Nei Lisboa volta a fazer suas canções
Depois de um disco de músicas alheias, Hi-Fi, o compositor gaúcho prepara o CD Cena Beatnik, recheado de inéditas, escritas por ele este ano
Márcio Pinheiro
20/10/2000
PORTO ALEGRE – Cena Beatnik começa iludindo, afinal não há nada de beat na idéia da música que deve dar origem ao novo CD de Nei Lisboa. "Não há uma proposta estética e/ou conceitual, é apenas o nome da primeira música", avisa o cantor e compositor gaúcho, para acrescentar que pode estar criando uma falsa expectativa em torno do disco, mas que o repertório só vai ficar fechado no final do ano. Para fazer Cena Beatnik, Nei volta a se juntar com o parceiro Paulinho Supekóvia (guitarra e violão) e com Luiz Mauro Filho (teclados) e Marisa Rotemberg (vocais). "Prefiro trabalhar com grupos pequenos. Além de ser mais fácil ensaiar, tudo sai melhor: os relacionamentos pessoais, a estrutura de produção e até o número de toalhas nos camarins." O disco terá nove composições inéditas feitas nesse ano. Entre elas, Ponto Com, Deu na TV, Produção Urgente, Todo o Brasil e outras quatro ou cinco que estavam na gaveta. Nei Lisboa grava também Deixa Eu me Perder, de Vitor Ramil, e Sex Skill, de Joni Mitchell.
Sem citações a Jack Kerouac, Allen Ginsberg ou William Burroughs – ficou para trás o seu lado on the road, de andanças pelo interior do estado, Florianópolis, São Paulo e Estados Unidos –, o disco traz como novidade a volta de Nei à composição. "Como não componho com facilidade, tentei buscar outra relação com o violão, usando uma afinação mais aberta e tocando em ré. Mas esse ano voltei a ter vontade de compor. Fazer uma canção, para mim, não é algo fluente." O cantor se refere ao fato de o seu maior sucesso ter sido o álbum anterior, Hi-Fi, um acústico gravado no Theatro São Pedro, acompanhado apenas pelo violão de Paulinho Supekóvia e com um repertório que privilegiava canções de outros autores como Everybody’s Talking (trilha do filme Perdidos na Noite, composta por Fred Neil e cantada por Harry Nilsson), ou Bennie & The Jets, do histriônico Elton John, além do resgate do blues I’m Having a Gay Time, de Alberta Hunter, e a readaptação da densa Sometimes It Snows in April, daquele que um dia se chamou Prince. "Não esperava que Hi-Fi tivesse tão boa receptividade, até porque era um show com um forte caráter pessoal e não do velho Nei Lisboa a que o público estava acostumado."
Nei Lisboa poderia ser um nome nacional, representando para os gaúchos, mais especificamente para os porto-alegrenses, algo parecido com o que Chico Science representava para os pernambucanos. Desde o início dos anos 80, quando jogou pão para a platéia, durante um festival da PUC, sublinhando o canto de "e o povo passa fome/o povo quer comer", versos finais do disco de estréia Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina, ele virou um ícone da música urbana feita no Sul. Apesar dessa notoriedade, que lhe possibilitaria alguma tentativa no mercado do centro do país, Nei sempre se manteve longe demais das capitais, preferindo continuar passeando pelas ruas do Bom Fim e pelo Parque da Redenção, fazendo compras no camelódromo próximo ao Mercado Público, produzindo trabalhos em editoração eletrônica e escrevendo o livro Um Morto Pula a Janela.
Um cantor português?
Esse desprezo para o que está além das fronteiras dos Pampas acarreta alguns problemas (discos dele já chegaram a ser classificados em sebos do Rio de Janeiro como sendo de música portuguesa), mas para um povo bairrista como o gaúcho, essa opção por Porto Alegre, ao contrário da até hoje polêmica e pouco homenageada Elis Regina – que por várias vezes declarou que não havia ido para o São Paulo para montar um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) – vale quase tanto quanto um manifesto separatista.
Nei Lisboa fez do Bom Fim a sua trincheira e já produziu discos clássicos como o citado Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina, e também Hein!? e Carecas da Jamaica (que ganhou edição em CD ano passado, pela EMI). Embalado pelo sucesso de Hi-Fi, Nei Lisboa excursionou no ano passado pelo Sul do Brasil e em 2000 apresentou o show Tudo de Novo Um Tanto Talvez pela Próxima Vez, em que se auto-homenageava pelos 20 anos de carreira e revisitava músicas suas de todas as épocas. "Fazer o Hi-Fi foi diferente e muito prazeroso. É bom ficar apenas como intérprete, com facilidade para escolher qualquer repertório. O compositor se expõe demais."
