Nova Black Rio atualiza fusão dos anos 70

Cultuado grupo, reformado por William - filho do fundador Oberdan Magalhães - lança agora o álbum Movimento

Marco Antonio Barbosa
03/12/2001
A nova formação da Banda Black Rio (clique para ampliar)
A renascença pela qual a música negra brasileira passou neste ano de 2001 não estaria completa sem o retorno de uma das lendas de sua história. A Banda Black Rio, a polirrítmica agremiação formada nos anos 70 por Oberdan Magalhães, está de volta em sua nova encarnação - nem tão nova, pois já conta com dois anos de atividades - e lança o álbum Movimento ouvir 30s. Tudo é obra de William Magalhães, discípulo maior (e filho) de Oberdan, um obstinado artesão do suíngue que resolveu não deixar a legenda da BBR se encerrar nos livros de história.

"Foi em 1989, eu na época tocava na banda do Gilberto Gil e estávamos de passagem por Londres. Então eu fui a uma feira de discos, na Portobello Road (famoso point de vinis raros e pirataria da capital inglesa), e vi o primeiro disco da Black Rio, Maria Fumaça ouvir 30s, à venda. Por 100 libras! E saquei que havia todo um culto à Black Rio lá na Inglaterra, uma coisa totalmente descolada da mídia. Dá para reconhcer o som da Black Rio em discos do Jamiroquai, Incognito, Brand New Heavies... E me perguntei porque o grupo não tinha este mesmo reconhecimento aqui no Brasil." Assim William Magalhães explica como teve o click que o levou a reformar a banda do pai, oficialmente extinta em 1984 - após a morte precoce de Oberdan em um acidente automobilístico.

Não seria mole, física e artisticamente, recriar a Banda Black Rio. Primeiro, a fusão soul-funk-samba que o grupo original criou, fluida e baseada numa liberdade quase improvisatória, teve de ser minuciosamente reconstruída. "Antes de fazer o primeiro show dessa nova formação, em 1999, passei seis anos pesquisando como meu pai criou aquele som. Fui às quadras das escolas de samba, e também aos bailes funk. Eu tinha que entender a fusão", explica William. Tocar as músicas antigas também foi dureza. Dos membros da nova Black Rio, apenas Lúcio Trombone passou pelo grupo original (os outros são Cláudio Rosa, baixo; Trick, trompete, e Vanderlei Silva e Chocolate, percussionistas). Os outros todos ou são músicos consagrados (Cristóvão Bastos, Jamil Joanes, Barrosinho), ou faleceram (o próprio Oberdan e o guitarrista Cláudio Stevenson). "As composições eram coletivas, sem partitura; as notas ficavam na cabeça dos músicos", diz William. "Tivemos de ouvir os discos antigos milhares de vezes até pegar as levadas certas. Recriar os arranjos de metais, por exemplo, foi complicado - os discos originais tinham uma mancha sonora indefinível cobrindo os metais."

Movimento fecha a primeira fase dessa nova Black Rio, que desde o reagrupamento vem fazendo shows e compondo em ritmo intensivo - tanto que no disco novo apenas uma faixa, Mistério da Raça, é do repertório antigo. "Quando conseguimos tirar o som da velha Black Rio, paramos e fomos fazer a nova Black Rio, safra 2001. Pusemos elementos contemporâneos no som, mas continuamos valorizando o espírito dos anos 70 - a autonomia, a liberdade de compor e misturar o que quisermos. Acabou ficando uma continuação natural do trabalho da banda original. Acho que se o grupo não tivesse parado, estaria soando bem parecido com o que estamos fazendo", acredita William. Por isso o título do álbum. "Não se trata de movimento no sentido de organização ou algo do tipo. É o movimento do tempo. A Black Rio está viva; o movimento é a força do nosso som", fala o líder do grupo.

Ainda elaborando sobre o conceito do disco, William cita a faixa de abertura, Nova Guanabara, como a ponte entre as duas encarnações da BBR. "Colocamos uma citação de Mr.Funk Samba, uma música do primeiro disco da Black Rio, para abrir a música. E todo mundo se pergunta: foi feito ao vivo ou foi sampleado? Criar essa dúvida é legal. Prova que o novo som é tão vital quanto o antigo."

Presença fundamental para a retomada deste Movimento foi Cassiano, o funk soul brother original, que assina no álbum a direção vocal. "Ele dividiu a concepção do disco com a gente. O álbum é tão dele quanto nosso. Nós realmente aprendemos a cantar de novo com a orientação que ele nos deu, duvido que haja um disco brasileiro com a qualidade vocal do Movimento", afirma William sobre a participação de Cassiano. Ele não poupa elogios à lendária figura: "Cassiano é incontestável. É um dos raros sujeitos que nunca se vendeu, tem uma nobreza acima das concessões. É uma sacanagem o que o mercado fez com ele - o Brasil ainda deve um disco ao Cassiano."

Por falar em dívidas, a mesma Regata que lança Movimento deve pôr nas lojas ano que vem um álbum solo de Cassiano. Bernardo Vilhena, diretor da gravadora, tem sua importância reconhecida por William. "Conheci-o através do Cláudio Zoli (que participa de várias faixas do disco da BBR), ele viu que estávamos remontando a Black Rio e logo assim que ele montou a gravadora nos propôs o lançamento. Além disso, foi meu parceiro em duas faixas do disco (Sexta-feira Carioca e Deixa-me Sonhar)", fala o filho de Oberdan Magalhães.