feira e no sábado, ela lança no ATL Hall o seu novo CD de boleros, Sangre de Mi Alma. É a primeira vez que a cantora realiza uma temporada na imensa casa da Barra da Tijuca. Mas não ela se incomoda. Com a irreverência habitual, diz que não tem porque temer já que o show atual não é tão intimista como os outros que costuma fazer. "São 30 pessoas no palco. Se fiz o Credicard Hall, em São Paulo, que cabem sete mil... Então, fazer o ATL tá safo! Se forem mil, mil e quinhentas pessoas está ótimo. Não chamo isso de prejuízo. Afinal, cada um tem a música que merece!", acredita.

E a temporada em Sampa na semana passada foi bem, Nana? "Financeiramente não sei, ainda não fui informada. Mas foi muito bonito em termos do que eu queria no palco. Essas duas casas – o ATL e o Credicard Hall – servem como vitrine para o Brasil. Se eu for lançar um show em Queimados, ninguém ia ficar sabendo. Essas casas abrem portas", justifica. A opção por uma orquestra de cordas no palco não foi, como poderia se pensar, uma exigência sua. Ela brinca: "Foi idéia do Zé Milton – meu produtor – que delirou, como sempre. E eu, do lado, fazendo conta com lápis. Ele delira, e eu deliro junto. A EMI banca uma parte e minha produtora a outra. Acabei aceitando os delírios", ri.

Boleros e sucessos recentes
O repertório de Nana nesse show é, como sempre, dos melhores. Ela canta os 14 boleros de seu último CD, tais como Te Quiero Dijiste (Muñequita Linda), La Gata Bajo la Lluvia e Mi Ultimo Fracasso, mais algumas surpresas. Tais como Canção da Manhã Feliz (Haroldo Barbosa/Luiz Reis), famoso nas vozes de Elizeth Cardoso e Miltinho, nos anos 60, e regravada por Nana em seu LP de 1980. Outras incluídas no show são Adeus (Dorival Caymmi), Ternura Antiga (Ribamar/Dolores Duran), seus mais recentes sucessos, Resposta ao Tempo e Suave Veneno, e alguns sambas.

As Rosas Não Falam (Cartola), Antonico (Ismael Silva) e o pioneiro samba-canção de 1929, Linda Flor (Ai Iôiô), estão de volta na voz de Nana, só que com andamento diferenciado, menos cadenciado, mais de acordo com a temática das canções. "O Antonico tem uma letra triste, a do Cartola também. A única mais alegrinha é Linda Flor que já começa dizendo ‘Eu nasci pra sofrer’", diverte-se ela, que na verdade, está mesmo é numa fase bolerista.

Para Nana, quem melhor cantou bolero nessa terra foi Lucho Gatica. "Na minha geração, no Brasil, quem fez todo mundo se voltar para o bolero foi o Lucho. Eu com 12, 13 anos já sabia o que era bolero. Mas as coisas se repetem. São cíclicas. A minha neta já sabe o que é bolero ouvindo-o com intérpretes mais recentes, como o Ney Matogrosso cantando Vereda Tropical, depois com Luiz Miguel... O encantamento continua", acredita a cantora que terá mais um bolero incluído sucessivamente em uma novela global. Depois de Resposta ao Tempo (em Hilda Furacão) e a faixa-título de Suave Veneno, desta vez é Solamente Una Vez que entrará na próxima novela das oito da TV Globo, Laços de Família.

Preconceito com as compositoras
Mesmo com show em cartaz, a cabeça musical da cantora não pára. Ela diz que já está "armazenando" em sua memória canções dos novos discos de Fátima Guedes, Sueli Costa e Rosas Passos – todas, suas amigas. Segundo a cantora, a mulher sempre compôs menos por razões históricas de preconceito.

"A partir do momento que você pensar que na primeira metade do século era feio homem tocar violão e a mulher só podia tocar no piano valsas e coisas européias, mesmo assim, em casa, como é que elas teriam abertura? A Chiquinha Gonzaga foi pioneira. Mas só Deus sabe quantas outras houve em volta dela e não tiveram peito de encarar o machismo da época. E mesmo na minha geração, mulher cantora era bêbada, viciada, p...", diz.

Nana vai além e acrescenta que, na verdade as mulheres não compõem mais em razão de toda uma cultura que privilegia a mesmice. "As pessoas têm inveja do criativo. Todo mundo tem que usar calça jeans. É todo mundo de prêt-à-porter. Infelizmente, todos precisam ser iguais. Quando um se sobressai, vão dizer que é v..., sapatona, drogado... No Brasil, principalmente, você nunca é visto pelo seu talento. Até os jornalistas quando falam da gente em suas matérias, raramente falam na palavra talento", detona.