Também esse ano, Nei Lisboa lançou na França Um Morto Pula a Janela, livro que havia sido publicado em 1991 pela Editora Artes e Ofícios, com tradução da sua irmã e, em junho, apresentou Tudo de Novo Um Tanto Talvez pela Próxima Vez em Paris, na Universidade de Saint Denis. "Foi muito legal a apresentação na França. Toquei para umas 150 pessoas, metade do público era formada por brasileiros e teve até churrasco depois do show."
Sem citações a Jack Kerouac, Allen Ginsberg ou William Burroughs – ficou para trás o seu lado on the road, de andanças pelo interior do estado, Florianópolis, São Paulo e Estados Unidos –, o disco traz como novidade a volta de Nei à composição. "Como não componho com facilidade, tentei buscar outra relação com o violão, usando uma afinação mais aberta e tocando em ré. Mas esse ano voltei a ter vontade de compor. Fazer uma canção, para mim, não é algo fluente." O cantor se refere ao fato de o seu maior sucesso ter sido o álbum anterior, Hi-Fi, um acústico gravado no Theatro São Pedro, acompanhado apenas pelo violão de Paulinho Supekóvia e com um repertório que privilegiava canções de outros autores como Everybody’s Talking (trilha do filme Perdidos na Noite, composta por Fred Neil e cantada por Harry Nilsson), ou Bennie & The Jets, do histriônico Elton John, além do resgate do blues I’m Having a Gay Time, de Alberta Hunter, e a readaptação da densa Sometimes It Snows in April, daquele que um dia se chamou Prince. "Não esperava que Hi-Fi tivesse tão boa receptividade, até porque era um show com um forte caráter pessoal e não do velho Nei Lisboa a que o público estava acostumado."
Nei Lisboa poderia ser um nome nacional, representando para os gaúchos, mais especificamente para os porto-alegrenses, algo parecido com o que Chico Science representava para os pernambucanos. Desde o início dos anos 80, quando jogou pão para a platéia, durante um festival da PUC, sublinhando o canto de "e o povo passa fome/o povo quer comer", versos finais do disco de estréia Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina, ele virou um ícone da música urbana feita no Sul. Apesar dessa notoriedade, que lhe possibilitaria alguma tentativa no mercado do centro do país, Nei sempre se manteve longe demais das capitais, preferindo continuar passeando pelas ruas do Bom Fim e pelo Parque da Redenção, fazendo compras no camelódromo próximo ao Mercado Público, produzindo trabalhos em editoração eletrônica e escrevendo o livro Um Morto Pula a Janela.
Um cantor português?
Esse desprezo para o que está além das fronteiras dos Pampas acarreta alguns problemas (discos dele já chegaram a ser classificados em sebos do Rio de Janeiro como sendo de música portuguesa), mas para um povo bairrista como o gaúcho, essa opção por Porto Alegre, ao contrário da até hoje polêmica e pouco homenageada Elis Regina – que por várias vezes declarou que não havia ido para o São Paulo para montar um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) – vale quase tanto quanto um manifesto separatista.
Nei Lisboa fez do Bom Fim a sua trincheira e já produziu discos clássicos como o citado Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina, e também Hein!? e Carecas da Jamaica (que ganhou edição em CD ano passado, pela EMI). Embalado pelo sucesso de Hi-Fi, Nei Lisboa excursionou no ano passado pelo Sul do Brasil e em 2000 apresentou o show Tudo de Novo Um Tanto Talvez pela Próxima Vez, em que se auto-homenageava pelos 20 anos de carreira e revisitava músicas suas de todas as épocas. "Fazer o Hi-Fi foi diferente e muito prazeroso. É bom ficar apenas como intérprete, com facilidade para escolher qualquer repertório. O compositor se expõe demais."
Também esse ano, Nei Lisboa lançou na França Um Morto Pula a Janela, livro que havia sido publicado em 1991 pela Editora Artes e Ofícios, com tradução da sua irmã e, em junho, apresentou Tudo de Novo Um Tanto Talvez pela Próxima Vez em Paris, na Universidade de Saint Denis. "Foi muito legal a apresentação na França. Toquei para umas 150 pessoas, metade do público era formada por brasileiros e teve até churrasco depois do show."