Nando Reis e sua música: enfim, sós

Compositor lança A Letra A, primeiro disco solo após sua saída dos Titãs, no ano passado

Marco Antonio Barbosa
07/07/2003
Nando Reis passou sete anos dividindo sua criatividade, seu coração - sua música, enfim - entre dois domínios. De 1995, ano em que lançou seu primeiro álbum solo (12 de Janeiro ouvir 30s), até setembro de 2002, quando anunciou sua saída dos Titãs, o cantor e compositor admite ter tido dificuldades para expressar tudo o que queria dizer. "Eu saí para construir um espaço para mim mesmo. Tinha coisas que eu queria fazer e simplesmente não cabiam (no grupo). Os Titãs eram uma somatória de vontades de um monte de caras. Para o grupo funcionar, todo mundo tinha de concordar com tudo... e nem sempre todo mundo concorda", lembra Nando, refletindo sobre as inevitáveis limitações da vida em grupo. Cria natural deste período pós-Titãs, chega às lojas A Letra A, primeiro disco realmente solo de Nando - que, a bem da verdade, já conta com outros dois títulos (Para Quando o Arco-Iris Encontrar o Pote de Ouro ouvir 30s, de 2001, e Infernal ouvir 30s, 2002) em sua carreira individual.

"Era para ser um rompimento, mesmo. Não queria que este disco tivesse, de novo, aquela pecha de 'mais um trabalho paralelo de Nando Reis', revela o compositor, que assina sozinho todas as 12 canções de A Letra A. Além da ausência de parceiros, Nando marcou sua solitude ao evitar chamar convidados especiais que pudessem eclipsar sua individualidade. "Isso não foi intencional, mas acabou ficando adequado", considera ele. "Tenho orgulho de minhas parcerias e de tudo que fiz em conjunto com outras pessoas, mas agora eu queria me dedicar a mim mesmo."

Uma ouvida mesmo superficial em A Letra A revela a tremenda distância que separa Nando Reis dos rumos musicais dos Titãs. Com canções longas (mais da metade das faixas supera os cinco minutos de duração) e uma sonoridade inspirada no folk-rock norte-americano, o novo disco cristaliza o estilo muito peculiar de Nando como compositor. "Na verdade, eu mal tenho consciência do que faço, para onde estou indo em termos de estilo. Sei do que gosto de fazer, sigo minha intuição e acima de tudo sou fiel a mim mesmo. O disco novo soa assim por causa do violão, que é o meu instrumento de origem. Eu tinha idéia da sonoridade que queria registrar agora, mas não havia uma safra de canções pronta, não tinha nada", relata Nando.

Da saída dos Titãs até a concretização do disco, tudo foi se ajeitando. "Eu liguei para a Universal (gravadora que lançou A Letra A) e 'pedi' para gravar um disco. Tive que começar tudo do zero. Eu não tinha música alguma pronta, tinha acabado de sair de dois anos muito atribulados", diz Nando, referindo-se ao binômio 2001/2002 - quando além de sua saída dos Titãs houve a morte de duas pessoas muito próximas, Marcelo Fromer e Cássia Eller. Apesar de marcante, o período não deixou rastros fortes em sua inspiração criativa. "Tudo o que houve teve uma repercussão indireta. As coisas que escrevo são reflexo do que eu sinto, mas não necessariamente uma 'reportagem' das minhas experiências. A música tem vida própria", afirma o compositor. "Só sabia que queria gravar com os mesmos músicos que me acompanhavam. Daí eu fui juntando as canções. A grande maioria é nova - a faixa-título, por exemplo, foi a última a entrar no repertório - mas tem música feita em 1996, caso de Mesmo Sozinho."

Reunido com o mesmo grupo que gravou Para Quando... (Carlos Pontual, guitarra; Alex Veley, teclado; Felipe Cambraia, baixo; e o americano Barrett Martin na bateria), Nando gravou um disco de sonoridade simples, semi-acústica, mas densa. O que combina bem com as melodias, que não fogem do estilo pop fluido do compositor, mas que enganam o ouvinte ao longo das extensas canções. "Tem algumas músicas aí (no disco) que eu sei que só mesmo eu poderia gravar", acredita Nando. Cabem nesse contexto canções já conhecidas, como Luz dos Olhos (gravada por Cássia), E Tudo Mais (gravada por Ivete Sangalo) e Mesmo Sozinho (lançada pelos Titãs).

"Luz foi um sucesso com a Cássia. Quando passei a tocá-la nos meus shows, senti que as pessoas ficavam comovidas, cantavam a letra inteira. E Mesmo Sozinho é uma música que gosto muito e que ficou meio esquecida. Foi o resgate de uma filha querida", diz Nando.

Falando em paternidade, na faixa-título de A Letra A sobressai-se o dueto entre Nando e sua filha mais velha, Sophia, de 15 anos. "Tinha de ter uma voz feminina no refrão, então pensei nela. Por que não?", relata ele. "Ficou lindinho. Eu não colocaria se não tivesse saído bem feito. Fiquei orgulhoso." Outra participação, esta mais ao nível de superestrelato mundial, é a do guitarrista da banda americana R.E.M., Peter Buck. Ele pontifica com sua guitarra em De Mãos Dadas e toca violão em A Letra A. "Ele sempre teve uma curiosidade sobre a música brasileira", fala Nando sobre Buck. "Como ele é amigo do Barrett, que toca comigo, mostrei algumas coisas que tínhamos feito quando passei pelo Novo México (EUA), para gravar com o Barrett. Ele gostou e resolveu tocar também, muito informal. Isso é comum no círculo deles, todo mundo participa do disco de todo mundo."

Com A Letra A, Nando Reis espera, afinal, ter dado seu grito de independência, deixando para o passado o carimbo de "ex-Titãs". "Estou bem, enfim. Agora tenho tudo o que quis, estou bem disposto, feliz com minha situação", diz ele, que admite ter saído do grupo (também) para poder "decidir tudo" sobre sua música. "Não queria ter mais que me restringir de forma alguma", revela. "Quando eu percebi que, inconscientemente, não estava a fim de gravar mais um disco com eles é que eu senti o estalo. Eu precisava de autonomia." E resume, categórico: "Um grupo só anda na direção em que todos querem. Eu ando na direção em que eu quiser."